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A praticidade de Felipão que ainda funciona

O estudo no futebol vai pouco a pouco ganhando espaço no Brasil e eu sou um entusiasta disso. Me fascina ler, procurar e pesquisar o que há de mais moderno no mundo da bola. Conhecimentos sobre tática e metodologias de treinamento – dois pilares da alta performance esportiva – sempre existiram, é verdade. Mas nunca tivemos algo tão bem elaborado como o que há atualmente.
E é nesse contexto em que a nova geração de profissionais do futebol busca se aprofundar em princípios, sub-princípios operacionais de ataque, defesa, transições e entender tudo sobre periodização de treino, que um treinador como Luiz Felipe Scolari, que carrega a antítese de todo esse movimento, triunfa e ainda consegue muito sucesso.
Mais do que cair no erro e na preguiça mental, que tanto os estudiosos condenam, de criticar Felipão e falar que os métodos deles estão ultrapassados e só funcionam porque conta com um elenco milionário, prefiro buscar o que ele faz muito bem para conduzir seus times a conquistas.
Felipão com suas conquistas e com sua idade não está preocupado com o futuro do futebol. O que importa para ele é a vitória. E para isso, Scolari tem de sobra o que falta em muitos técnicos que ficam dando murro em ponta de faca por aí: simplicidade no jogo e tato com os atletas.
Falar da família Scolari já é chover no molhado. Todos sabem e conhecem o jeito que ele lida com o grupo, dando pancada quando as mancadas acontecem, mas dando carinho quando o momento pede. E a simplicidade no jeito de jogar também está escancarada para todos verem. Podemos questionar se há beleza no jogo do Palmeiras, mas nunca podemos falar que não há eficiência. Os times de Felipão gastam a energia necessária para fazer mais gols que o seu adversário. Os padrões de atacar com muito lançamento e deixar a bola em disputa o mais próximo possível do gol rival e de defender com muitos jogadores com encaixes individuais estão aí para todos verem.
Usar a bagagem de conhecimento que os jogadores já tem, buscar cumprir a lógica do jogo e priorizar a objetividade e a conexão emocional com os atletas pode ser o pulo da gato para quem estuda muito. Unir o que há de novo com o que Felipão tem mostrado que funciona poder responder várias perguntas para quem se aprofunda muito no modelo, mas tem pouco resultado prático. Não devemos nos esquecer que o sucesso deixa pistas e não é obra do acaso. Aprender com o que funciona é um gesto nobre e inteligente.
 

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Sobre a grandeza do jogo real

Jurgen Klopp, treinador do Liverpool: futebol não é videogame, ainda que se normalize o contrário. (Divulgação: goal.com)

 
Alguns dias atrás, viralizou entre os colegas este vídeo, por onde gostaria de começar nossa conversa de hoje. Jurgen Klopp, treinador do Liverpool, foi questionado sobre um suposto conservadorismo em recente clássico contra o Everton, pela Premier League. Já nos minutos finais, trocou Sadio Mané por Adam Lallana, o que não foi muito bem uma vez que Lallana, grosso modo, não é atacante.
A resposta de Klopp – que consegue ser espirituoso mesmo quando fala sério – foi bastante interessante: futebol não é Playstation. De fato, futebol não é Playstation. Mas não sei se dizer isso, mesmo que em uma base regular, seja suficiente para cultivarmos um debate mais rigoroso e mais realista. Especialmente quando falamos de treinadores e treinadoras, brasileiros ou não.
Vamos pensar um pouquinho melhor.

***

No ano passado, tangenciei esta mesma questão quando escrevi sobre a diferença entre o jogo ideal e o jogo real. Em linhas gerais, me preocupava (e ainda me preocupa) o fato de estabelecermos réguas demasiado idealistas para um jogo que se organiza a partir de uma lógica própria. A complexidade do real é um choque quando comparada à perfeição das ideias.
A metáfora do videogame é especialmente interessante, não apenas porque dialoga com toda uma geração (em uma ou duas décadas, praticamente todos os treinadores serão herdeiros dos jogos virtuais), mas porque evidencia algumas das fragilidades no nosso debate. Por exemplo: uma das características de jogos como FIFA, Pro Evolution Soccer e similares, é que neles está normalizada a possibilidade de ser alguma coisa entre o treinador e o jogador. Digo alguma coisa porque, ao contrário do treinador na realidade, nos jogos virtuais é possível decidir a ação a ser tomada pelo jogador (o que, não se esqueça, não é possível no jogo real) e, além disso, nos jogos virtuais é possível não apenas decidir por um, mas por todos os jogadores em campo – de acordo com o modo escolhido para jogar. O jogo virtual permite uma espécie bastante particular de onipotência que pode saciar temporariamente, mas que em nada se aproxima do imprevisto, da causalidade, do complexus que são parte do jogo real.
Assim, os jogos virtuais, para além de alimentar uma espécie de conforto, acabam naturalizando o fetiche da causa/efeito. Nas minhas configurações, se eu aperto o quadrado, sei que vou chutar a gol. Se aperto L2 e faço alguma manobra no analógico direito, sei que darei um drible. Mas como treinador de fato, não há nenhuma tecla a ser pressionada. Se digo para que meus jogadores tenham coragem, isso será suficiente? Se troco um meia por um atacante (supondo que os rótulos atribuídos aos atletas fossem corretos) isso fará do meu time mais ‘ofensivo’? Se ao invés de dois, me fossem dados sete pulmões, eu seria portanto mais saudável? Qualquer organismo busca o equilíbrio. Uma equipe de futebol, como organismo vivo que é, deseja o mesmo. Mas, ao contrário dos nossos idealismos, o equilíbrio não se dá a partir de delírios quantitativos (quanto mais/menos, melhor). O caminho é outro.
Daí a importância de olhar para a grande barreira que separa a virtualidade do real: a inteligência, nos jogos virtuais, é artificial. É programada, dependente de eventos anteriores, é causa/efeito. Mas a inteligência do jogo jogado não é assim, ela é humana. Sendo humano, o jogo jogado será sim acerto, será desejo, pensamento e paixão, mas também será, ao mesmo tempo, equívoco, limitação, indecisão e, especialmente descontrole. Quanto maiores forem as ilusões de controle alimentadas por todos aqueles que vivem do futebol, creio que maiores serão as frustrações. Se lhe resta alguma dúvida, faça uma rápida análise da sua vida nos últimos anos e conte quais foram, de fato, as decisões unicamente dependentes de você, desde o início. Não me surpreenderia se fossem poucas.
O jogo virtual é pequenino. O jogo real é grande demais. Quanto mais evitarmos os reducionismos, de qualquer natureza, melhor. Por isso, embora talvez sem má-fé, a pergunta do colega seja realmente inaudível para determinados treinadores, pois após um certo período não é mais concebível encarar o futebol como um cálculo, cujas fórmulas estão postas. Se o futebol se fizesse de fórmulas, elas todas teriam meia-vida curtíssima. E seria necessário reinventá-las, recalculá-las a todo instante. O que já se faz, aliás.
E que não impede que elas sejam engolidas pela pluralidade do humano.

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O mundo do Marketing Esportivo

Gestão e Marketing do Esporte é o tema que semanalmente esta coluna aborda. Ou pelo menos procura. Muitos consideram como a solução de todos os problemas para as receitas de um clube; ou então que é desinteressante porque significa mais despesas. Outros, que o melhor marketing é colocar a bola no gol. Algumas considerações podem ser corroboradas. Outras, não. É sim um universo bastante bacana, de desafios incontáveis, particularidades e curiosidades interessantes.

Detalhes da foto de equipe do São Paulo FC e as placas de publicidade ao fundo e à frente do plantel. (Divulgação)

 

Do “Diamante Negro” da Copa do Mundo de futebol de 1938; as histórias das grandes marcas de artigos esportivos; da eleição da FIFA de 1974; do programa “Top Olympic Partner”; da Copa União de 1987 à revolução da ida de Ronaldo Nazário ao Corinthians há dez anos (2009), é tudo bastante interessante e rico. Entretanto, não é tudo. Marketing no esporte requer planejamento, método, plano de ação, execução e mensuração dos resultados. Para além disso, o mais importante: recursos humanos. Atuar na área é trabalhar sete dias por semana e vinte-e-quatro horas por dia. Um fato qualquer pode influenciar diretamente no seu trabalho, haja vista que o conteúdo do esporte é infinito (Pedersen, Miloch e Laucella, 2007).

Interessante ver que ao longo do tempo, os temas tratados pelo marketing no esporte mudam bastante, e isso é bom. Há dez anos, a questão sobre a igualdade de gêneros ainda possuía pouco espaço no Brasil, bem como ações de responsabilidade social. Era grande – e ainda é – a busca pelo patrocinador “master”. Entretanto, hoje há mais consideração de que a chance de algum patrocínio surgir será influenciado por um bom produto que o clube pode oferecer. Pouco se falava sobre identidade, filosofia e cultura de trabalho. Ao mesmo tempo, a disputa dos clubes de futebol europeus por torcedores no Brasil era realidade bem distante, de uma parcela que possuía TV por assinatura. Uma década depois e o cenário já é outro.

Ao mesmo tempo que o marketing esportivo gera grandes oportunidades para a indústria do esporte, foi a partir de uma empresa da área – que teve como origem a comercialização de placas de publicidade no perímetro do campo – que se contornou a principal investigação sobre corrupção no futebol. Levou muitos dirigentes esportivos à renúncia, prisão ou banimento do futebol.

Com tudo isso, marketing esportivo vai além de publicidade, de sócio-torcedor, patrocínio “master” ou mascote que entra no campo durante o intervalo de um jogo. Vai além de “verba”, de “esquema” ou de “parceria”. Representa a alma de uma instituição, de uma organização. Seja ela um atleta de renome, um clube, um torneio, uma liga, um estádio, uma federação ou uma confederação. Constrói e difunde valores que geram atributos que reforçam (ou não) a imagem desta instituição, que a posiciona em um mercado. Em um mercado bem competitivo.

 

Referência

PEDERSEN, P. M.; MILOCH, K. S.; LAUCELLA, P. C. Strategic Sport Communication. Champaign: Human Kinetics, 2007.

 

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Rondos são jogos reduzidos?

Introdução
Rondos e jogos reduzidos por muito tempo vêm sendo tratados de forma igual, muitos falam sobre um querendo falar sobre o outro. O principal motivo é lógico: a falta de conhecimento e a reprodução desenfreada de tudo que vem de fora.
O rondo vem do “bobinho” que é uma prática livre e deliberada, na verdade, são brincadeiras que surgiram na pedagogia não-formal (pedagogia da “rua”) e foram desenvolvidas e utilizadas na pedagogia do esporte.
Muitos dos estudos que lemos de fora, treinos que vemos na internet e televisão falam e dão ênfase na redução do jogo em partes, de forma a exigir comportamentos individuais, setoriais, intersetoriais e coletivos, além de tudo que vem a reboque desse processo afim de melhor as partes para que possamos melhorar o todo. O que seria uma evolução tremenda olhando pra trás e vendo que essas fragmentações antes eram por muitos e até hoje feita de forma a descontextualizar o jogo.
Por isso que julgo de forma positiva a tentativa de redução do jogo em partes menores, porém sem confundir alhos com bugalhos.
É verdade que muitas caraterísticas podemos ver entre RONDOS e JOGOS REDUZIDOS, o maior contato com a bola tende a levar a uma melhora da técnica, ao mesmo tempo esse mesmo contato exige mais tomadas de decisões. Aumenta a importância do trabalho em equipe, pois em mais momentos precisamos do suporte e das relações mais bem estabelecidas, a busca pela bola ou a não perda dela gera bastante competitividade, e por último podemos dizer que estimula a criatividade e solução de problemas.
Outro fator comum e fácil de identificar são as relações que os 2 tipos de exercícios têm em relação aos constrangimentos às regras, aumento de campo, pontuações, número de jogadores, onde podemos dizer que qualquer mudança influencia diretamente o objetivo pretendido na prescrição do exercício.
 
O que diferencia um do outro então?
Definição de Rondo:
O rondo é um exercício onde um grupo que está em superioridade tenta manter a posse contra um de inferioridade que tenta rouba-la. O rondo é diferente de outras rotinas de posse porque os jogadores ocupam um espaço pré-definido e geralmente em um círculo (força de expressão) em vez de se movimentar pelo campo.
Xavi sobre os “Rondos” : O Rondo não é um capricho: perna esquerda, perna direita, olhar, espaços livres, sair da pressão, pensar que quando alguém te pressiona, há de se jogar com o jogador que o rival deixou livre… O rondo é sensacional(…) Começa o treino feliz.”
“O rondo lhe dá toque e sensibilidade, você mede espaço, tempo e velocidade, na verdade, tudo depende do seu toque para dar uma vantagem ao seu parceiro”(Guillermo Amor , jogador do Dream Team do Barcelona)
Bakero: No final, é sobre mobilidade e competição. Requer, claro, técnica, posicionamento, concentração … Você aprende ou não aprende.
 
Características dos Rondos

Uma característica bem marcante na minha opinião está relacionado com o alvo, objetivo, o fato de não ter balizas para o ataque, e o desafio. Portanto, não é fazer gol. Isso não torna o jogo inespecífico ou fora de lógica, apenas fragmenta momentaneamente aquele momento, exigindo comportamentos adequados para cada objetivo. Não ter gol, não significava que não podemos ter outros objetivos!
O rondo pode ser tão pequeno quanto um 3 para 1 até 10 contra 2.
Os rondos podem apresentar-se como preparatório (mais comum) ou parte principal de uma sessão de treino.
Os rondos podem ter caráter grupal (mais comum) ou setorial e até intersetorial.
Os rondos tendem a induzir feedbacks individuais, sejam relacionados a técnica ou a tática, apesar da relação coletiva que pode ser bem explorada.
Os rondos podem privilegiar tendências relacionadas as adaptações fisiológicas, força, resistência e velocidade.

 
Rondo e “dia de tensão”

Obs.: Em vermelho parâmetros de força do exercício comparado ao de um jogo e é corrigido pelo tempo. Em preto os parâmetros de resistência (metabólicos).

 
É muito comum vermos os rondos como forma de preparatório para dias relacionados a alta tensão, máxima intensidade e maior descontinuidade, características diretamente relacionadas a melhora dos níveis de força.
Realmente muitos rondos proporcionam sim uma tensão muito grande, por 2 principais motivos: espaços reduzidos, aumentando as acelerações e desacelerações, mudanças de direções, e a descontinuidade que ocorre geralmente quando se tem a posse de bola. Descontinuidade que na minha opinião diminui a densidade desse tipo de exercício atendendo de forma fidedigna as características do dia de tensão/força. Essa descontinuidade não representa uma falta de competitividade de quem está com a posse, porém o fato de estar em maior número torna a vida de que tem a posse mais tranquila de quem a busca.
Esse fator torna o rondo por muitas vezes parte principal nesses dias, atingindo o objetivo de tensão sem gerar um desgaste metabólico central muito grande, o que seria mais verdadeiro dizer quantos aos jogos reduzidos.
 
Rondo e as linhas de passe.
Passe fácil– passe a bola para a pessoa ao seu lado. Não requer uma ampla visão.
Passe médio– Este passe evitará a pessoa ao seu lado, mas não passará entre os defensores. Esse passe requer uma visão ligeiramente mais ampla. É um pouco mais difícil que o primeiro passe.
Passe de jogo, entre linhas– Este é o passe realmente importante, aquele que passa entre os defensores. Este passe requer muita habilidade, criatividade, visão e senso de tempo para acertar.
 
 
 
 
 
 
Pontos chaves de um rondo.

  1. Sempre saltitando dando opção a receber a bola, não estar com pés cravados no chão facilita o redirecionamento da bola que recebe
  2. Concentração total: maior concentração, melhor desempenho
  3. Pense sempre antes de receber a bola. Ter velocidade ao pensar gera velocidade para jogar
  4. Forneça energia ao grupo. Divertir-se não é ruim se estamos concentrados e performando
  5. Feedbacks constantes aos colegas e atletas, quanto mais eles souberem o que acertam e o que erram, maior reforço nos acertos e correções nos erros terão
  6. Velocidade para jogar, criatividade, trabalho em equipe, técnica e resolução de problemas são virtudes muito importante
  7. O objetivo principal, no nível individual e de grupo, é manter a posse, mas não pare de tirar proveito de oportunidades de fazer um terceiro passe de linha Os passes verticais são os que realmente conseguem objetivos, e quando essas oportunidades são apresentadas, elas devem ser tomadas
  8. Imprima o ritmo dos passes

 
Rondo e o treino integrado
Para atingir objetivos físicos vemos também a associação de rondo com estímulos físicos preestabelecidos. Geralmente são preparatórios com ênfase física.
Comum de se ver para melhora de velocidade cíclica, o fato de ter o rondo escondendo o caráter analítico das ações lineares de velocidade, motivando o atleta na execução, fato amplamente discutível quanto a especificidade da ação, mas não entro no mérito e nem seria o momento para a tal.
Rondos de duração curta seguidos de estímulos de 5, 10, 15, 20 e até 30 metros. Trocas de espaços simulam situações de transição após perda da bola, ou recuperação da mesma.

 
Rondo e a relação setorial e intersetorial
Para muitos os exercícios preparatórios têm que ter uma relação pedagógica com o todo, sessão de treino. Isso parece meio lógico, mas por muitas vezes não acontece. O rondo simplesmente acontece de maneira estanque, também não vou julgar, porém identifico como ideal que essa relação exista, para isso vejo uma relação ótima para dias de duração que os rondos possam ter já aspectos que te levem a uma forma mais coletiva de jogar, seja ela setorial ou intersetorial. A maior duração e maior número de jogadores, espaços maiores, já aumenta a complexidade da atividade assim como as relações dos atletas na mesma atividade.

 
Limites entre o Rondo e Jogos Reduzidos.
Apesar de várias explicações sobre rondos e jogos reduzidos, concordo que a linha entre eles é tênue e muitas vezes conceitual.
Pode estar no olhar de quem aplica, no que ela pretende, ou simplesmente na complexidade do exercício. O que quero dizer com isso?
Muitos autores defendem o rondo como aquisição de técnica e tática individual, muito pelo feedback gerado pelo treinador e pela fragmentação momentânea irreal que o rondo pode causar, tornando-o fora da lógica de um modelo X ou Y, exemplo seria num 6×2 nos mandarmos agredir a posse de bola, o que não faríamos em situação normal de jogo (retardaríamos fechando os espaços). Esses comportamentos seriam subprincípios defensivos e ofensivos, como por exemplo quem está sem a bola, abordagem, pé na bola, indução e quem está com a bola, passe certo, leitura das linhas de passe, apoio e etc.
Quanto a complexidade das relações do jogo e também relacionando com argumento acima, treinadores defendem que exercícios com caráter mais setorial e intersetorial não fujam da lógica central do modelo estabelecido, sendo assim o rondo perde sentido nesse contexto.
Outro ponto também discutido é o desgaste gerado pelo rondo comparado ao jogo reduzido, como já dito em tópicos anteriores. Os jogos reduzidos assim como rondo geram bastante tensão, porém com desgaste metabólico maior, podendo variar quanto aos constrangimentos e objetivos, porém invariavelmente maior, fato que pode nos ajudar na hora do planejamento da sessão e da semana de treino.
O rondo tende a gerar um desgaste periférico muscular acima do exigido no jogo se corrigido ao tempo do exercício. Se juntarmos, por exemplo, 3 ou 4 rondos em um dia de treino teremos com certeza uma aquisição relacionada a aspectos neuromusculares e sem acúmulo de fadiga central.

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Capital simbólico futebolístico

Generalizações são burras. Restringem análises e revelam uma preguiça de ir mais a fundo. Não gosto de rotular nada. Cada caso é um caso. Sempre. Ainda mais neste espaço onde falamos de algo tão complexo que é o futebol. Mas passei este carnaval refletindo porque poucos treinadores jovens conseguiram fazer trabalhos consistentes e duradouros no futebol brasileiro recentemente. Oportunidades foram dadas. O que faltou então? Cheguei a conclusão de que o capital simbólico ainda faz a diferença na gestão do ambiente e isso é determinante para o triunfo de um treinador, especialmente aqui nos nossos clubes.
Sabe aquela horrível pergunta que ainda é feita quando algum cidadão de certo prestígio é colocado em xeque no Brasil: “você sabe com que está falando?”. Então no futebol ele pode ser traduzida em um questionamento quando algum profissional novo chega em um contexto diferente: “mas esse cara ganhou o que?”. Ou uma outra pergunta ainda mais genérica e até preconceituosa: “chupou laranja com quem?”. Tudo isso demonstra que o histórico de conquistas conta, que o passado de um treinador ainda é determinante para o presente e também para o futuro dele. Como se técnico bom fosse apenas o campeão. Pura bobagem simplista…
Um exemplo claro da importância do capital simbólico que tivemos agora no futebol paulista: o argentino Jorge Sampaoli chegou no Santos exigindo a contratação de um goleiro que soubesse ter uma boa relação com a bola usando os pés. Mesmo com Vanderlei sendo ídolo do santista. A diretoria do clube foi lá e o atendeu. Imagine, por exemplo, se André Jardine chegasse com um pedido parecido no São Paulo. Ele seria atendido? Como, se nem barrar os medalhões fora de forma ele conseguiu?!
Nenhum treinador vai começar sua carreira ganhando tudo. O fracasso faz parte de qualquer processo de amadurecimento profissional. De minha parte, como imprensa, como formador de opinião, vou continuar avaliando trabalhos de maneira sistêmica e integrada, entendendo que o resultado é importante, mas não é tudo. E cabe aos jovens treinadores buscarem caminhos mais concretos que o levem a vitórias de maneira mais rápida para quebrar essa barreira inicial que existe. E aprender técnicas de liderança, comunicação e gestão de conflitos pode ajudar muito também. Contemporizar situações para se manter no cargo pode ser o começo do fim. E isso tem acontecido com muitos deles…
 

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Sobre o futebol que nos afeta

Miguel Herrera: excentricidades à parte, um treinador que sente e faz sentir. (Foto: Diário AS USA)

 
Por algumas vezes, lateralmente, escrevi aqui sobre uma certa dificuldade, que me parece crescente, para sentirmos de fato o jogo de futebol. O que isso significa? Basicamente, significa que o jogo está, aos poucos e em uma base regular, entremeado por tamanha racionalidade (científica ou qualquer outra) que os afetos, que nos trouxeram para o futebol um certo dia, estão simplesmente escanteados. As consequências da razão pura são claras: I) o jogo jogado será tão pior quanto pior for a qualidade dos afetos envolvidos; II) quanto pior for o jogo jogado, menor será o envolvimento emocional por ele causado.
Talvez seja um pensamento bastante particular, mas que certamente já lhe ocorreu de alguma forma. Pense comigo: qual foi o último jogo profissional praticado no Brasil (que não do seu time do coração ou da equipe em que você trabalha), que lhe deixou realmente imerso, envolvido? Qual foi a última vez em que você saiu de um jogo querendo ter sido parte daquilo? Para mim, talvez tenha sido Grêmio 0 x 0 Athletico Paranaense, há quase um ano (aliás, fique à vontade para deixar seu jogo nos comentários, talvez possamos encontrar algum caminho interessante). Temos excelentes profissionais em todos os níveis, temos ideias (ainda que se diga que não), temos vários jogadores de qualidade, mas parece que mesmo assim nosso jogo não alcança o campo das emoções.
De modo que talvez haja algo mais a ser considerado.

***

Ultimamente, tenho lido o estupendo pedagogo Jorge Larrosa Bondía (para entender melhor de pedagogia e, portanto, de futebol) e concordo com uma das suas mais repetidas ideias: a experiência não é aquilo que acontece, mas sim aquilo que nos acontece. Mais uma vez: a experiência não é aquilo que acontece, a experiência é aquilo que nos acontece.Repare que existe uma diferença fulcral: não é experiência aquilo que apenas passa, pois para haver experiência, é preciso que aquilo nos toque, nos afete de alguma forma. Afinal, a experiência é única, não se repete para outras pessoas ou em outros lugares. Ótimo, e o que é preciso para que a experiência nos afete? Bom, é preciso abertura.
Não é possível que algo nos aconteça se não estivermos abertos, se não estivermos receptivos ao que se passa. Portanto, é preciso outra coisa, é preciso nos despirmos das nossas convicções e certezas, por mais seguras que sejam. Quem está certo de tudo, quem parte da resposta ao invés da dúvida, não pode ser afetado por nada. A quem não é afetado por nada, nada acontece – exceto a inexperiência. E aqui reside uma das minhas dúvidas, que tangenciei no começo deste texto: será que não estamos nos contaminando com tamanha racionalidade, muitas vezes de qualidade duvidosa e/ou irrefletida, que agora nos fechamos em armaduras tão intocáveis (que há quem chame de modernas), que tanto empobrecem o nosso debate como impede que sejamos afetados? Não seria uma hipótese aceitável?
Se sim, então talvez nosso problema seja duplo: por um lado, nós mesmos (treinadores, assistentes, analistas e afins) não estamos abertos à experiência advinda do futebol – nossa casca de certezas está sólida demais. Por outro, talvez os nossos atletas sejam confrontados com os mesmos problemas. Mas imagine você onde podemos chegar se nossos conteúdos permitirem não apenas que um dado atleta faça X gols a mais na temporada, mas também que ele consiga se perceber em constante mudança, consiga não apenas pensar, mas também sentir o jogo e os efeitos do jogo sobre si, dentro do campo e na vida vivida? O que seriam dos nossos garotos se os laços afetivos com clubes e com a vida fossem, em razão de um determinado percurso metodológico, ainda mais fortes? Que jogo poderia nascer dali?
A enorme comoção após a histórica classificação do Ajax sobre o Real Madrid, na última terça, não ocorreu apenas pela vitória em si. O Ajax nos fez sentir algo incomum – foi o protagonista de uma enorme experiência. Mas será que estávamos suficientemente abertos? Enfim, o fato é que não se esquecerá deste jogo tão cedo.

***

Para além dos conteúdos, para além do logos, é preciso o pathos: é preciso cultivar às emoções. Sem elas, sem cuidar das relações, normalizamos a antítese do sentir. E isso se reflete claramente no nosso jogo.
É preciso ideias, é preciso trabalho e é preciso método. Se também não cuidarmos dos ajustes do treinar, não creio que seja possível entregar um futebol que nos afete. Portanto, cabe a nós criar as experiências adequadas, correto? Não exatamente. Pois talvez as experiễncias, incertas que são, não possam ser criadas.
Mas sobre isso conversamos outro dia.
 

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Limite (de) Técnico

Uma proposta inovadora foi colocada em pauta pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) no Congresso Técnico do principal escalão deste esporte no Brasil, realizado há poucas semanas. Era ideia limitar em uma (1) a troca de treinador por clube durante o campeonato brasileiro deste ano. Em outras palavras, a equipe só poderia mudar de técnico apenas uma única vez, nas trinta e oito rodadas do certame. A proposta não foi aprovada. Mas qual a relação desta sugestão com a gestão e o marketing do futebol.

Maurício Barbieri, quando treinador do CR Flamengo. (Foto:Divulgação)

 

Em primeiro lugar, a estabilidade no emprego. O limite traz garantia de que o profissional pode se instalar em um lugar por determinado tempo, o que torna menos difícil o convívio familiar, o que contribui com a vida pessoal do colaborador. Em isso acontecendo, imagina-se melhor ambiente de trabalho (que favorece a gestão do futebol), que sugere maior e melhor produtividade (medida em resultados). Em termos de marketing, os resultados podem contribuir com o posicionamento do produto (o clube e seus jogos) no mercado.

O limite do número de mudanças de treinador também sugere melhor planejamento por parte da equipe. Com isso, outros aspectos podem ser influenciados, tais como: filosofia, identidade e rotina de trabalho; unicidade e entrosamento. Fortalecimento e consolidação da cultura do clube, refletida dentro de campo e mantida temporada após temporada. Contratação de atletas, membros da comissão técnica e – se for o caso – de treinadores, deverá obedecer esta cultura.

O estabelecimento destas práticas permitirá, com o tempo, o investimento sustentável nas categorias de base e a contenção de despesas exorbitantes em busca de imediatismos que visam favorecer grupos políticos e de torcedores que exercem influência no cotidiano da instituição. Títulos sim são importantes. Ganham eleições. No entanto, ainda mais importante é o legado do clube e sua cultura para a vida esportiva da cidade, da região e do país. Com o devido respeito, mas não é o Arsenal (Inglaterra) o clube britânico mais vencedor. Ao mesmo tempo, é corriqueiro já há alguns anos as declarações sobre crise de identidade no (historicamente vencedor) Manchester United.

Vê-se, assim, uma gestão eficaz e eficiente. Obviamente é preciso quadro de colaboradores profissionais voltados para a instituição. Diferentemente da situação com funcionários indicados, a fim de colaborar com grupos ou chapas específicas, característica intrínseca à falta de profissionalismo, que por si só é contraproducente.

Independente da palavra (chapa ou grupo) – na ausência de profissionalismo – o funcionário indicado colabora com a “panela”.

Em termos de marketing, a questão da cultura e da identidade da instituição são reforçadas. É incentivada a história, que constrói uma tradição, que gera empenho e lealdade daqueles que estão envolvidos com a instituição. Estas características são capazes de viabilizar interessantes produtos.

Com tudo isso, é sim importantíssima que uma pauta como esta, sobre o limite de trocas de treinadores seja colocada em discussão. Afinal, a prazo, ela só tem a contribuir com a gestão do futebol no Brasil, em estabelecer uma própria cultura e ambiente na condução política e esportiva dos clubes que praticam a modalidade, quer seja de maneira salariada ou não. Não passou desta vez. No entanto, se a insustentabilidade financeira e esportiva prosseguirem, talvez em 2020 a história seja diferente.