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A Bolha

Antes de mais nada, é preciso admitir que uma das coisas mais fáceis e divertidas que existem é escrever textos prevendo bolhas financeiras. De tanto que se escreve, uma hora você acerta, como foi o caso do Nouriel Roubini. Com isto em mente, atente às palavras a seguir.

Existe um fato histórico acontecendo no decorrer desta semana, e não é no Chile. O Liverpool, clube mais tradicional da Inglaterra, passa por um momento no mímino delicado. Algum tempo atrás, a dupla Gillet e Hicks (o mesmo do HMTF que investiu no Corinthians), comprou o Liverpool numa engenharia financeira semelhante ao que a família Glazer realizou no Manchester United.

Resumidamente, G&H emprestaram dinheiro para comprar o Liverpool. Assim que conseguiram, transferiram a dívida dos empréstimos pro próprio clube, que passou a ter que pagar milhões de libras por ano em juros. Com a piora do cenário econômico na Europa e outros problemas mais, como a não classificação para a Champions League desse ano, o clube começou a ter problemas em pagar esses juros e as parcelas da dívida, e ficou devendo umas 250 milhões de libras para o Royal Bank of Scotland que, ciente de que a dupla G&H não iria conseguir levantar a grana pra pagar a dívida, designou executivos para tomarem conta da diretoria do time, na tentativa de vender o clube pra zerar a conta. Obviamente, G&H não gostaram da idéia, uma vez que iam perder um bom bocado de dinheiro, e tentaram bloquear a venda. Aí começou uma batalha judicial que está um pouco longe de ser resolvida por completo, mas teve algumas decisões a favor do RBS e da venda para a New England Sports Ventures, dona do time de beisebol Boston Red Sox.

A batalha não é, em si, o problema, mas sim as dificuldades que G&H encontraram pra conseguir financiar a operação do Liverpool, que não é muito diferente dos problemas enfrentados pela família Glazer no Manchester United. É um claro indício de que clubes de futebol passam por uma fase financeiramente complicadíssima. E isso, é claro, impacta na quantidade de dinheiro que esses clubes podem gastar em transferência de jogadores, o que acaba respingando no faturamento dos clubes no Brasil. Para piorar, a Uefa não tem medido esforços para limitar os gastos de todos os clubes com salários e transferências e para incentivar o desenvolvimento de jogadores nas categorias de base. Com isso, menos dinheiro ainda vai para o mercado de transferências.

Isso foi visível na janela de transferências do Campeonato Brasileiro deste ano, em que poucos atletas deixaram o país. Pelo contrário, clubes do Brasil acabaram se reforçando com jogadores retornando do estrangeiro, com salários bastante elevados, o que significa maiores gastos e menos receitas. Bem menos receitas, diga-se, já que normalmente clubes geram entre 20% a 25% do total de receita com transferência de jogadores. Uma equação que é simples de resolver, e o resultado não é nada bom.

O que tem segurado os efeitos dessa complicação mercadológica são os fundos de investimento em atletas, que tem comprado jogadores a rodo. Se antes os clubes tentavam vender seus atletas para clubes estrangeiros, hoje muitos vendem para empresas, que por sua vez se preocupam em vender para os clubes de fora. Por enquanto, essas empresas estão segurando o rojão da liquidez, trocando o direito sob transferência de atletas por auxílio na contratação de outros jogadores. A dúvida, porém, é por quanto tempo essas empresas conseguirão manter esse cenário. Se você dá dinheiro aos clubes em troca de jogadores e não consegue vender esses jogadores, alguma rachadura no ciclo vai acontecer. E aí a bolha vai estourar.

Os efeitos do estouro da bolha do mercado de transferências no Brasil, se isso realmente acontecer, vai depender muito do acordo que essas empresas possuem com os clubes. Dependendo do que estiver acordado, essas empresas se afundam sozinhas ou levam os clubes consigo. Independente do que, alguém vai ter que continuar a pagar salários elevados para atletas, e é certo que esse alguém será, em última instância, o clube que é dono da camisa que esses atletas vestem. Com isso, clubes precisarão arrancar dinheiro sabe-se lá de onde, mas imagino que principalmente da televisão, que, por conta do desespero, será forçada a aumentar o valor dos contratos de transmissão. E, daí por diante, a coisa vai se degringolando.

O sistema financeiro do futebol brasileiro sempre se apoiou bastante na venda de atletas. Agora, o sistema passa por mudanças profundas forçadas por elementos externos que aos poucos vão fragilizando a estabilidade desse sistema. Se o Banco BMG quebra, por exemplo, ele leva junto muita gente, ainda que essa quebra pareça ser uma possibilidade remota. Mas dá idéia do tamanho da fragilidade da estrutura da indústria do futebol brasileiro. Aos poucos, a bolha vai inflando. Se nenhuma espécie de controle começar a ser pensado, existe uma grande chance de haver problemas bastante graves em breve. Há muita oferta de jogadores para pouca demanda que pague bem.

Na crise do café no começo do século XX, o governo mandou queimar os grãos para conseguir estabilizar a relação entre oferta e demanda. Imagino que ele não vá fazer o mesmo com jogadores de futebol. É bom começar a pensar em uma segunda opção.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br  

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Colunas

A retórica do abstrato ou o discurso de Johan Cruyff

Na última página do jornal A Bola, edição de 13 de Julho de 2010, é notícia uma crítica de aberta oposição de Johan Cruyff ao futebol praticado pela Holanda e, afinal, pelas grandes potências europeias do futebol, que não têm estilo e cultura que as distinga umas das outras. As mais conhecidas seleções europeias jogam todas sob os mesmos princípios e os mesmos modelos de jogo. Nelas, impera a mesmidade e escasseia o inesperado e o insólito do futebol verdadeiramente espetacular. Cruyff aponta uma das causas: há demasiados estrangeiros nos campeonatos e, por isso, os melhores jogadores nacionais são forçados a emigrar. Se são convocados para as seleções dos seus países, surgem “mecanizados” por princípios que não refletem a cultura da terra que os viu nascer. É caso para perguntar: há futebol inglês, ou futebol na Inglaterra? Há futebol italiano, ou futebol na Itália? Há futebol holandês, ou futebol na Holanda?

A existência da Fifa significa que o futebol, nos vários países, se edifica sobre leis universais e sobre relações estáveis, duradouras, jerarquizadas. O futebol globalizou-se sob um poder mundializado. E, por isso, há futebol, na Inglaterra, na Holanda, na Itália, na Espanha, em Portugal, etc. E com semelhantes instituições e regras iguais. Só que o poder, qualquer que ele seja, traz consigo, hoje, a incontrolada tirania dos mercados.

A Fifa não globaliza só o futebol, mas também o mercado global que a faz viver, através dos grandes monopólios empresariais e dos poderosos conglomerados multinacionais. As vendas de jogadores, a realização de feéricas competições desportivas, os direitos televisivos, o merchandising, todos proporcionam lucros fabulosos aos donos de um mercado único de capitais, que concentra o dinheiro em meia dúzia de empresários e instituições e dele afasta a esmagadora maioria dos clubes de futebol. A mercantilização do futebol não passa de uma estratégia para excluir dos lucros que o futebol gera um número incontável de clubes que também são a sua razão de ser.

Nos campeonatos dos seus países, não jogam só o Barcelona, ou o Real Madrid; nem o Chelsea, ou o Manchester United; nem a Inter, ou o Milan; nem o Benfica ou o Porto (e não me sirvo de mais exemplos, agora) – muitíssimos outros clubes competem também. Ora, o capitalismo global e os mercados planetários, que a Fifa representa, não se encontram ao serviço das necessidades do futebol, mas dos imperativos do mercado.

Na Fifa, o futebol é a estrutura determinada, e o econômico, a estrutura determinante. Quem, como eu, vê futebol há 70 anos, parece-lhe justo capitular de vã quimera o pensar-se que os futebolistas atuais são admiráveis artistas, face aos seus predecessores de cinquenta anos atrás, tímidos, canhestros e desajeitados. É que, na seleção dos “Magriços”, em Portugal, ou nas “seleções canarinhas” de 58 e 62 (três exemplos, entre outros), não sei se teriam lugar qualquer um dos jogadores brasileiros e portugueses, que representaram os seus países, no Mundial da África do Sul. Incluindo o Kaká e o Cristiano Ronaldo, imobilizados numa inesperada mediania. Mas, as mutações sócioculturais e tecnocientíficas do século XX, mais vastas, profundas e céleres do que em qualquer outro estádio histórico, não chegaram ao futebol e não o transformaram também?

Entre o futebol do Eusébio e do Coluna e o de hoje a diferença é enorme, no profissionalismo dos seus agentes, nas inovações tecnológicas (incluindo as da cibernética, da electrônica, da informática), nas instalações desportivas, nos cuidados médicos, na gestão dos clubes, nos vencimentos dos técnicos e dos jogadores, etc., etc. Mas o futebol perdeu em beleza o que ganhou em eficácia. Hoje, um futebol-espetáculo sem gols perdeu interesse e cada vez mais ele se faz em função dos resultados e do lucro e cada vez menos em função doutros valores. De acordo, aliás, com o sistema capitalista mundializado. Tenho saudades do futebol interpretado pelo Rogério (Benfica), pelo Vasques (Sporting), pelo Hernâni (Porto), pelo Amaro (Belenenses), que eu aplaudia, sem pensar nos números do placar…

Pierre Bourdieu não deixa de surpreender, quando não descobre, no desporto contemporâneo, a passagem paulatina do belo ao útil, conforme as exigências do capitalismo global. É verdade que acentuou “o fato de a carreira desportiva, que se encontra praticamente excluída do campo das trajetórias admissíveis para uma criança de origem burguesa (…) representar uma das únicas vias de ascensão social para as crianças provenientes das classes dominadas” (Questões de Sociologia, Fim de Século, Lisboa, 2003, p. 196). Mas o futebol é o que é, principalmente porque se transformou no fiel servidor do deus-lucro. Ele é efeito de uma normalização, em proveito da homeostase do capitalismo que domina o futebol.

A simbiose capitalismo-futebol, reconheço, trouxe um evidente progresso ao futebol, mas dando à instância econômica um posicionamento e uma funcionalidade de infraestrutura – que é praticamente idêntica em todos os países. Daí, o Brasil jogar como a Holanda, ou a Alemanha como o Uruguai, etc. Afinal, o poder que os comanda é o mesmo e portanto não reconhecer estes elementos invariantes, na promoção e institucionalização do futebol atual, é descambar numa retórica do abstrato, onde se criticam os efeitos, mas não se apontam as causas… nem de leve!

Pensar, hoje, a administração e a gestão do futebol não é procurar a verdade, mas o lucro. Para os administradores dos grandes clubes, os problemas maiores não são os de ordem táctica (como para Johan Cruyff), mas os que se prendem com a crise financeira em que o capitalismo se encontra submerso. Entretanto, mesmo com dívidas astronômicas, o Real Madrid e o Barcelona e o Manchester United ainda são os clubes mais ricos do mundo. A Liga dos Campeões, os direitos televisivos, a bilheteira, o “merchandising” são receitas a ter em conta. E, em tempo de crise, como é de lei no capitalismo, há sempre fortunas colossais que têm a sua raiz, na miséria…dos outros!

Vale a pena ler o magnífico trabalho do jornalista Carlos Rias (A Bola, de 27 de Julho de 2010) para contemplar o panorama financeiro do futebol europeu. Vale a pena ler Karl Marx, para entendê-lo.
*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

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O que o futebol não faz, o vôlei ensina

É redundante falar novamente sobre o sucesso das seleções brasileiras de voleibol face aos resultados expressivos dos últimos 20 anos. Acaba por ser inevitável a comparação com o esporte mais popular do país, o futebol, e se perguntar o que aquele fez de tão bom para chegar a patamares quase que hegemônicos nos naipes masculino e feminino.

Li muito artigo nessa semana creditando a vitória da Seleção Masculina de Voleibol no Tri-Campeonato Mundial ao seu técnico Bernardinho. De fato, trata-se de uma figura de incrível capacidade de reunir, engajar e trabalhar em prol dos resultados com o elenco de atletas que convoca e sua equipe de trabalho multidisciplinar.

Contudo, acompanhando há algum tempo a evolução da modalidade, percebemos que o sucesso esportivo nas seleções é proveniente de um trabalho de organização e gestão minuciosamente planejado, envolvendo em essência duas premissas básicas que percebo com alguma deficiência ainda no futebol: (1) a formação e capacitação profissional e (2) um programa contínuo de formação de atletas.

Na primeira, o voleibol adotou há algum tempo o CONAT, que é uma Escola de Treinadores, nivelando, conforme a categoria e a evolução profissional do treinador (e demais profissionais que complementam uma comissão técnica multidisciplinar), respeitando a evolução de conhecimento do mesmo em modelo semelhante ao que ocorre na UEFA, que classifica em níveis os técnicos do futebol.

Essa ideia vai além, de acordo com palavras do Presidente da Confederação Brasileira de Voleibol, Sr. Ary Graça Filho, que, certa vez, em entrevista para um canal de esportes mencionou o cuidado da CBV em observar jogadores de expressão que estão em vias de se aposentar para convidá-los a se capacitar durante os últimos anos de suas carreiras. Com essa medida, contribuem para a melhoria do conhecimento científico agregado com o nome e a experiência prática de ex-atletas.

Na segunda premissa é possível notar a enorme quantidade de jogadores que fizeram parte das seleções de base para então figurar na seleção principal. Esse processo contínuo de formação de jogadores é muito bem desenvolvido a partir de uma visão do todo e não específica de cada categoria.

Tanto na primeira situação quanto na segunda, o futebol encontra barreiras culturais que dificultam sobremaneira a sua aplicação na prática. No caso da formação profissional, há ainda uma ideia perene de que o conhecimento prático, puro e simples, são a chave para o sucesso nas equipes, indo de encontro a evolução científica e a era da informação e do conhecimento como fatores para evolução contínua da modalidade.

No que se refere às seleções de base, percebe-se que nem sempre os critérios técnicos são levados em conta no momento de uma convocação de atletas, dificultando um pensamento dos clubes brasileiros em torno daquilo que é benéfico para a Seleção Brasileira como um todo. Por tal razão, conta-se nos dedos os atletas que passaram por várias categorias até chegar à seleção principal.

A cópia integral de um modelo de gestão nunca é o mais indicado, mas a observação de pontos-chave no sucesso de instituições similares fazem parte daquilo que a literatura define como “benchmarking”. O voleibol brasileiro inovou e vem inovando continuamente e por tal razão pode e deve ser observado com uma atenção mais técnica e não puramente emocional sobre os fatores que o conduziram ao sucesso esportivo mundial.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br  

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Liberdade de imprensa?

Na reta final da votação do primeiro turno das eleições presidenciais, o tema “liberdade de imprensa” ganhou espaço, não apenas no noticiário, mas também no próprio discurso do presidente Lula. O debate acalorou-se ainda mais na última semana, quando o jornal “O Estado de S. Paulo” desfez-se dos serviços da psicanalista Maria Rita Khel, uma de suas articulistas.

O centro da decisão do jornal foi um artigo escrito por ela, em que se coloca relativamente contra o “Estadão” na decisão da escolha do candidato às eleições. Em seu texto, a articulista defende Dilma Roussef, candidata que não tem a preferência do veículo. Sim, o jornal já havia dito, publicamente, em editorial assinado na capa da edição do domingo anterior à eleição, que apoiava José Serra, e um dos motivos alegados era o de que Lula, o presidente, tentava cercear a liberdade de expressão da imprensa.

Cerca de duas semanas depois desse texto, o mesmo “Estadão” deixou de ter em sua equipe uma pessoa que publicamente posicionou-se de maneira diferente da do jornal. A saída de Khel foi a gota d’água para que o debate sobre liberdade de imprensa fosse ampliado, com o “Estadão” deixando a posição de vítima para a de vilão.

Em meio a muita discussão, o ponto crucial foi deixado de lado. O que é, afinal, liberdade de imprensa? E qual é a liberdade do profissional de imprensa? Esse é um dos pontos mais fundamentais do exercício da profissão de jornalista, e infelizmente é deixado de lado na maioria dos cursos de jornalismo, o que gera uma grande falha no exercício da profissão dentro dos veículos.

Mas o que tudo a isso tem de ver com o esporte? Bem, no meio esportivo, esse debate seria fundamental para aprimorar a qualidade do profissional de imprensa que trabalha no dia-a-dia da profissão.

A liberdade de imprensa é o direito de qualquer veículo divulgar uma informação verídica. Uma democracia depende disso para poder ser considerada uma democracia de fato. Afinal, quanto mais livres para expressar suas opiniões forem os veículos, mais direito a encontrar diferentes opiniões tem a população de um país.

Mas à liberdade de expressão da imprensa se opõe outro tipo de forma de expressão, que é a liberdade de expressão do profissional de imprensa. E, essa, infelizmente, é limitada.

Apesar do que é dito nas faculdades de jornalismo, o jornalista não é livre para expressar sua opinião. Essa liberdade termina, necessariamente, nos interesses comerciais do veículo para o qual aquele profissional trabalha.

A origem da imprensa foi exatamente quando o primeiro dono de um veículo definiu que criar um veículo para defender um ponto de vista, falando para um determinado tipo de público. Um país democrático tem diversos veículos de imprensa, exprimindo diferentes pontos de vista, dando às pessoas a liberdade de decidir qual tipo de informação quer consumir.

Foi isso o que aconteceu no caso do “Estadão”. A liberdade de expressão do jornalista (ou, no caso, do seu articulista) se encerra a partir do momento em que aquilo que ela escreve vai de encontro ao que pensa o veículo para o qual ele trabalha.

Nos veículos esportivos, vemos constantemente isso acontecer. Jornalistas que colocam os microfones a serviço do patrão. Não há erro algum nisso, desde que ficasse claro qual é o interesse do veículo com esse tipo de ação. Não é, muitas vezes, o caso.

Liberdade de imprensa é algo extremamente importante. A liberdade do profissional de imprensa, porém, tem um limite. E isso é que deveria ficar muito claro para quem recebe a informação.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br  

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Chief Football Officer

Não sou afeito a estrangeirismos à toa. Acredito que a língua portuguesa é rica e pródiga para que o que se queira expressar seja encontrado.

Da mesma forma, não radicalizo os usos e costumes linguísticos que preservam aquilo de essencial que venha do estrangeiro.

Com efeito, em reuniões profissionais nos ambientes corporativos e publicitários, é absolutamente frequente – e, para mim, exagerado – o uso destes termos.

É CEO pra cá, CMO pra lá, C alguma coisa… Invencionices para deixar de chamar estas pessoas de Diretor disso ou Diretor daquilo.

Pois bem, já que a sede por mudanças e modernidade em nosso futebol é enorme, proponho a criação do CFO: Chief Football Officer.

Isso se deve ao fato de que o tão sonhado cargo de manager, que Luxemburgo sempre postula, realmente é tão necessário quanto raro em sua existência nos clubes brasileiros e na existência de profissionais com o perfil para ocupá-lo.

Também difere radicalmente do diretor de futebol, pois este se alimenta – oficialmente – da paixão que dedica ao seu clube e não é remunerado por isso e, na maioria dos casos, o planejamento que segue é riscado em reuniões realizadas informalmente em jantares e baseado em suas convicções administrativas e políticas.

Rodrigo Caetano personifica o melhor deste incipiente cargo que defendemos.

Ex-jogador profissional do Grêmio, ele teve a carreira interrompida por uma lesão, antes de embarcar para a Espanha na década de 1990. Não lamentou. Ao contrário, foi complementar a sabedoria adquirida na prática com o curso de Administração de Empresas e outros cursos de pós-graduação na área de gestão esportiva.

Virou referência unânime de bom trabalho nos quatro anos no clube gaúcho, que o levaram ao Vasco. Na vitrine nacional, está cotado para assumir cargo executivo na CBF, pois Mano Menezes conhece de perto seu trabalho.

Suas planilhas com informações de jogadores brasileiros, bem como a rede de relacionamentos com empresários, agentes e treinadores é um dos trunfos que provoca tamanho interesse em contratá-lo.

A diretoria que acaba de assumir o Grêmio está mais preocupada em convencer Caetano a voltar ao Olímpico que manter Jonas no clube no ano que vem.

Paulo Odone, o presidente eleito, disse que o clube já tentou outros profissionais para o cargo, mas o perfil “boleiro” atrapalha o trabalho de longo prazo.

Literalmente, o futebol brasileiro carece de Executivos-Chefe de Futebol (CFOs) como Caetano.

Aliás, manager, no bom português, significa gerente, e, no meu organograma, ficaria abaixo do CFO.

O que deixaria, naturalmente e, por meritocracia, Luxemburgo submetido ao trabalho de Caetano

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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José Mourinho em entrevista: prenúncios de vitórias

Peço licença aos leitores para ao invés de, como programado, debater questões referentes a auto-organização e padrões de jogo, publicar em minha coluna um achado em meus arquivos.

Trata-se de uma entrevista de José Mourinho à revista “Selecções”, que foi publicada quando ainda o treinador atuava pelo Futebol Clube do Porto e acabara de ganhar a Taça Uefa.

Eu estava prepararando uma palestra quando a encontrei. Há muito a tinha lido. Realmente naquela época, em sua fala e nas colocações da entrevistadora, indícios de prenúncios.

Vale a pena ler…

– Entrevista reproduzida na íntegra, no português de Portugal.

«Não quero um Ferrari e uma quinta. Quero a alegria e ser reconhecido» diz José Mourinho que nasceu a 20 metros do Estádio do Bonfim, aprendeu a andar no relvado do estádio do Setúbal, jogou à bola com o pai, (o antigo guarda redes Félix Mourinho), a quem disse que queria ser treinador de futebol. Com o Futebol Clube do Porto acaba por sagrar-se campeão nacional e conquistar a Taça UEFA. A ambição, extraordinária, é da medida do seu talento. Ninguém duvida que a carreira, a procissão, ainda vai no adro. (Por Anabela Mota Ribeiro)

Selecções do Reader`s Digest – Formou-se no ISEF aos 24 anos e completou um curso para treinadores na Escócia. Não é muito comum no mundo do futebol esta preocupação com a instrução.

José Mourinho – Sempre existiu em mim a ambição de me licenciar, independentemente da minha vocação. Talvez influenciado pela minha família: «Não sabes qual vai ser o teu futuro no futebol, pelo menos constrói algo sólido».

SRD – Havia essa preocupação?

JM – Havia. O meu pai esteve a vida toda ligado ao futebol com todas as dificuldades inerentes ao mesmo. Se eu tivesse sido mal sucedido nesta minha aposta, como treinador, na pior das hipóteses era professor de educação física. Paralelamente a esta preocupação, sabia o que aquilo me podia dar. Tenho uma máxima, que não é minha, mas que ouvi em qualquer lado e que guardei para mim: «Um treinador de futebol que só sabe de futebol, é um péssimo treinador de futebol».

SRD – De que outras coisas tem de saber?

JM – De tudo. Há áreas científicas que nos podem ajudar no nosso trabalho, nomeadamente psicologia, pedagogia, fisiologia. Posso falar com o meu departamento médico sobre lesões, músculos, bio-mecânica, teoria do treino. São temas que domino. Dominar as competências psicológicas, é fundamental. Pode fazer a diferença.

SRD – Imputam-lhe essa competência e apontam-na como uma das razões do seu sucesso: a autoridade que tem sobre os jogadores, e, mais do que isso, o reconhecimento da individualidade de cada um deles.

JM – Vou mais por aí. A execução da autoridade vai-se esbatendo com o tempo e com a empatia que vou criando. Quando chego a um clube sinto necessidade de mostrar quem sou e o que posso fazer; tenho necessidade de me afirmar e estabelecer algumas regras. A minha liderança, toda a gente a sente mas ninguém a vê. Ter enveredado pela via académica, possibilitou-me ser melhor treinador. O Jorge Costa dizia numa entrevista: «A partir do momento em que fui treinado pelo Mourinho, conheci o filet mignon. Se o Porto mudasse de treinador e me oferecessem carapau ou sardinha, deixava de jogar à bola». É isto: os treinadores de hoje têm de ir à procura do conhecimento.

SRD – Esse estigma, de que as pessoas do futebol são incultas, grosseiras, quase sempre provenientes de camadas sociais muito humildes, tende a dissipar-se?

JM – Mudou de forma radical. Nos anos 60 o meu pai ia ao estrangeiro às competições europeias e era o único que podia comunicar em francês ou inglês.
 
SRD – O seu pai falava línguas?

JM – Era auto-didacta. Fez o antigo curso comercial, equivalente ao sétimo ano; mas gostava de línguas e de ler, e queria evoluir.

SRD – Foi ele que o ensinou a falar inglês?

JM – Não. A sua competência no inglês não é tão grande, mas era o suficiente para poder comunicar. Hoje em dia, a minha equipa vai ao estrangeiro e há um ou dois que não podem comunicar em francês ou inglês. Nos anos 70, o que é que os jogadores faziam nos tempos mortos de estágio?

SRD – O que era?

JM – Jogavam cartas. Agora estão ligados à internet, consultam a imprensa internacional porque querem saber o que dizem deles, estudam, lêem.

SRD – Aos 15 anos teve a noção de que queria ser treinador. E essa noção era acompanhada de uma outra: a de que dificilmente seria um jogador de excepção.

JM – Sim.

SRD – Ora o que queria para si era justamente a excepção. Porquê?

JM – Como qualquer miúdo, cresci a adorar jogar. Não posso dizer que não era um miúdo com talento. No meu grupo de amigos, era dos mais talentosos. Mas a via académica exigia-me responsabilidades, tive que fazer as minhas escolhas. Senti que não valia a pena arriscar porque as possibilidades de sucesso não eram grandes.

SRD – Isso é que é a coisa extraordinária: ter tido essa lucidez aos 15 anos.

JM – Sabia das minhas limitações e das minhas qualidades. O meu skill não era melhor que o skill dos outros. As minhas qualidades físicas não eram de excepção; não era rápido, e a velocidade é fundamental para o futebol de alto nível. Aquilo que me fazia melhor do que os outros era a minha capacidade de ler, analisar equipas. A visão que tinha da situação. Eu conseguia ver coisas que os outros não conseguiam, inclusive adultos.

SRD – É verdade que o seu pai lhe pedia para fazer a observação das equipas adversárias?

JM – Sim.

SRD – Foi verdadeiramente a sua escola?

JM – A escola de qualquer treinador começa aí. Na capacidade de assistir a jogos com outros olhos. Não é ir para o futebol e ver o jogo como um adepto normal, preocupado se A ganha ou B ganha. É a tentar perceber como é que uma equipa funciona, quais são os seus princípios de jogo.

SRD – Nesse processo de aprendizagem, que dura desde sempre, e que vai durar a vida toda – sei que continua a ser obsessivo na observação dos jogos, passa horas agarrado ao vídeo -, tinha um interlocutor? O seu pai, outros jogadores, amigos.

JM – Não tinha muito. Vivi praticamente separado do meu pai.

SRD – Isso representa uma grande dor para si?

JM – Em criança, sim. Sentia a falta da sua presença, de poder falar com ele. Mas foi uma opção que a nossa família tomou: o meu pai era treinador, ia circular de equipa para equipa, e eu e a minha irmã, enquanto estudantes, não podíamos fazer isto. Vivemos em Setúbal com a nossa mãe, e o nosso pai, nos tempos livres, quando podia, voltava sempre a casa.

SRD – Que marcas lhe deixou essa opção da sua família?

JM – De tal forma me marcou que defini com a minha mulher que, onde eu for, eles vão. A minha filha tem seis anos e já esteve em três cidades diferentes. E para a formação dela, não é nada mau. A capacidade de dominar línguas, lidar com a diferença, mudar de cidade … É uma miúda com uma capacidade de adaptação fantástica. No fundo, ter carinho e estabilidade, ter o pai, a mãe e o irmão ao seu lado é muito mais importante que a tristeza momentânea de abandonar uma escola, uma professora e uns amigos.

SRD – Quando ganhou a Taça UEFA em Sevilha, no final do jogo olhou na direcção em que sabia que eles estavam. Era importante tê-los ao seu lado naquele momento?

JM – Era. Não queria que a alegria deles depend
esse do ganhar ou do perder; mas comecei a perceber a importância que a carreira do pai tem para eles. Eu ganho, chego a casa e eles estão em festa. Eu perco, chego a casa e eles estão tristes.

SRD – Eles assistem a todos os jogos?

JM – Não vão nunca ao futebol. Por opção da minha mulher. Não gosta que decifrem o seu estado de espírito; prefere ver [os jogos] em casa, a sós. Mas os miúdos entram dentro dela, conseguem extrair a angústia, o sofrimento… Naquele dia quis que estivessem porque sabia que podia ser o dia mais importante da minha vida desportiva. Foi meu desejo saber onde é que estavam. Até posso dizer como é que soube onde é que estavam…

SRD – Diga.

JM – Pelos bilhetes, consegui perceber o sector onde iam estar; antes do jogo começar pedi a um fotógrafo amigo que, com a tele-objectiva, fosse à procura deles. «Pronto, estão ali». Do banco não conseguia ver, mas sabia que estavam naquele sítio. Quando o jogo acabou, imaginei o que estavam a viver … e foi para eles.

SRD – É muito importante que os seus filhos tenham orgulho em si?

JM – É. Mas aquilo que queremos é que tenham orgulho, independentemente do sucesso. Magoa-me que, na inocência, as crianças sejam cruéis umas com as outras.

SRD – Na escola, no dia seguinte?

JM – No dia seguinte, quando as coisas não correm bem, a vida não é fácil para a Matilde; ela é capaz de sofrer em silêncio, guarda para ela. Ele, que tem três anos, não é assim; já percebi que daqui a dois ou três anos, quando o pai perder, no dia seguinte vão chamar-me à escola. Porque ele é pai! É impulsivo. Nos seus impulsos, apesar do grande coração, é agressivo. Acho que há colegas que vão levar uns estalos fortes…

SRD – A obstinação e a ambição são o seu talento. São, pelo menos, instrumentos que servem o seu talento. Não consigo compreender completamente a fúria com que responde, para usar uma expressão sua, ao «chamamento da vitória». Onde radica esta confiança? Porquê esta pulsão tão violenta para chegar lá?

JM – A auto-confiança nasce da convicção no trabalho que realizo. O mais importante é passar aos jogadores a mesma convicção. O desejo de vitória e a convicção na vitória partem fundamentalmente dessa crença.

SRD – Pode instigar-lhes essa convicção sem estar, você, completamente convicto?

JM – Não consigo. Porque eu estou sempre convicto.

SRD – Mas não se acredita em super-homens. Com certeza tem momentos de fragilidade.

JM – Tenho os meus momentos de fragilidade. Creio que os tenho mais na vida pessoal que na profissional. Os momentos mais difíceis, sob o ponto de vista profissional, são os momentos em que me revelo mais, em que me supero. Exemplo claro: quando a minha equipa ganha, às vezes são os meus adjuntos que vão à conferência de imprensa. Quando a minha equipa perde, sou eu que vou. Vesti bem a pele de líder, de homem sem fragilidades. Que as tenho!, enquanto homem.

SRD – Não se admite tê-las enquanto profissional?

JM – Não é admitir: não as sinto. Nos momentos de maior responsabilidade é quando me sinto mais cómodo, nos jogos mais impactantes é quando sinto mais prazer em lá estar.

SRD – Trata-se de arriscar? Ouço-o e parece que assisto a um jogo de roleta. Há o prazer do risco e de estar completamente envolvido nesse lance.

JM – É, é realização. Não há nenhum jogador ou treinador que, em miúdo, sonhasse com um jogo de chacha. Quando sonhei com jogos, acordei sempre a pensar que ia ganhar a Taça UEFA, que ia jogar o Benfica-Porto. Um jogador quando sonha marcar golos, não sonha fazê-lo no Porto-Gil Vicente. Quando sonha, sonha à grande. Se tenho o privilégio de estar metido nessa realidade com que sempre sonhei, tenho de desfrutar. Os meus jogadores têm também este espírito. Gostam de jogos grandes, gostam de responsabilidade. Na minha vida, tenho obviamente as minhas fragilidades.

SRD – Onde é que se refugia?

JM – Nos meus.

SRD – Era capaz de revelar essa fragilidade, por exemplo chorar, à frente de uma pessoa que não fosse da sua família?

JM – Se fosse um bom amigo, sim.

SRD – Chora?

JM – Pouco, muito pouco.

SRD – Quando chorou a última vez?

JM – Em Sevilha.

SRD – Mas isso foi uma explosão de felicidade. Refiro-me ao choro que resulta do sofrimento.

JM – Chorei de forma descontrolada em situações irreparáveis, na morte daqueles que amei. Falo de avós, da minha irmã, da mãe da minha mulher, de um dos meus melhores amigos. Foram momentos em que senti que não podia fazer nada. Tudo tinha acabado.

SRD – Ou seja, o que o faz sofrer é a impotência?

JM – É exactamente a impotência. Podem-me vir as lágrimas aos olhos quando um filho tem um gesto especial, quando recebo no telefone uma filmagem da Matilde a ganhar uma competição de natação. Sou capaz de ficar mais emocionado com isto que com outra coisa qualquer. Perante as dificuldades, não. Perante a impotência, sim.

SRD – Ambiciona para si uma carreira internacional. Quando no Barcelona decidiu não seguir o Bobby Robson até Newcastle, estava já convicto do caminho que queria trilhar? Portugal primeiro e o mundo depois?

JM – Sim, claramente!

SRD – Mas você dorme? Quando é que pensa nessas coisas todas?

JM – Eles próprios, o Bobby e o Van Gaal, perceberam que tinham de me libertar de algum vínculo moral que pudesse ter.

SRD – Se não o libertassem, seria capaz de o fazer autonomamente? Sentia-os como pais putativos?

JM – Seria capaz, mas não naquele momento. Não sou pessoa de dizer: «Sr. Pinto da Costa, muito obrigado por me ter contratado». Ao Bobby e ao Van Gaal não disse: «Muito obrigado por me teres dado este contrato, muito obrigado por me teres trazido para Barcelona, muito obrigado por teres mudado a minha vida». O meu trabalho e a minha dedicação são a minha forma de gratidão. Eu nunca senti, em nenhum momento, que lhes devia alguma coisa. Quando decidi ser treinador principal e vir embora, nunca pensei que estava a ser incorrecto. Não lhes devo nada, paguei-lhes tudo, e por isso senti-me sempre livre para decidir. Se sentisse que não tinham pernas para andar sem mim, se calhar hipotecava um ano ou dois da minha independência. Era capaz de o fazer. Mas eles não precisavam de mim para nada. Tanto um como outro disseram: «Tu estás preparado».

SRD – Em que momentos pensa nessas coisas, «agora vou fazer isto», «já estou preparado»?, quando está no chuveiro, quando anda de carro?

JM – É um grande problema… Muitas vezes as pessoas estão comigo, mas eu não estou com elas.

SRD – Parece um homem solitário. Pensei nisso quando o vi a correr, de fato e gravata, depois da conquista da taça em Sevilha. O seu movimento era o de um menino solto, ondulante, exalando pura felicidade. Paradoxalmente, ainda que estivesse com milhares de pessoas, parecia correr por sua conta, entregue apenas a si.

JM – Foi um bocadinho isso. No meu livro, escrito pelo Luís Lourenço, há uma parte em que a minha mulher diz qualquer coisa como: «Ele fala tão pouco… Muitas vezes estamos juntos e ele não está comigo. Só por conhecê-lo tão bem, consigo perceber aquilo que me quer dizer sem me dizer nada». Sou um bocadinho assim. Fechado. Preciso do meu espaço. Muito tempo do meu dia é para reflectir, faço a avaliação do treino, o que correu mal, o que pode correr melhor.

SRD
– A quem queria provar que era bom, ao seu pai?

JM – Não, não, não. Os meus pais nunca puseram qualquer pressão sobre mim. Nunca senti que tinha de lhes provar nada. À minha mulher, tão pouco. É das pessoas que mais acreditam em mim, no meu potencial, incentivou-me a deixar Barcelona e vir para Portugal. Em Barcelona a minha situação era fantástica: ganhava uma pipa de massa, uma pipa redondinha, bem cheia; era adjunto, não tinha tantos cabelos brancos porque as preocupações não eram tantas, queriam que continuasse. E ela, por perceber que eu era um tipo angustiado porque queria mais, disse-me para esquecer tudo e ir à luta.

SRD – Então, teve necessidade de provar apenas a si mesmo?

JM – A mim mesmo. Há quem pense que eu queria provar àqueles que não gostam de mim… Porque há muita gente que não gosta de mim.

SRD – Quando finalmente se impôs como um grande treinador e pôde calar aqueles que olhavam para si como o tradutor do Bobby Robson, nessa altura riu à gargalhada?

JM – Ri, ri. Mas se me disser «Vamos falar deles, vamos falar do que disseram de si», não falo.

SRD – Verdadeiramente eles não contam, pois não?

JM – Mas para muita gente contam. Para mim não têm interesse absolutamente nenhum.

SRD – E o dinheiro?, é o seu móbil?

JM – Não. Quero qualidade de vida. Quero que os meus filhos andem num bom colégio, quero poder vestir bem, quero ter boas férias. Não quero mais do que aquilo que um cidadão comum quer. Não tenho ambições desdemidas. Não quero ter uma casa com 800 m2, não quero ter uma quinta, não quero ter um Ferrari. Não quero nada disso.

SRD – Então?, se não é o dinheiro que o faz correr, é o quê?

JM – O sucesso! O prazer pessoal. A alegria. Ando à procura de felicidade, de plenitude. Quero ganhar títulos, quero ser reconhecido, quero, como já está a acontecer, que noutros países saibam que há um tal José Mourinho que é um treinador de futuro. Ando à procura disso.

SRD – Espero que nos encontremos daqui a dez anos! Vou gostar de saber o que mudou na sua vida.

JM – Terá mudado pouca coisa. Familiarmente vai ser igual, com o privilégio, Deus me ajude nesse sentido, de ter visto os meus filhos crescerem dez anos espectaculares. E profissionalmente espero ser bem sucedido, acredito que vou ser bem sucedido. Espero ganhar títulos. Espero ter a mesma alegria naquilo que faço.

SRD – No fundo, aquilo que tem agora, mas numa quantidade superior?

JM – É só isso. Mais velho fisicamente, mas mentalmente mais rico. Sinto-me cada vez mais forte, mais rico. Só vou perder pró físico, nada mais.

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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A venda do Liverpool

Caros amigos da Universidade do Futebol,

Novamente nos deparamos com rumores sobre a venda e compra de clubes de futebol na Inglaterra. Desta vez (e mais uma vez), envolvendo o tradicionalíssimo Liverpool.

Sempre batemos na tecla que clubes de futebol são hoje núcleos de negócios assim como tantas outras empresas dos mais diversos ramos de atividade. Mas também defendemos que o futebol está inserido no ambiente da especificidade do esporte, o que faz com que transações nesse meio sejam feitas com a observância de determinados critérios atribuídos exclusivamente ao esporte.

Os clubes do mundo moderno (e em especial na Inglaterra, onde investimentos estrangeiros são controlados, porém permitidos), notícias do mercado de fusões e aquisições são uma constante.

A Europa, em especial, vive um momento de disputa entre os países em que o investimento estrangeiro é limitado (liderados por França e Alemanha) e os países em que o investimento é “liberado” (liderado pela Inglaterra).

As ligas nacionais são verdadeiras competidoras. Se por um lado injeta-se muito dinheiro estrangeiro nos clubes ingleses, na França joga-se basicamente com jogadores (e recursos) nacionais. Essa diferença faz com que determinados países tenham suas ligas valorizadas na venda de direitos televisivos, por exemplo, em detrimento de outras, menos atrativas.

Essa disputa reflete também no desempenho de seus principais clubes nas ligas européias. Basta comparar a performance de clubes ingleses com clubes franceses.

Evidentemente que a Liga Francesa, seus clubes, e até autoridades públicas, não gostam nada disso. Dizem que na Inglaterra é lícita a prática do “financial doping” nos clubes, promovendo uma concorrência desleal no mercado europeu.

É nessa medida que a UEFA (liderada pelo Francês Michel Platini), estuda, há anos, a introdução de regras de controle financeiro nas ligas européias e de seus clubes, para viabilizar uma melhor competição entre um número maior de clubes, aumentando, por conseguinte, a incerteza dos resultados (principal chamariz de interesse público no esporte).

Pelos lados da rainha, essa notícia não é bem aceita, daí a resistência em se aplicar de uma vez a regra do controle financeiro a nível continental. Também pudera. As cifras introduzidas naquela nação não são nada diminutas.

Mas os efeitos colaterais em transações dessa natureza também existem. Relembrando o assunto da especificidade do esporte, é preciso considerar diversas variáveis inexistentes em outros mercados. Dentre elas, a torcida. E no caso do Liverpool, ela pesa bastante e influencia, sem sombra de dúvidas, o avanço ou não da venda do clube. Vamos acompanhar o desenrolar dos fatos…

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br 

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Gestão de crises

É interessante como a solução recorrente nos clubes de futebol do Brasil, quando atingidos por alguma crise que se torna pública, colocam a culpa nas pessoas, demitindo-as ou as afastando dos trabalhos regulares. Seria essa a melhor alternativa para resolver todos os seus problemas?

Importa considerar que ainda impera em alguns clubes uma mentalidade um pouco “canibal”, em que determinados grupos internos tentam derrubar os que estão no poder, causando zonas frequentes de instabilidade, impedindo uma comunicação eficaz a partir de uma ação mais planejada para se gerir uma crise.

Casos como o do Flamengo diante de seu maior ídolo, Zico, que tomam rumos de uma catástrofe meteórica em poucos dias, mostra o quão despreparada é a gestão do clube em momentos negativos. Por isso, questiono:

1) Há um Código de Ética distribuído para todos os funcionários para mostrar como devem se comportar em relação à imagem e à marca da entidade?

2) Como deve ser o comportamento de um gerente de futebol (por exemplo) perante o ambiente externo e o mercado?

3) Isto está previsto na análise e descrição de cargos, no departamento de recursos humanos? Qual o perfil desejado? Como é o processo de recrutamento e preparação das pessoas que ocupam determinados cargos gerenciais?

4) O que fazer quando ocorre um determinado problema? Existe uma comissão que pensa estrategicamente nisso?

Todos esses questionamentos e devaneios fazem parte de uma reflexão maior, procurando entender se a solução de crises não estaria no modelo de gestão ao invés de estar nas pessoas. A opção de manipular os recursos humanos pode não ser tão eficaz quanto analisar, entender e preparar todos os processos internos de gerenciamento da organização afim de se evitar situações desconfortáveis para a imagem institucional do clube.

Impressiona como muitos clubes, em plena era da informação e do conhecimento, não têm o maior cuidado em preservar a imagem do presente e de suas mais belas histórias. Não preparam uma base de suporte para que a gestão seja bem sucedida no médio e longo prazo, dando sustentabilidade para os resultados esportivos, com um pensamento uniforme. Lamentável que as pessoas, de um modo geral e de maneira míope, enxergam apenas as quatro linhas do campo de jogo.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br  

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Neymar x Shrek

Falar sobre o caso Neymar pode ser oportunista e ao mesmo tempo atual, uma vez que com o movimento cíclico do futebol é bem possível que essa análise em futuros momentos possa ser considerada atual e pertinente, mudando-se os nomes e datas envolvidas.

Mas gostaria de fugir um pouco da polêmica superficial que tomou conta do nosso país nas mesas dos bares, nas bancas de jornais e nos hipertextos pelo mundo a fora.

Renê Simões, técnico renomado, e o qual tenho profunda admiração fez o alerta: “estamos criando um monstro”. Conheço o professor Renê e sei que não é de sua índole criar fatos para se promover, afinal nunca foi de seu feitio essa atitude. Eis o primeiro ponto que acredito que deva ser considerado.

Para uma pessoa do caráter e confiabilidade igual à de Renê Simões se manifestar desta forma com certeza as ações de Neymar merecem ser repensadas.

O clube e comissão técnica puniram o atleta. Ele pediu desculpas públicas e depois toda a repercussão ocorreu e desencadeou os fatos vistos que culminaram na demissão do técnico Dorival Junior, com inúmeros julgamentos favoráveis ou contrários ao jogador Neymar, sem que o mesmo tenha se quer se manifestado nesse meio tempo. Ou seja, crucificou-se ou defendeu-se o atleta através de ações e decisões alheias. Tudo bem que foram decorrentes de uma ação equivocada e passível de punição, como foi feito, porém até que ponto Neymar foi decisivo nisso ou até que ponto foi apenas pretexto.

A história é repleta e não nos cabe aqui detalhar mais do que já foi feito nesses últimos dias.

O que gostaria de fazer aqui é um gancho para que possamos compreender esse processo de mitificação que tem ocorrido no futebol brasileiro e em especial no caso do garoto Neymar.

Ao lançar o garoto ao status de ídolo beirando o mito, a imprensa e todo o campus que envolve o universo do esporte (utilizando o conceito de campus de Pierre Bourdieu) confunde as expectativas com o comportamento. O modelo do bom menino com habilidades extraordinárias cria-se no imaginário popular, porém é justamente a irreverência do menino Neymar, que o aproxima do status de ídolo. Isto porque transmite aquilo que os grandes heróis são experts em transmitir: uma displicência para com tudo aquilo que consegue desempenhar. Faz parecer fácil.

E com todos os pré-requisitos para herói, apresenta suas fraquezas, ou melhor, a sua criptonita, seu ponto fraco. Caillois (1980) falando sobre o surgimento do mito, comenta sobre a necessidade do rito, do ambiente atmosférico que faz com que o mito seja enraizado e no qual seus atos extrapolam , constituem num excesso permitido, que é o que caracteriza o herói. As extrapolias de Neymar acabam por criar esse ambiente atmosférico
É importante que possamos nesse momento fugir um pouco desse encantamento futebol e ídolo que faz parte do ambiente esportivo e foquemos por um instante a idade do atleta. Final da adolescência.

Não podemos padronizar nem generalizar muita coisa sobre o ser humano é verdade, afinal somos únicos e diferentes em nossas perspectivas, porém permito-me recorrer a estudos desenvolvimentistas clássicos sobre o comportamento humano, lembrando de Gallahue (2001) cuja definição para o período da adolescência é a caracterização de um período de transição entre a infância e a vida adulta, recheada por intensas modificações físicas, psicológicas e sociais.

Dentre essas alterações é normal que o individuo passe por instabilidades em relação as suas próprias habilidades, seja pela falta ou mesmo excesso dela, dificuldade de lidar com criticas, pressão e sobretudo com o receio de ter ou não feito a coisa certa. A tomada de decisão no fim da adolescência é algo que mexe muito com uma pessoa, afinal chega um momento no qual a responsabilidade pelas decisões tomadas começam a pesar cada vez mais.

Neymar com 13 anos tinha contrato profissional. Até jogar de fato pela equipe adulta tinha um salário que é maior que muitos executivos de multinacionais atingem perto de seus 40 anos, e agora com 18 anos tem valores não confirmados que beiram inacreditáveis 500 mil reais.

Não bastassem os problemas característicos da idade, existe uma série de variantes que intensificam a pressão sobre o menino, e o status de ídolo traz consigo o paradoxo de se tornar cada vez mais forte a cada fracasso (que traz o herói para próximo do ser humano), mas com a cobrança e expectativa de que aja como um lorde ou cavalheiro inglês, um gentleman.

O personagem Shrek da trilogia de sucesso produzido pela Dreamwork é um personagem que chega ao status de herói contra todo um estereótipo que se prega para o mesmo. A estética, graça, beleza e habilidades que faltam em Shrek são minimizadas para que seu carisma e poder de superação possa transformá-lo num herói, mas que também apresenta suas fraquezas e deslizes, como por exemplo, no último filme da trilogia.

Talvez o caminho de Neymar seja o de Shrek: de transformar-se, ou melhor, de ser transformado em herói ou anti-heroi por caminhos diferentes dos habituais, muitas vezes sem uma manifestação clara de sua habilidade. Afinal, sem jogar ele foi lançado ao status de marco para o futebol brasileiro ao recusar uma proposta milionária do futebol inglês, e agora alçado ao posto de monstro por má conduta no relacionamento perante aos companheiros e comissão técnica. Tudo toma dimensões desproporcionais.

Que os campus que circundam o futebol possam compreender por um lado as características de um jovem de 18 anos que passa por uma fase que não é estável , não é definitiva, mas com certeza é transitória, e por outro que o menino realmente possa se transformar no monstro.

Neymar, o monstro?… que seja igual Shrek e divirta multidões.

Essa coluna foi publicada originalmente no site Ludopédio em 29/09/2010 e foi autorizado pelo autor para uso no site Universidade do Futebol.

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Paixão na caverna

Arnaldo, o bagre cego, emagrecia a olhos vistos. Pairava na superfície do lago como a contar estrelas, que nunca viu. Oto, o morcego, já não aparecia para conversar comigo. Voava a esmo e deixava escapar até as mariposas mais lentas e suculentas.

– É paixão – disse-me Aurora numa madrugada de insônia. Eu não podia acreditar em tamanho disparate; Oto, o morcego mensageiro, ainda vá lá, voava por aí e volta e meia topava com lindas morceguinhas na flor da idade. Mas Arnaldo, como poderia estar apaixonado, sendo um bagre cego e confinado num lago escuro de uma caverna remota! Sua paixão por Ricardo Teixeira e Carlos Nuzman, que eu saiba, era de outro tipo.

– É paixão – insistiu Aurora, a coruja, numa outra madrugada, esta, linda, cheia de estrelas. – É melhor você averiguar.

Foi o que fiz. Tirei Arnaldo de sua flutuação letárgica com um cutucão e perguntei o que se passava. No fundo, o bagre é um tímido. Foi um custo fazê-lo falar, mas falou.

– Ah, meu amigo! Agora, quando me alcança a idade mais que madura, na fronteira da meia-idade, eis que meu coração se inquieta e bate forte, causando-me profundo desassossego – ele disse.

– Mas Arnaldo, o que acontece? Muito estranho. Você sequer vibrou com a convocação da nova seleção brasileira. Não ligou para o pronunciamento do presidente da CBF. Por quem bate, então, e de maneira descompassada, esse seu coração de peixe?

E o bagre me contou o inacreditável. Havia uma jovem bagre morando no lago. Como foi parar lá ele não sabia, e nem importava. Arnaldo descreveu-a como se a enxergasse. Jovem, excessivamente jovem e linda, uma ninfeta. Seu corpo ágil reluzia submerso. Suas barbatanas eram quase douradas e sua cabeça fina e delicada. Meu amigo bagre passava horas admirando suas evoluções e depois subia à superfície do lago e deixava-se flutuar enquanto, em sua cabeça de bagre, imaginava a ninfeta entre suas barbatanas, o que lhe causava profundas crises morais.

Não, pensava ele, ela é jovem demais para mim, eu não tenho o direito de tê-la. E eu dizia-lhe que sim, que tinha, e que a diferença de idade não importava, o que importava era o amor. Difícil era eu acreditar na existência de uma jovem bagre naquele lago. Como não a vira?

Quanto a Oto, o caso era parecido, mas o morcego, apesar das muitas cabeçadas nos estalactites, vibrava; a morceguinha correspondia aos seus sentimentos e o morcego já pensava constituir família. Convidou-me para padrinho!

O que é o amor! Creio que nada mais tiraria Arnaldo de seu entusiasmo pelos projetos do ídolo e guia espiritual para a Copa 2014. Ricardo Teixeira falou ao lado de Mano Menezes e o bagre sequer percebeu, todo sensações pela ninfeta bagre.

O morcego, de sua parte, soube que uma nova seleção brasileira era montada pela velha CBF, mas o quiróptero nem ligou, sua cabeça estava longe. Em quinze dias anunciava o noivado.

Comentei o caso com Aurora.

– Eu não disse? – ela disse – Os sintomas da paixão são evidentes!

E a coruja me contou que também foi assim com ela, quando conheceu seu marido, aquele que morreu vítima de um tirombaço, no exato instante em que pousou na quina do travessão, lá onde, dizem os locutores de futebol, mora a coruja. E seguimos madrugada adentro, Aurora lembrando histórias de jogadores prisioneiros da paixão, como tantos de nós, ela que acompanhou a carreira de muitos futebolistas ao longo dos anos em que morou em buracos à beira dos gramados brasileiros. Histórias de craques perdidos no turbilhão de paixões, sem saber que rumo tomar, mas confiando no poder do dinheiro, nos carros de luxo, quem sabe nas lindas mulheres que podem contratar, nas amizades com traficantes e outros bandidos, mas nada, nada disso os livrava da enxurrada avassaladora produzida pela paixão mal vivida, mal compreendida. Lembrou-me uma música do Paulinho da Viola, aquela que diz, “Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”, pois, apaixonados, somos passivos, e não será o salário milionário, as cem mulheres contratadas ou os carrões na garagem que nos guiarão a um porto seguro. Os craques da bola não são craques da paixão e raramente sabem conduzi-la ao amor perene, ao amor que redime e salva, mesmo que não seja para sempre.

Julgam que o dinheiro poderá conduzir a bom termo a aventura tempestuosa dos sentimentos indomáveis, mas talvez se percam exatamente aí. Querem uma mulher, mas contratam cem delas, sonham com um carro e enchem a garagem deles, ouvem falar de grandes vinhos, mas não aprendem a beber.

Dias depois, voltando de um passeio pelos arredores, surpreendi-me com Arnaldo absorvido, como tantas vezes o vi, pela voz que vinha da TV. Era seu ídolo, Ricardo Teixeira, que se pronunciava sobre a Copa 2014. O Morumbi, dizia ele, estava descartado, não cumprira as exigências da Fifa.

– Certíssimo – disse-me Arnaldo. – Não faltaram avisos. O São Paulo teve diversas chances e não aproveitou. A CBF não pode esperar indefinidamente pelo Tricolor. A cidade de São Paulo precisa construir um estádio à altura da importância do evento.

– E a jovem moradora do lago? – perguntei-lhe.

– Quem? Ah, aquela história que lhe contei. Sabe meu amigo, voltou-me a razão, foi-se a paixão. Aquilo foi fruto de uma fraqueza, um capricho da imaginação. Algo que pretendo esquecer, que me causa vergonha só de pensar.

Pobre Arnaldo. Terminaria os dias como tantos outros. Não teria sua Dulcinéia, e nem se permitiria tê-la em seus devaneios.

Nesse instante Oto passou voando desesperado à caça de uma suculenta mariposa.

– E então Oto, quando teremos o casório?

– Casório? Você está louco – falou, enquanto mastigava o pobre inseto.

Soube, por outros morceguinhos, que a morceguinha que se dizia apaixonada por Oto bateu asas e voou. Fugiu com outro, segundo ela, mais sério e responsável, um bom provedor.

Voltamos à velha rotina, eu com minhas conversas madrugada adentro com Aurora, Oto entusiasmado, ora por uma coisa, ora por outra, Arnaldo curvando-se em reverências aos seus ídolos de sempre, os do COB, os da CBF ou quaisquer outros que representem uma autoridade constituída. Melhor assim, prefiro a rotina. Na tela da TV o noticiário policial falava dos últimos casos envolvendo jogadores de futebol.

Para interagir com o autor: bernardo@universidadedofutebol.com.br

*Bernardo, o eremita, é um ex-torcedor fanático que vive isolado em uma caverna. Ele é um personagem fictício de João Batista Freire.