Fluxos migratórios no futebol de base brasileiro

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INTRODUÇÃO

Por que fluxos migratórios? 

O desrespeito aos direitos de crianças e adolescentes no processo de formação de jogadores e jogadoras é uma ocorrência bastante documentada por meio de produção acadêmica, jornalística e de estudos independentes. Entre as principais violações relatadas estão o distanciamento escolar e da família, a sobrecarga nos treinamentos e o abuso sexual.

Para aqueles que amam o futebol e mesmo para os que se preocupam com o futuro de nossa sociedade e país esse assunto merece atenção pois impacta um número significativo de jovens, sendo uma questão que extrapola a esfera do esporte, atingindo nossa sociedade como um todo. 

Mas afinal, qual o tamanho do futebol de base no Brasil?

Publicado em 2019, o relatório: educação e as categorias de base, mostrou que existiam no ano anterior 448 clubes em atividade nas categorias sub-15, primeira com competições oficiais em idade na qual é possível, legalmente, alojar jovens jogadores, ou superiores. Tal número equivale a cerca de 40 mil jovens, em uma estimativa bastante conservadora baseada em entrevistas com profissionais de 7 clubes profissionais de diferentes níveis esportivos do país. Destes, 35 mil, também de forma estimada* atuavam em clubes sem o Certificado de Clube Formador – CCF, sinal de alerta para a garantia dos direitos desses jovens, como aprofunda o referido documento. 

*As escolhas dessas estimativas estão explicadas de maneira detalhada no relatório.

No documento citado também são apresentadas estimativas, ainda de acordo com as entrevistas com os profissionais dos 7 clubes, sobre o número de jovens que transitam pelo país participando de processos seletivos in loco. Também de maneira conservadora e que vamos extrapolar no relatório de agora, o número encontrado foi de 13 mil jovens ao ano.

É em relação a esse contingente, em conjunto com os aprovados que passam a viver longe de suas cidades e estados de origem, que vamos direcionar nossas maiores atenções no presente estudo. 

Distanciamento escolar 

Mencionamos nos primeiros parágrafos outros tipos de violações frequentemente citadas em estudos sobre as categorias de base do futebol. Entre eles, o distanciamento escolar talvez seja o mais fácil de se observar e mensurar, por isso escolhemos nos debruçar sobre ele, especificamente, para ilustrar como o regime de albergamento, os alojamentos, podem ser prejudiciais para o desenvolvimento de jovens jogadores e jogadoras, lembrando que todas as outras violações listadas podem vir a reboque, estando menos documentadas ou recebendo menos atenção dos envolvidos no processo de formação. 

Quando estudados os centros de treinamento e formação de jogadores e o distanciamento do ensino formal o que se percebe é que ele acontece tanto literalmente, com a não presença nas aulas, quanto de uma forma menos objetiva. Estudos publicados por Melo e colaboradores em 2010 apontam que jovens jogadores provenientes de outras cidades e estados que vivem em regime de albergamento em clubes do Rio de Janeiro são os que detêm maior número de reprovações e de atraso escolar quando comparados aos futebolistas em formação que vivem com a família. Também segundo os pesquisadores, quanto maior a faixa etária, mais os jovens são levados a estudar no período noturno. Em outro estudo, realizado por Marques e Samulski em 2009, com 186 jogadores de 18 anos, também é apontado o atraso escolar e dificuldades para conciliar a escola e a carreira esportiva, sendo que mais da metade da amostra parou de estudar em algum momento para se dedicar ao futebol.

Desde então, algumas melhorias, como a própria regulamentação do CCF, vêm sendo implementadas no processo de formação de jogadores, com destaque para o cada vez mais valorizado trabalho das, na maioria mulheres, profissionais do Serviço Social. De qualquer maneira, o tema continua merecendo nossa atenção. 

Tendo em vista a falta de dados sobre o tamanho do futebol de base no Brasil e a necessidade de especial atenção para os jogadores e jogadoras que deixam seus lares para buscar um espaço no futebol profissional, realizamos um levantamento sobre as cidades de origem de jogadores de 12 clubes das séries A e B do campeonato brasileiro de futebol masculino.

OS DADOS DO ESTUDO

O estudo tem dados enviados por 12 clubes das séries A e B do campeonato brasileiro de futebol masculino. Ao todo, foram coletadas as informações de 1680 jogadores nascidos entre 2000 e 2012, sendo 256 menores de 14 anos, ou seja, que não podem legalmente serem alojados. 

Em relação a seus estados de origem, dos 1680 jogadores listados, 718 são de estados distintos dos clubes de onde atuam, assim como 39 dos 256 menores de 13 anos.

Em relação aos fluxos migratórios, ou as origens e destinos dos jogadores temos os seguintes dados:

Origem dos jogadores 

Nascidos entre 2000 e 2007 – 12 clubes

SUL – 3 clubes

13 do norte (4,333333 por clube)

29 do nordeste (9,666667)

26 do centro oeste (8,666667)

85 do sudeste (28,33333)

33 do sul (11)

França 1 (0,33)

Namíbia 1 (0,33)

Portugal 1 (0,33)

Espanha 1 (0,33)

Paraguai 1 (0,33)

Equador 1 (0,33)

Camarões 1 (0,33)

SUDESTE – 5 clubes

14 do norte (2,8 por clube)

100 do nordeste (20)

53 do centro oeste (10,6)

110 do sudeste (22)

42 do sul (8,4)

3 dos Estados Unidos (0,6)

1 do Panamá (0,2)

1 da Bolívia (0,2)

1 da Colômbia (0,2)

CENTRO-OESTE – 1 clube

4 do norte

13 do nordeste

14 do centro oeste

14 do sudeste

2 do sul

NORDESTE – 3 clubes

4 do norte (1,333333)

27 do nordeste (9)

11 do centro oeste (3,666667)

51 do sudeste (17)

5 do sul (1,666667)

1 do Paraguai (0,3333)

Nascidos entre 2008 e 2012 – 5 clubes 

SUDESTE – 4 clubes

6 do norte (1,5 por clube)

17 do nordeste (4,25)

11 do centro oeste (2,75)

13 do sudeste (3,25)

3 do sul (0,75)

1 da Itália (0,25)

51(12,75 por clube) de fora do estado de origem/205 (51,25) no total

NORDESTE – 1 clube

6 do nordeste

1 do sul

7 de fora do seu estado de origem/51 no total

O funil

Os números do relatório: educação e as categorias de base com suas estimativas conservadoras apontam que temos:

40 mil jogadores de base no Brasil (1)

35 mil deles atuando em clubes sem CCF (0,875 para cada um do total da base)

10 mil alojados (0,25 para cada um do total da base) 

13 a 224 mil perambulantes que viajam realmente pelo país (0,325 a 5,6 para cada um do total da base) 🡪 30 a 500 jovens participando anualmente das semanas de avaliação para ingresso nos clubes brasileiros de variados níveis esportivos.

Com base nesses números temos, de acordo com o novo levantamento temos os seguintes dados:

Jogadores nascidos de 2000 a 2012

Total = 1680 (140 por clube) x 40 de série A e B = 5600 x 1000 tentando ingresso para cada um que tem êxito (Damo, 2005 e Toledo 2000) = 5,6 mi tentaram ingresso apenas nesses clubes.  

5600 x 0,25 = 1400 alojados nos 40 clubes das séries A e B

5600 x 5,6 perambulantes (escolhemos o máximo relatado nas entrevistas de 2019 por estarmos analisando clubes de elite, das séries A e B) = 31360 ao ano saem da sua cidade de origem anualmente para serem avaliados, ao menos uma vez em clubes.

Fora do seu estado de origem = 718 (59,83 por clube – 42,7%) x 40 de série A e B = 2393,2 x 1000 = 2,39 mi fora do seu estado de origem tentaram ingresso – Todos avaliados in loco? Não! Muitos são avaliados e sondados em seus estados e cidade de origem antes de viajarem de fato. 

Jogadores nascidos de 2008 a 2012 – jogadores com 13 anos (7º ao 8º ano do ensino fundamental) ou menos de 5 clubes das séries A e B masculinas, do nordeste e sudeste.

Total = 256 (51,2 por clube) x 40 de série A e B = 2048 x 1000 = 2,05 mi tentaram ingresso

51,2 por clube x 40 clubes = 2048 x 5,6 perambulantes por jogador a base = 11469

Fora do estado = 39 (7,8 por clube – 15,2%) x 40 de série A e B = 312 x 1000 = 312 mil fora do estado tentaram ingresso. Todos in loco? Não! 

Observações e discussões

– Estudo publicado em janeiro de 2021 de autoria de Israel Teoldo e Felippe Cardoso demonstra que o número de habitantes e o IDH da cidade de origem dos jovens jogadores impactam na identificação e desenvolvimento de jogadores no Brasil, o que pode ajudar a explicar o maior número de jovens originários do sudeste fora de seus estados nas categorias de base dos clubes estudados. 

– Em relação aos números do presente relatório um ponto de destaque é que estamos falando de um topo de pirâmide em relação ao “mercado de jogadores mirins”. Tendo CCF ou não – a maioria dos clubes que participaram desse levantamento possui o documento, independentemente da estrutura e condições de vida que os clubes oferecem aos integrantes de suas categorias de base, o grande ponto de preocupação é o que se passa com a vida dos perambulantes, principalmente os não aprovados. Essa preocupação deve ser extrapolada para aqueles que perambulam em busca de oportunidades em toda a cadeia produtiva do futebol brasileiro. Ou seja, para além dos mais de 31 mil – 11 mil menores de 13 anos – que viajam em busca de oportunidades nos 40 clubes das séries A e B, quantos outros são avaliados pelos mais de 400 clubes que mantém categorias de base ativas no Brasil? A quais tipos de violações de direitos tais crianças e jovens estão expostas? De quem é essa responsabilidade?

– Com o aumento exponencial da circulação de recursos no futebol feminino, é uma tendência que essa rede de captação tenha cada vez mais uma maior intensidade, aumentando o fluxo de meninas por conta do futebol pelo Brasil e, possivelmente, expondo essas crianças e jovens às violações de direitos já observadas no caso do futebol masculino. 

Como discutido ao longo do seminário “O ensino do futebol – Uma alternativa à captação”, existem caminhos que podem ajudar a diminuir esse fluxo de menores pelo país, com uma gestão mais humanizada das categorias de base, priorizando a Pedagogia de Futebol e não a captação de talentos.

Referências

Análise da carreira esportiva de jovens atletas de futebol na transição da fase amadora para a fase profissional: escolaridade, iniciação, contexto sócio-familiar e planejamento da carreira. Marques, M. P. Samulski, D. M.

Do dom a profissão: uma etnografia do futebol de espetáculo a partir da formação de jogadores no Brasil e na França 2005. Doutorado na UFRGS. Arlei Sander Damo, 2005.

Lógicas no futebol. Luiz Henrique de Toledo, 2000

Onde há fogo, há fumaça. Indústria de Base, 2019.

Perfil educacional de atletas em formação no futebol no Estado do Rio de Janeiro. Leonardo Bernardes Silva de Melo e colaboradores, 2010

Relatório: educação e as categorias de base. Universidade do Futebol, 2019.

Talent map: how demographic rate, human development index and birthdate can be decisive for the identification and development of soccer players in Brazil. Israel Teoldo e Felippe Cardoso, 2021.

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