Neymar x Shrek

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Falar sobre o caso Neymar pode ser oportunista e ao mesmo tempo atual, uma vez que com o movimento cíclico do futebol é bem possível que essa análise em futuros momentos possa ser considerada atual e pertinente, mudando-se os nomes e datas envolvidas.

Mas gostaria de fugir um pouco da polêmica superficial que tomou conta do nosso país nas mesas dos bares, nas bancas de jornais e nos hipertextos pelo mundo a fora.

Renê Simões, técnico renomado, e o qual tenho profunda admiração fez o alerta: “estamos criando um monstro”. Conheço o professor Renê e sei que não é de sua índole criar fatos para se promover, afinal nunca foi de seu feitio essa atitude. Eis o primeiro ponto que acredito que deva ser considerado.

Para uma pessoa do caráter e confiabilidade igual à de Renê Simões se manifestar desta forma com certeza as ações de Neymar merecem ser repensadas.

O clube e comissão técnica puniram o atleta. Ele pediu desculpas públicas e depois toda a repercussão ocorreu e desencadeou os fatos vistos que culminaram na demissão do técnico Dorival Junior, com inúmeros julgamentos favoráveis ou contrários ao jogador Neymar, sem que o mesmo tenha se quer se manifestado nesse meio tempo. Ou seja, crucificou-se ou defendeu-se o atleta através de ações e decisões alheias. Tudo bem que foram decorrentes de uma ação equivocada e passível de punição, como foi feito, porém até que ponto Neymar foi decisivo nisso ou até que ponto foi apenas pretexto.

A história é repleta e não nos cabe aqui detalhar mais do que já foi feito nesses últimos dias.

O que gostaria de fazer aqui é um gancho para que possamos compreender esse processo de mitificação que tem ocorrido no futebol brasileiro e em especial no caso do garoto Neymar.

Ao lançar o garoto ao status de ídolo beirando o mito, a imprensa e todo o campus que envolve o universo do esporte (utilizando o conceito de campus de Pierre Bourdieu) confunde as expectativas com o comportamento. O modelo do bom menino com habilidades extraordinárias cria-se no imaginário popular, porém é justamente a irreverência do menino Neymar, que o aproxima do status de ídolo. Isto porque transmite aquilo que os grandes heróis são experts em transmitir: uma displicência para com tudo aquilo que consegue desempenhar. Faz parecer fácil.

E com todos os pré-requisitos para herói, apresenta suas fraquezas, ou melhor, a sua criptonita, seu ponto fraco. Caillois (1980) falando sobre o surgimento do mito, comenta sobre a necessidade do rito, do ambiente atmosférico que faz com que o mito seja enraizado e no qual seus atos extrapolam , constituem num excesso permitido, que é o que caracteriza o herói. As extrapolias de Neymar acabam por criar esse ambiente atmosférico
É importante que possamos nesse momento fugir um pouco desse encantamento futebol e ídolo que faz parte do ambiente esportivo e foquemos por um instante a idade do atleta. Final da adolescência.

Não podemos padronizar nem generalizar muita coisa sobre o ser humano é verdade, afinal somos únicos e diferentes em nossas perspectivas, porém permito-me recorrer a estudos desenvolvimentistas clássicos sobre o comportamento humano, lembrando de Gallahue (2001) cuja definição para o período da adolescência é a caracterização de um período de transição entre a infância e a vida adulta, recheada por intensas modificações físicas, psicológicas e sociais.

Dentre essas alterações é normal que o individuo passe por instabilidades em relação as suas próprias habilidades, seja pela falta ou mesmo excesso dela, dificuldade de lidar com criticas, pressão e sobretudo com o receio de ter ou não feito a coisa certa. A tomada de decisão no fim da adolescência é algo que mexe muito com uma pessoa, afinal chega um momento no qual a responsabilidade pelas decisões tomadas começam a pesar cada vez mais.

Neymar com 13 anos tinha contrato profissional. Até jogar de fato pela equipe adulta tinha um salário que é maior que muitos executivos de multinacionais atingem perto de seus 40 anos, e agora com 18 anos tem valores não confirmados que beiram inacreditáveis 500 mil reais.

Não bastassem os problemas característicos da idade, existe uma série de variantes que intensificam a pressão sobre o menino, e o status de ídolo traz consigo o paradoxo de se tornar cada vez mais forte a cada fracasso (que traz o herói para próximo do ser humano), mas com a cobrança e expectativa de que aja como um lorde ou cavalheiro inglês, um gentleman.

O personagem Shrek da trilogia de sucesso produzido pela Dreamwork é um personagem que chega ao status de herói contra todo um estereótipo que se prega para o mesmo. A estética, graça, beleza e habilidades que faltam em Shrek são minimizadas para que seu carisma e poder de superação possa transformá-lo num herói, mas que também apresenta suas fraquezas e deslizes, como por exemplo, no último filme da trilogia.

Talvez o caminho de Neymar seja o de Shrek: de transformar-se, ou melhor, de ser transformado em herói ou anti-heroi por caminhos diferentes dos habituais, muitas vezes sem uma manifestação clara de sua habilidade. Afinal, sem jogar ele foi lançado ao status de marco para o futebol brasileiro ao recusar uma proposta milionária do futebol inglês, e agora alçado ao posto de monstro por má conduta no relacionamento perante aos companheiros e comissão técnica. Tudo toma dimensões desproporcionais.

Que os campus que circundam o futebol possam compreender por um lado as características de um jovem de 18 anos que passa por uma fase que não é estável , não é definitiva, mas com certeza é transitória, e por outro que o menino realmente possa se transformar no monstro.

Neymar, o monstro?… que seja igual Shrek e divirta multidões.

Essa coluna foi publicada originalmente no site Ludopédio em 29/09/2010 e foi autorizado pelo autor para uso no site Universidade do Futebol.

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