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Sobre a cultura da competitividade nos ambientes de treino

Crédito imagem – Rodrigo Coca/Agência Corinthians

Não há muitas dúvidas de que o processo de treino tem (e precisa ter) relações diretas com o jogo formal de futebol. É bem verdade que ainda não está claro que essas relações, ainda que diretas, ocorrem em diversos graus: por exemplo, para dois microciclos idênticos, inclusive dentro de uma mesma metodologia, os resultados podem ser completamente diferentes. Dentre outros motivos, isso acontece pela subjetividade do humano – cuja significância é inquestionável -, pelo caráter sistêmico do jogo de futebol – a partir do qual não cabem simples relações de causa/consequência – mas especialmente pelo ambiente no qual se desenvolve o processo de treino: em ambientes saudáveis, e digo isso de um ponto de vista humano, não raro o treino tende a ser melhor do que em ambientes doentios, nos quais a qualidade das relações não se sustenta.

Dentre as características que fazem dessas relações mais leves ou tensas, me permitam tratar de uma delas, em particular: a competitividade. Não sei vocês, mas a experiência tem me mostrado que a criação de determinados hábitos individuais e coletivos será tanto melhor quanto mais alto for o nível de competitividade de um dado processo de treino – especialmente durante a fase de especialização esportiva (entre cerca de 15 a 20 anos). Isso significa, inclusive, que pode haver uma relação hierárquica entre as duas coisas: de nada adianta sabermos dos mais elaborados conteúdos de jogo se, antes disso, não soubermos criar ambientes nos quais apareçam repetidamente os conteúdos macro e micro que nos interessam, mas também ambientes que sejam tão ou até mais competitivos do que a própria competição que se sucede no jogo (lembrando, evidentemente, do treino como jogo e do jogo como treino).

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Bom, para cultivar ambientes competitivos de um ponto de vista do treino, acho importante citarmos o lugar da pedagogia. O cultivo de ambientes competitivos pode perfeitamente ser incidental, mas caso deseje ser intencional, precisa caminhar junto da didática e do método. Isso não significa que a criação de ambientes competitivos aconteça a partir da decoração pura e simples de determinadas metodologias de treinamento, como um ator decora um texto, ou pela mera reprodução de determinadas estratégias didáticas, mas sim que o nível de competitividade do processo de treino depende da aplicação particular e subjetiva dessas duas variáveis pedagógicas na constante relação com o ambiente. O método, como nos revela a origem da palavra (do grego méthodos), é o caminho, o percurso a partir do qual um certo objeto é e será tratado ao longo do tempo. A didática, como escreve a respeitabilíssima Selma Pimenta neste artigo, tem como objeto a prática social do ensinar – o que vai absolutamente ao encontro das exigências do futebol, notadamente pela profunda complexidade do ato de ensinar, que está para muito além de qualquer tipo de mecanicismo.

Portanto, reparem que a criação de um ambiente competitivo não está unicamente sob o domínio da incerteza – embora esteja claramente permeada por ela, como ocorre em todos os sistemas complexos. Uma rápida lembrança da obra do professor Alcides Scaglia e veremos que há pelo menos dois objetivos que o pedagogo (leia-se, o treinador) deve perseguir: o surgimento de um ambiente de jogo e de um ambiente de aprendizagem – este artigo trata bem de ambos. Mas também considerem a importância disso que chamamos de estado de jogo – onde me parece estar, de alguma forma, a gênese pedagógica de um estado competitivo. Sobre isso, vale uma citação do próprio Alcides (no livro O jogo dentro de fora da escola, de 2005), sobre a diferença do jogador que alcança o estado de jogo, enquanto liberação da potência humana:

“(…) Ou seja, aquele que jogando não cumpre apenas um papel formal do jogo como atividade (ataque e defesa), mas realiza uma experiência de estado de jogo – jogar plenamente, engendrando formas particulares de interação entre o organismo e o ambiente, em uma dimensão de tempo histórico, evidenciando um caráter paradoxal de entrega e inutilidade aparente.”

Portanto, aqui traçamos uma linha importante do ponto de vista metodológico: há sim uma relação importante entre o cultivo de estímulos competitivos com a metodologia de treinamento adotada. O treino que parte especialmente da técnica como fundamento pode perfeitamente criar situações de competitividade, mas talvez não consiga fazê-lo com a mesma largura e profundidade do que as metodologias nascidas e criadas no jogo – dentre outros motivos, pela natureza complexa do ato de jogar. 

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De um ponto de vista mais micro, uma estratégia que tenho adotado há algum tempo na Elleven Academy – e sei que é do agrado de outros colegas – é o que o colega Eduardo Barros apresentou, em coluna nessa mesma UdoF, como Planilha de Aproveitamento. Basicamente, trata-se do seguinte: cada um dos jogos realizados ao longo da semana de treino vale um determinado número de pontos. Esses pontos podem variar de acordo com a importância do jogo dentro do microciclo, tanto de um ponto de vista fisiológico quanto de um ponto de vista tático-técnico. Os pontos vão se somando, de um modo que geram uma espécie de classificação – sempre tornada pública para os atletas. Com isso, é possível observar padrões de rendimento tanto de um ponto de vista semanal ou mensal, mas também o aproveitamento dos atletas ao longo de vários meses, o que passa a ter maior valor estatístico. No meu caso, ainda proponho que a equipe que somar mais pontos naquela sessão de treino vai direto para o descanso, enquanto que a equipe derrotada (ou as equipes, no caso de três ou mais times) ainda cumpre mais uma tarefa física previamente estipulada.  

Por um lado, de fato a adoção de um controle pedagógico do aproveitamento dos atletas em cada jogo aumenta substancialmente a intensidade do treino. Me arrisco a dizer que um estudo com dois grupos diferentes, um deles sob intervenção dessa estratégia e outro não, provavelmente traria indicadores fisiológicos favoráveis ao primeiro. Mas além de um ponto de vista fisiológico, minha sensação é que a profundidade do estado de jogo decorrente dessa estratégia pedagógica é um grande facilitador na implementação de comportamentos de jogo. Por exemplo, se percebo uma certa morosidade na mudança de atitude em transição defensiva, a adoção de jogos que estimulem a mudança de comportamentos em transição, nesse tipo de ambiente, me parece mais profunda do que a mesmíssima intencionalidade num ambiente distinto. Também noto um envolvimento muito maior dos garotos, especialmente dos que estão descansando num determinado momento (num jogo conceitual qualquer, com número reduzido de atletas), o que permite outra capacidade importante, que é a do jogador externo ao jogo manter-se envolvido ainda que não como jogador – avaliando o que se passa no jogo, especialmente de um ponto de vista tático, podendo depois relatar a mim e à comissão o que viu. 

Como uma ressalva, observo o seguinte: embora a adoção desse tipo de estratégia possa de fato aumentar substancialmente o nível de competitividade de um determinado grupo, especialmente naqueles onde parece haver um certo grau de conformismo e relaxamento, é importante cuidar do ambiente para que a competitividade não se transforme em agressividade crônica. Embora me pareça muito importante, de um ponto de vista humano, que o treino seja um espaço de liberação de tensões emocionais, é importante cuidar da linha tênue que separa uma coisa da outra, pois quanto maior o nível de agressividade, menor me parece a capacidade de absorção daqueles conteúdos de jogo de que falávamos. Dai que seja preciso encontrar um estado ótimo de competitividade – o que não acontece por fórmulas objetivamente inventadas, mas sim pela sensibilidade pedagógica do treinador ou treinadora.

Seguimos em breve.

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Técnico: herói ou vilão. Isso está certo, mesmo?!

Crédito imagem – Alexandre Vidal/Flamengo

A busca por heróis e vilões permeia a história e a cultura do futebol desde os primórdios. Mas uma figura vem sendo superestimada mais do que nunca por toda a cadeia: o treinador. Observo esse fenômeno no mundo inteiro, mas vou focar no futebol brasileiro. 

Técnicos estão sendo colocados na condição de verdadeiros salvadores da pátria na esteira de resultados positivos, e do outro lado, trocados e descartados quando os resultados não aparecem. Entendo e reconheço a importância do líder do processo, que é o treinador. Porém ele apenas potencializa o que o ambiente tem: tanto para o bem como para o mal. 

O resultado de um clube de futebol é fruto de tudo o que é produzido internamente. Todos tem uma parcela no produto final que aparece em campo. Por exemplo, um departamento médico que não recupera de maneira plena e rápida os jogadores pode comprometer o processo. Um departamento financeiro desalinhado pode gerar atraso de salário para todo o grupo. Ou alguma imprudência jurídica faz a equipe ser prejudicada desportivamente. Enfim, poderia citar inúmeras situações, mas o ponto aqui é ir além até mesmo da óbvia verificação de que o futebol é um jogo coletivo de onze contra onze dentro de campo. Há muitas outras pessoas que trabalham fora de campo e que são também responsáveis pela bola entrar ou não.

Abel Braga deve ganhar uma estátua caso o Inter seja campeão brasileiro ou ele apenas potencializou um bom time que já tinha também chegado a liderança do campeonato com Eduardo Coudet? Rogério Ceni é melhor que Domenec Torrent ou a briga do Flamengo pelo título nacional se deve muito mais a uma tomada de consciência dos jogadores que demoraram para entender que as conquistas do passado não se traduzem como mágica em troféus no presente? Ou, para fechar, que tal falarmos do Santos: vice-campeão brasileiro em 2019 e mesmo com a perda de alguns jogadores foi vice-campeão da Libertadores em 2020; concordo que Jorge Sampaoli e Cuca foram incríveis, mas será que não há um trabalho bem feito no departamento de futebol, independentemente de quem seja o treinador?!

Defendo demais a capacitação dos nossos técnicos e a busca por conhecimento dessa categoria deve sempre ser infinita. Mas sozinhos eles não fazem nada. Ao invés de pagar fortunas a esse profissional e dar a ele a “chave” de tudo, nossos dirigentes deveriam buscar arredondar o clube como um todo. Dá trabalho. E cai um pouco o ‘escudo’ que todo treinador acaba sendo. Entretanto só um clube verdadeiramente forte e estruturado é capaz de colher frutos consistentes.

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Atuação de futebolistas brasileiros na Liga dos Campeões da UEFA: fatores intervenientes II – Efeito da idade relativa

Crédito imagem – Site oficial Sport Club do Recife

O futebol é uma modalidade esportiva coletiva amplamente praticada no Brasil por diferentes faixas etárias e níveis competitivos. Podemos observá-lo em diversos contextos de prática, como os ambientes formais (escolas), não-formais (escolinhas, clubes, federações) e informais (rua, praça, praia).

Uma característica comum dos programas de esportes consiste em agrupar os jogadores pela idade cronológica para a composição das equipes que participarão das competições institucionalizadas. Por exemplo: os jogadores da categoria sub-12 são todos aqueles sujeitos que completarão 12 anos dentro do mesmo ano civil. Ou seja: dentro de uma mesma categoria de jogo, podem participar futebolistas que nasceram entre os dias 1 de janeiro e 31 de dezembro. 

Porém, a adoção da referida estratégia tem se tornado problemática, pois entre os 12 e 16 anos os jovens jogadores passam por intensas mudanças nas estruturas corporais, sendo que sujeitos maiores e que amadurecem precocemente apresentam melhores resultados nos indicadores de tamanho corporal (MALINA et al., 2000) e no desempenho em tarefas esportivas (COELHO-E-SILVA et al., 2010), quando comparados com os jogadores atrasados nos processos de crescimento físico e de maturação.

Dadas as referidas variações nas estruturas corporais, os futebolistas que nasceram nos primeiros meses do ano tendem a apresentar vantagens cognitivas, físicas e emocionais em relação aos jogadores que nasceram nos últimos meses do ano, o que pode favorecer uma maior representatividade nas equipes esportivas dos jogadores nascidos nos primeiros meses do ano.

A partir dessas informações, surge a dúvida: os futebolistas brasileiros que nasceram nos primeiros meses do ano são aqueles que jogam nas melhores equipes europeias?

Para refletirmos sobre esse questionamento, buscamos no artigo de Mendes e colaboradores (2021) identificar os efeitos da idade relativa sobre a participação de futebolistas brasileiros atuando em equipes europeias. Foram coletadas informações provenientes de 309 jogadores brasileiros que atuam nas dez principais ligas europeias, respectivamente – Espanha, Alemanha, Inglaterra, Itália, França, Rússia, Portugal, Ucrânia, Bélgica e Turquia, conforme o ranking da UEFA de coeficientes de clubes por país (referente a temporada 2016/2017).

A partir de análises estatísticas, identificamos que os futebolistas que nasceram no segundo (abril a junho) e terceiro (julho a setembro) trimestres do ano tiveram uma maior chance de atuar em uma equipe que disputava a Liga dos Campeões, competição principal, do que em uma equipe que jogava a Liga Europa, competição secundária.

É importante destacar que a análise estatística empregada não considerou a posição de jogo do futebolista. Acreditamos que essa informação poderia nos auxiliar a compreender os efeitos da idade relativa entre as diferentes posições de jogo, que trazem consigo diferentes características.

Considerando os dados previamente publicados na literatura, somados aos achados da nossa investigação, observamos que os jogadores que nascem no primeiro semestre do ano têm maiores probabilidades de serem identificados como talentosos, por apresentarem um desempenho superior nas idades iniciais. Já os jogadores que nasceram no segundo semestre do ano podem acabar tendo menos oportunidades de treinamentos tático-técnicos qualificados, o que coletivamente pode acarretar em prejuízos ao desenvolvimento esportivo. 

Em síntese, sugere-se aos treinadores que trabalham com jovens futebolistas a adoção de uma visão multifatorial do desempenho esportivo, pois enviesar os processos de prospecção e seleção de talentos desconsiderando possíveis efeitos da idade relativa pode trazer resultados imediatos dentro de campo a partir das momentâneas vantagens competitivas que o tamanho corporal ocasiona e uma super representatividade dos nascidos no primeiro semestre do ano em equipes de futebol, mas o desenvolvimento tático-técnico e as oportunidades em treinos de qualidade devem ser acessíveis a todos os praticantes.

Link para o artigo completo

Referências consultadas

COELHO-E-SILVA, M.J.; FIGUEIREDO, A.J.; SEABRA, A.; NATAL, A.; VAEYENS, R.; PHILIPPAERTS, R.; CUMMING, S.; MALINA, R.M. Discrimination of U-14 soccer players by level and position. International Journal of Sports Medicine, v. 31, n. 1, p. 790-796, 2010.

MALINA, R.M.; REYES, M.P.; FIGUEIREDO, A.J.; COELHO-E-SILVA, M.J.; HORTA, L.; MILLER, R.; CHAMORRO, M.; SERRATOSA, L.; MORATE, F. Skeletal age in youth soccer player: implication for age verification. Clinical Journal of Sport Medicine, v. 20, n. 6, p. 469-474, 2010.

MENDES, C.; MENEGASSI, V.; JAIME, M.; COSTA, L.C.A.; MARQUES, P.G.; RECHENCHOSKY, L.; RINALDI, W.; BORGES, P.H. Impacto do tamanho corporal, da idade relativa e do índice de desenvolvimento humano sobre a participação de futebolistas brasileiros na Liga dos Campeões da UEFA. Retos, v. 39, n.1, p. 271-275, 2021.

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Responsabilidade Civil em eventos desportivos

Não é difícil perceber que o Brasil tem vocação e tradição para sediar grandes eventos esportivos. Nos últimos anos sediamos os Jogos Panamericanos de 2007, a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo de Futebol em 2014, os Jogos Olímpicos de 2016, Copa América de 2019, e a final da Copa Libertadores da América em 2021 além de outros eventos de menor porte, mas igualmente importantes para o calendário anual tanto voltado para o futebol quanto de outras modalidades esportivas.

Estes eventos como um todo exigem que o Poder Público, os organizadores e as empresas parceiras e patrocinadoras compreendam e se organizem para cooperar e empreender parcerias para que os grandes investimentos necessários para a realização destes eventos sejam viabilizados e os espetáculos aconteçam com maior frequência em nosso país e principalmente, com a segurança necessária para que imprevistos não ocorram.

Entretanto, é importante frisar que além de todas as questões esportivas e comerciais que envolvem a organização de grandes eventos como os acima citados, cabe aos organizadores se atentarem aos aspectos jurídicos, especialmente aqueles relacionados à responsabilidade civil em eventos Desportivos, um tema em constante desenvolvimento no Brasil, mas que ainda nos dias de hoje não tem espaço de debate suficiente considerando sua relevância e que tem como base o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Torcedor, o código civil de 2002, a Lei Pelé e a própria jurisprudência.

Em um breve histórico, lembramos que a responsabilidade civil no Brasil, quando ainda sob a vigência do Código Civil de 1916 era em regra subjetiva, ou seja, para ser caracterizado o dever de indenizar era necessário que a conduta que gerou o dano fosse, além de ilícita, culposa.

Passados os anos passou-se a dar maior atenção aquele que por exemplo tenha sofrido algum tipo de dano ou prejuízo em razão da má organização ou falta de segurança de algum evento desportivo, e com o advento do Código Civil de 2002 mudou-se o entendimento para responsabilidade objetiva do fornecedor que nada mais é do que a responsabilidade advinda da prática de um ato ilícito ou de uma violação ao direito.

Em que pese o assunto ser amplo suficiente para aprofundarmos, o objetivo do presente artigo é apresentar as principais legislações sobre responsabilidade civil em eventos desportivos, sem maiores detalhes sobre o tema e, trazendo ainda leve tendencia para os players envolvidos com futebol, mas deixando claro ao leitor que a legislação aqui trazida é também aplicável a eventos de outras modalidades desportivas.

Posto isso, ainda que aparentemente não tenham relação de proximidade, a Responsabilidade Civil em eventos esportivos está diretamente relacionada com o Direito do Consumidor o que nos traz a lembrança de que a responsabilidade civil em situações que envolvam litígios entre torcedor / participante de um evento e a entidade desportiva / organizador do evento será de natureza objetiva, não sendo, portanto, necessário fazer prova de culpa do organizador, com base na teoria do risco.

Ainda, em se tratando de evento desportivo, o Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003), em seu art. 3º equipara o termo “fornecedor” ao trazido no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor de modo que nas relações de consumo existente entre o torcedor e a entidade desportiva a responsabilidade civil da entidade desportiva será em regra objetiva.

Art. 3º Estatuto do Torcedor – Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.”

“Art. 14. Código de Defesa do Consumidor – O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

Dessa forma, os organizadores dos eventos desportivos, bem como as entidades desportivas detentora do mando de jogo (no caso do futebol) são considerados fornecedores, nos termos do art. 3º do código de defesa do consumidor:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Uma vez que os organizadores e detentores dos direitos dos eventos desportivos são considerados fornecedores, os torcedores serão considerados consumidores de modo que as relações que envolvam torcedor e entidade desportiva serão baseadas nas disposições trazidas pelo código de defesa do consumidor.

Este é o entendimento previsto nos art. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Perceba que a legislação que protege o torcedor em relação a responsabilidade civil é ampla, sendo que o Código Civil de 2002 traz em seus artigos 389 e 927 que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

E a Lei Pelé, que em seu art. 42, § 3º trouxe para a justiça desportiva o mesmo entendimento já previsto no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º (acima citado), sobre o conceito de consumidor.

Art. 42. § 3º O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.”

Por fim, citamos o art. 19 do Estatuto do Torcedor, que traz de forma clara e direta a responsabilidade objetiva no âmbito esportivo.

“Art. 19. As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo.”

Portanto, o tema Responsabilidade civil é amplamente previsto na legislação desportiva havendo uma grande preocupação com o torcedor que comparado com consumidor nos termos do código de defesa do consumidor é considerado a parte hipossuficiente da relação e por isso temos atualmente a responsabilidade civil objetiva, presumindo-se a culpa do fornecedor (organizador do evento ou entidade desportiva) – responsabilidade objetiva, ou seja, havendo conflito, caberá a este último comprovar que não agiu com negligência, imperícia ou imprudência para não haver o dever de indenizar.

Dessa forma, o torcedor, ou qualquer indivíduo envolvido no evento esportivo que eventualmente tenha sofrido dano decorrente da falha na segurança do evento esportivo, em qualquer aspecto, poderá exigir justa indenização do organizador, incluisve do responsável pelo mando de jogo, que responderão de forma solidária ficando resguardado a estes o direito de regresso em sendo apurado o responsável pelo dano, ou conhecido aquele que tenha causado a situação de conflito e insegurança.

Ressalta-se, ainda, que a responsabilidade não se limita aos fatos ocorridos apenas no interior do local onde estiver ocorrendo ou tiver ocorrido o evento esportivo e durante sua realização, mas abrange também os arredores e espaço de tempo razoável antes e depois da sua realização.

Como pode ser percebido, o tema responsabilidade civil em eventos desportivos, é amplo suficiente para outros textos e por este motivo não é intenção deste artigo esgotar o tema nem trazer respostas prontas ao leitor, mas apenas demonstrar que há previsão de responsabilidade civil nos eventos desportivos na legislação inclusive a legislação específica relacionada ao Direito Desportivo, sendo certo que aos torcedores são garantidos direitos assim como aos organizadores são previstos deveres para casos em que ocorra danos.

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Meninas na rua, Meninas da rua, Meninas: pra rua!

“Há um menino, há um moleque, morando sempre no meu coração,

 Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão…”

(Milton Nascimento)

Você pode estar se perguntando: mas por que utilizar um título tão feminino e sustentar a ideia inicial com um texto no masculino?

Pois é, ser menina desde sempre, nos remete a anulações em determinadas circunstâncias da vida… isso não tira o brilhantismo dessa canção do Milton, jamais seria nossa intenção.

Tanto que ela servirá de pano de fundo para esse atrevimento de escrever sobre meninas e a rua.

Ah, a rua!

Um espaço tão democrático e por vezes tão fechado às meninas.

Não que a gente se intimide – ou se intimidasse – com essa sensação de falta de pertencimento, por ser menina e estar na rua.

Minha infância teve muitas ruas!

A rua da igrejinha, a rua do “campão”, o “descidão”, a rua da ponte, a rua “de trás”, a rua de cima e por ai se segue uma lista de momentos e vivências que tive o privilégio de viver na rua!

E como fui feliz na rua!

“Há um passado no meu presente

Um sol bem quente lá no meu quintal

Toda vez que a bruxa me assombra

O menino me dá a mão

Mas estar na rua nos anos 80, sendo menina, não era algo simples…

Para nós, era um espaço a ser conquistado! Por vezes, na raça.

Pra se ter o direito de ser uma menina da rua precisávamos sempre ser melhores que os meninos, em todas as suas demandas.

A melhor na “Bolinha de gude”, melhor no “Carrinho de rolemã”, melhor “empinadora de pipas”, melhor em rodar o “Aro de bicicleta”, melhor na “Unha na mula” e por ai afora.

Modéstia à parte, consegui ser melhor que os meninos, na maioria das vezes, em todos esses quesitos, exceto no futebol… uma frustração pessoal, por isso conquistei meu espaço na rua.

E como eu valorizava essas conquistas!

Exibia com orgulho minha caixinha com as mais bonitas bolinhas de gude, todas seriadas a partir de suas pontuações: as leitosas e transparentes valiam mais que as verde musgo…

Minha coleção de pipas…com rabiola, sem rabiola, capuchetas, de jornal, de seda, de sacolinha de supermercado. Ah, como eram infinitas as possibilidades de se colorir o céu e fazer sorrir no chão, da rua.

Assim como guardei com carinho cada cicatriz, cada arranhão, cada ponto “conquistado” na rua, alguns que podem ser vistos ainda hoje!

Me orgulho de cada um deles, pois a rua me ensinou muito além do que aprendi na escola.

Aprendi valores, aprendi sobre convivência, sobre repartir, sobre ser justa, sobre ser honesta, sobre ser feliz! E sempre que a vida nos coloca numa corda bamba, são esses conhecimentos que fazem toda diferença.

“E me fala de coisas bonitas

Que eu acredito

Que não deixarão de existir

Amizade, palavra, respeito

Caráter, bondade alegria e amor”

E quanto ao ser menina, na rua, os dilemas existem desde sempre. Aos poucos esses espaços vão sendo conquistados, a passos lentos e nem tão largados como gostaríamos.

Mas as histórias das meninas que viveram a rua no mesmo tempo histórico que vivi, se assemelham. Nas alegrias e nas tristezas, nas conquistas e nas anulações vividas.

“Pois não posso

Não devo

Não quero

Viver como toda essa gente

Insiste em viver

E não posso aceitar sossegado

Qualquer sacanagem ser coisa normal”

A luta é para que possamos deixar uma rua “diferente” para as meninas do futuro. Diferente no sentido de ser menos machista, mas com todas as características e aprendizados que me fizeram a mulher que sou hoje.

Por isso, meninas: pra rua!

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Raio X da gestão do marketing nos clubes de futebol – O planejamento

Na terceira parte da série sobre a gestão do marketing iremos abordar como os 14 clubes analisados realizavam o planejamento da área de marketing. Os modelos teóricos sobre o tema indicam que o planejamento do marketing deve ser baseado no do clube e, assim, os entrevistados foram questionados sobre o planejamento e os objetivos das suas equipes. Dos 14 clubes três não possuíam um planejamento geral, cinco possuíam planejamento, mas não estratégico (focando apenas na parte esportiva ou financeira), e em seis havia um plano estratégico, com a definição de itens como missão, visão, valores e objetivos de médio e longo prazo.

Sobre os objetivos dos clubes, cinco entrevistados não souberam cita-los, cinco indicaram objetivos esportivos e os demais citaram itens como a criação de uma imagem profissional, o crescimento sustentável e a busca pelo reconhecimento nacional. Destaque para o fato que nenhum indicou que o clube possuía objetivos relacionados ao marketing, como conquista e fidelização dos torcedores, desenvolvimento de novos produtos e serviços e obtenção de novas receitas.

Especificamente sobre o planejamento do marketing, quatro clubes não o possuíam, em seis ele existia, mas era informal, e em quatro ele era claro e documentado. Em apenas um a duração do planejamento era superior a um ano, com a maioria o utilizando de forma anual ou por competição. A criação do planejamento ocorria de diferentes maneiras nos 10 clubes que o possuíam: em três era definido pela diretoria, em dois em conjunto entre diretoria e o marketing e em cinco pela área de marketing, sendo que destes em dois ele era baseado em diretrizes gerais do clube, como o indicado pela teoria. Por fim, sobre os objetivos do marketing, três entrevistados afirmaram que não possuíam, sendo que dois deles eram de clubes em que havia departamento de marketing. Os objetivos dos outros 11 clubes envolviam aspectos como a geração de receitas, por patrocínios ou venda de produtos; a melhoria no atendimento e relacionamento com o torcedor e o sócio-torcedor; o atendimento aos patrocinadores; a afirmação do posicionamento do clube; e a transmissão das partidas.

Também foram abordados os principais elementos estratégicos do planejamento de marketing. Começando pela análise da situação, que visa analisar o ambiente interno e externo do clube, foi identificado que poucos clubes realizavam tais análises de forma sistemática, clara e constante. Na maioria tal análise era baseada em percepções e opiniões da equipe de marketing, sem nenhum clube possuir documentos formais sobre o tema. Dos 14 clubes apenas dois não realizavam e utilizavam dados de pesquisas de mercado de forma constante. Contudo, a principal pesquisa utilizada focava apenas no retorno de mídia e era obtida de forma compulsória pelos clubes junto à Federação Paulista. Pesquisas sobre os torcedores eram realizadas com menos frequência e apenas três clubes já haviam contratado empresas especializadas para realizá-las, com muitos fazendo pesquisas por conta própria principalmente em redes sociais, por e-mail ou durante os jogos, mas, sem a correta orientação, os dados obtidos eram limitados e superficiais.

Sobre a segmentação do mercado, ou seja, a criação de grupos/nichos de torcedores/consumidores para um melhor atendimento, apenas quatro clubes indicaram a possuir. Já a definição de mercados e públicos-alvo era presente em cinco clube, sendo que em apenas dois ela era clara e relacionada com a segmentação existente, seguindo o indicado pelos modelos teóricos sobre o tema.

Outro elemento fundamental do planejamento estratégico de marketing é o posicionamento, que indica a vantagem que a organização oferece e como ela se posiciona no mercado, sendo fundamental para a realização de todas as atividades e ações da área. Dos clubes analisados em cinco o posicionamento não era claro enquanto em nove ele era bem definido e envolvia aspectos esportivos, desde a formação de atletas até a conquista de títulos; tradições e valores dos clubes; e características como profissionalismo, seriedade e transparência. Importante ressaltar que a utilização de aspectos esportivos, especialmente de conquistas, não é recomendado, pois a imprevisibilidade do futebol pode prejudicar, na prática, tais posicionamentos.

A área comercial em todos os clubes analisados era de responsabilidade do marketing, diferentemente de alguns modelos teóricos e de clubes europeus onde as duas áreas são distintas, havendo em todos um planejamento comercial, ainda que informal e sem clara documentação. O mesmo era definido pelo marketing em quatro clubes, sendo que nos outros dez os planos comerciais eram oriundos da diretoria, com o marketing apenas o executando, por mais fora da realidade ele fosse: apenas um entrevistado citou que questionava abertamente as determinações da diretoria. Os objetivos comerciais focavam principalmente na busca de patrocinadores/parceiros, no atendimento e fidelização dos patrocinadores existentes, cumprimento de metas financeiras e obtenção de contratos de longo prazo. Já os principais produtos disponibilizados ao mercado eram:

  • Patrocínios nos uniformes, nas redes sociais, permutas e outras formar de parcerias;
  • Estádio e centro de treinamento: comercialização de publicidades diversas; locação de cadeiras e camarotes; locação de espaços para eventos/shows; e acordos para o direito de venda de alimentos e bebidas;
  • Ações e ativações voltadas para os sócios-torcedores e no estádio durante os jogos;
  • Direito de transmissão das partidas;
  • Leis de incentivo ao esporte;
  • Produtos e serviços: ingressos, licenciamentos, escolas de futebol e sócio torcedor.

Apesar da aparente variedade de opções, na prática poucos produtos e serviços eram realmente comercializados na maioria dos clubes, com o foco sendo majoritariamente nos patrocínios dos uniformes; na publicidade nas instalações, especialmente nos estádios por meio de permutas; e nos programas de sócio-torcedor, tidos pela maioria dos entrevistados como o principal produto dos clubes e foco de parte das ações comerciais.

No geral, podemos observar que o planejamento do marketing na maioria dos clubes era restrito, de curta duração, criado de forma limitada e sem conexão com o restante do clube. Elementos estratégicos fundamentais para a correta gestão do marketing são ignorados, com a análise da situação, pesquisas com torcedores/consumidores e a definição da segmentação de mercado e do mercado e público-alvo, o que acaba por limitar as ações e os resultados da área.

A parte comercial possuía um planejamento mais desenvolvido, apesar da tendencia dele ser definido pela diretoria sem a participação clara do departamento de marketing, o que gera objetivos e metas irreais, além da limitada opção de produtos e serviços oferecidos aos diferentes tipos de públicos e mercados. Por fim, foi contatado que o processo de planejamento do marketing é um dos principais problemas da gestão do marketing dos clubes analisados, sendo que tal situação afeta diretamente os resultados obtidos pela área, especialmente a geração de novas receitas a fidelização dos torcedores/consumidores.

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Sobre as relações entre a coragem e o rendimento

Ainda durante o jogo entre Palmeiras x Tigres, pela semi-final do Mundial de Clubes da FIFA, por mais de uma vez ouvi uma afirmação que me parece bastante perigosa e que, de alguma forma, pode ser discutida: algo próximo de que o Palmeiras não jogaria bem por uma suposta falta de coragem, que a falta de coragem teria contribuído para uma suposta falta de ‘ideias’ e que a falta de coragem seria uma das características presentes em diversas equipes, especialmente as brasileiras, quando em jogos decisivos. Bom, vamos conversar um pouco sobre isso.

Em primeiro lugar, não custa nada pensarmos sobre o que falamos quando falamos de coragem. Vocês sabem que coragem é uma palavra que vem do francês courage, que por sua vez tem origem no latim cor – faz referência ao coração. Assim, podemos pensar no sujeito corajoso como aquele que atende espirituosamente aos próprios sentimentos (o que, no futebol, não deixa de ser algo extremamente interessante, uma vez que está cada vez mais capilarizada a ideia da razão, a partir, por exemplo, de uma ocupação racional dos espaços, noção que trabalhei neste texto). Muito embora, no nosso imaginário, o sujeito corajoso seja aquele que enfrenta todos os desafios, sem qualquer traço de temor, há outras variáveis a se considerar: o próprio Aristóteles, cuja ética se apoiava na justa medida, entendia que a coragem, ao contrário do que se pensa, não é o extremo oposto da covardia – a coragem seria o meio-termo entre a covardia e a temeridade. Embora não seja covarde, o sujeito corajoso também não é imbecil, sabe das forças que têm, mas também sabe muito bem das forças que lhe escapam.

Se a coragem não é tão simples quanto parece para um sujeito apenas, o que dizer de uma equipe de futebol? Já não é mais propriedade privada a noção de que as relações de uma equipe de futebol estão muito próximas das de um sistema aberto, cuja comunicação não acontece exatamente por princípios de causalidade (relações de causa/efeito), mas talvez por princípios de complexidade – da qualidade daquilo que é tecido junto. Para que uma equipe não fosse corajosa, pelo menos num sentido mais pragmático do termo, seria preciso uma enorme dose de reducionismo (como se os jogadores todos tivessem uma mesmíssima capacidade de interpretação de uma determinada instrução), mas também e especialmente uma enorme capacidade de persuasão do treinador, como se treinadores fossem sofistas, cuja oratória é tão violentamente magnética que praticamente hipnotiza o vestiário inteiro – elevando à enésima potência aquelas habilidades sociais da qual o Julian Nagelsmann tanto fala.

Além disso, não deixa de ser um erro importante achar que a coragem (ou a falta dela) tem relação direta com determinadas estratégias ou mesmo com determinados modelos de jogo. Por exemplo, existe uma noção de que equipes que tendem à defesa são quase que automaticamente covardes. Só que de um ponto de vista prático isso não se sustenta. Vamos pensar, por exemplo, no Atlético de Madrid, comandado nos últimos dez anos pelo Diego Simeone: todos sabemos que o modelo de jogo do Atletico passa por um sistema defensivo muito forte, por muitas vezes baseado em bloco médio/baixo, oscilando entre oito, nove ou até mesmo dez jogadores atrás da linha da bola – mas mesmo assim uma equipe muito agressiva, muito ativa de um ponto de vista defensivo (inclusive elevando as qualidades defensivas de vários jogadores que nasceram mais vocacionados para o ataque, como Saúl Ñiguez e Koke), que certamente jamais, em nenhuma hipótese, poderia seria chamada de covarde mesmo pelo mais relapso espectador de futebol. Pelo contrário, eu até diria que equipes mais especulativas, que nitidamente se defendem a partir da posse da bola (e não abrindo mão dela), possam ser tidas como covardes pelo simples fato de não cederem instantaneamente aos impulsos de ataque.

O problema é que esse tipo de relação direta entre o rendimento pontual em um determinado jogo e uma determinada postura ética (de coragem, covardia ou qualquer outra coisa) não dá conta da complexidade do jogo de futebol, de que falávamos acima. Conversamos sobre isso diversas vezes, mas nunca é pouco lembrar que o jogo de futebol é, antes de tudo, um jogo, é um espaço de incerteza e de imprevisibilidade, norteado por regras muito bem definidas, por um espaço próprio e por um tempo próprio – que é diferente do tempo cronológico. Sendo o jogo de futebol um jogo coletivo e um jogo coletivo de invasão, o nível de complexidade aumenta violentamente – inclusive de um modo em que talvez a nossa capacidade de compreender o jogo na sua plenitude seja muito menor do que imaginamos, porque o que se consegue ver no jogo de futebol é apenas um fragmento de tantas outras forças sutis e implícitas que vão se relacionando no campo de jogo. Há um campo de forças do jogo de futebol que é visível, que pode ser capturado pelos olhos, mas há um outro campo de forças, um campo de relações entre companheiros, entre companheiros e adversários, entre companheiros, adversários e a bola, enfim… há um campo de forças que escapa completamente das nossas percepções, e que muitas vezes, curiosamente, só pode ser captado pelo coração, só pode ser sentido (por isso, defendo que a nossa formação como profissionais do futebol não seja única e exclusivamente racional, muito pelo contrário, seja também uma educação dos afetos, uma educação de corpo inteiro, como tanto diz o Professor João Batista Freire) e estando na morada dos sentimentos, que é o coração, só pode ser sinônimo de coragem, ao invés do seu contrário.

Embora tenhamos a necessidade e mesmo a tentação de encontrar justificativas que nos permitam dar sentido ao jogo de futebol (e à vida que se vive), é muito importante evitarmos ao máximo os reducionismos de qualquer natureza. Embora seja um elemento muito importante, inclusive enquanto conteúdo de processos de treino, me parece que o que se entende por coragem ainda esteja muito distante de dar conta do resultado pontual de um jogo de futebol.

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Palmeiras e a preguiça na análise

Crédito imagem – Site oficial Palmeiras/Divulgação

Tornar o sucesso um furacão. E fazer do fracasso uma catástrofe. Tendências naturais para nós, seres humanos, e que ganham ainda mais projeção e emoção quando o assunto é futebol. Nesse mesmo espaço, na semana passada, pontuei que o projeto Palmeiras era o melhor do Brasil e que a conquista da Libertadores coroava uma gestão profissional que se aperfeiçoa ano após ano desde 2015. Tudo isso continua sendo verdade. A derrota na semifinal do Mundial para o Tigres do México é um evento dentro de um processo. Que não deve nem ser supervalorizado e nem desprezado. Apenas analisado.

O primeiro ponto para ser o mais fiel possível ao que de fato aconteceu é individualizar e não generalizar. Reconheço a tentação e a facilidade em dizer que o futebol brasileiro não é mais o mesmo e que o futebol mexicano já nos ultrapassou. Porém prefiro ‘unificar’ porque quem perdeu foi o Palmeiras – e não o futebol brasileiro – e quem venceu foi o Tigres – e não o futebol mexicano.  Isso porque quando o Verdão conquista a Libertadores significa que ele foi o melhor time na disputa dessa competição, o que é bem diferente de colocá-lo como o melhor da América do Sul e até mesmo do Brasil. Para o Tigres vale a mesma coisa. Cada jogo tem sua história e suas circunstâncias. Será que o Inter, o Flamengo, o Atlético-MG ou até mesmo o Santos perderia também essa semifinal do Mundial? Impossível saber. Como também é impossível cravar que o futebol no Brasil vive um pior momento do que o mexicano por conta de um jogo envolvendo apenas dois clubes, que não necessariamente são os melhores.

O técnico do Palmeiras, Abel Ferreira, pouco tempo teve para treinar a equipe desde que chegou. O portugues teve uma inteligência circunstancial para rapidamente achar uma formação que potencializou o melhor de vários jogadores. Isso foi suficiente para ganhar a Libertadores. Não para chegar à final do Mundial.

A visão deve ser sempre sistêmica. Nosso futebol está na segunda, caindo para a terceira divisão do mundo não porque o Palmeiras perdeu do Tigres. E sim porque ainda temos clubes políticos e gestões amadoras. Porque a maioria dos times joga apenas três meses um campeonato estadual e depois disso não tem mais calendário. Porque nunca valorizamos a educação e o estudo e por isso nossos profissionais não ingressam no mais alto nível. Enfim, são inúmeros fatores de dentro e fora de campo que explicam nossa decadência. Mas simbolizar o Palmeiras nisso tudo não é justo e nem coerente.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol  

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Considerações táticas sobre Liverpool x West Bromwich

O futebol contemporâneo apresenta uma infinidade de fatores convergentes para a realização de jogos inteligentes, que são aqueles disputados por equipes que, ao se prepararem através de diversos recursos e métodos de treinamento, competem em alto nível de consciência e desempenho tático. Para Abel Ferreira, treinador do Palmeiras, uma equipe tem que realizar suas ações de modo consciente, interpretando as dinâmicas do jogo e executando de forma inteligente as movimentações treinadas previamente. Para o treinador palmeirense os atletas não podem jogar de modo automático ou inconsciente. Ao contrário, diante de cada situação do jogo os jogadores deverão apresentar as soluções táticas correspondentes.

Ocorre, no entanto, que o futebol é um esporte realizado em um contexto complexo repleto de imprevisibilidades. A complexidade do futebol resulta do conjunto e das interações existentes entre as ideias de jogo, a qualidade dos jogadores e suas relações com as ideias, o contexto existente e os problemas específicos do confronto entre equipes. Surge daí a necessidade de adoção de modelos de jogo, que constituem a identidade das equipes de futebol a partir da interação entre os seguintes fatores: ideias do treinador, princípios do jogo, características do clube, contexto, jogadores e treino (OLIVEIRA, 2012).

Neste texto realizamos algumas considerações táticas a respeito da partida entre Liverpool Football Clube e West Bromwich Albion Football Club, disputado no dia 27 de Dezembro de 2020, no Estádio Anfield (em Liverpool), pela 15ª rodada da Premier League (campeonato inglês) 2020/2021. O jogo terminou empatado em 1 X 1. Em situações opostas na tabela de classificação, com o Liverpool lutando pelo título e o West Bromwich buscando a saída da zona do rebaixamento para a 2ª divisão nacional, as equipes apresentaram modelos de jogo diferentes e representativos das qualidades e circunstâncias que envolvem os dois clubes.

A abordagem deste artigo é qualitativa, mas alguns dados quantitativos explicam algo sobre a partida em questão: o Liverpool trocou 787 passes, o que corresponde a 79% de posse de bola, enquanto o West Bromwich realizou 213 passes, correspondentes a 21% de posse de bola. O Liverpool chutou 17 vezes, mas apenas duas destas foram em direção à meta adversária: já o West Bromwich chutou 5 vezes, mas três destas foram na direção da meta do Liverpool (ESPN/FOX, 2020). Conclui-se, portanto, que a superioridade técnica do Liverpool não resultou em supremacia no placar da partida, o que representa uma característica específica do futebol: em outros esportes coletivos, como o basquetebol, o voleibol e a handebol, superioridades marcantes são traduzidas em placares de jogo com grandes vantagens numéricas.

A realidade tática do jogo era a anteriormente prevista pelos jornalistas esportivos e analistas do futebol inglês: o jogo ocorreria com nítida maior posse de bola do Liverpool, com realização das ações no campo de defesa do West Brom. E foi o que aconteceu: o West Bromwich passou o 1º tempo apenas se defendendo, enquanto o Liverpool atacava de modo incessante, atingindo 85% de posse de bola na primeira etapa.

Jürgen Klopp, treinador do Liverpool, apresenta um modelo de jogo que não prevê necessariamente um grande percentual de manutenção da posse de bola. Para Rocha (2020), o treinador alemão objetiva um modelo intenso e agressivo, mas com espaços para a inteligência e a adaptação conforme requisitado pelas circunstâncias do jogo. O modelo de Klopp considera a posse de bola como um fator que também determina o domínio de uma equipe sobre outra, mas julga mais importantes ataques agressivos e velozes com pouca utilização de passes horizontais e de circulações de bola com baixa intensidade.

Ainda que não seja uma prioridade no modelo de Klopp, contra o West Brom a posse de bola resultou das condições específicas do jogo: a filosofia do “perde – pressiona – recupera” fez com que a posse de bola fosse rapidamente retomada pelo Liverpool em diversas e consecutivas situações. Aliás, o Liverpool apresentava preocupações ofensivas enquanto marcava a saída de bola adversária: quando o West Brom, do treinador Sam Allardyce, procurava iniciar a construção do jogo, era imediatamente pressionado pelas linhas do Liverpool, a começar do trio de atacantes composto por Salah, Firmino e Mané. A marcação em bloco alto, por pressão, resultava em rápidas recuperações de bola pelo Liverpool, que imediatamente partia em transição ofensiva aguda (vertical) buscando surpreender um West Brom que cognitivamente estava se ocupando da construção do jogo um segundo antes. Em síntese: o Liverpool tinha a bola nos pés, e quando não a possuía buscava recuperações imediatas de sua posse.

Percebe-se que o momento defensivo do Liverpool estava associado à transição ofensiva e à fase ofensiva, configurando momentos que, ainda que didaticamente separados, representam um todo dinâmico e indivisível (MOURINHO apud OLIVEIRA et al, 2006). De acordo com Oliveira (2012), os momentos do jogo são quatro: a) organização ofensiva, b) transição ataque – defesa, c) organização defensiva, d) transição defesa – ataque. Há uma interação entre estes momentos, segundo uma perspectiva ideal. Para Drubscky (2003), as fases do jogo são três: o momento ofensivo (fase de construção de jogadas), o momento defensivo (fase de recuperação da bola) e os momentos de reorganização do jogo (as transições). O todo dinâmico e indivisível transpareceu na organização tática do Liverpool, que controlou o jogo contra o West Brom via posse de bola, notadamente no terço final do campo (nas proximidades da meta adversária). Mas por que então o Liverpool não venceu ou goleou o West Bromwich?

No plano da ficção, podemos dizer que os deuses do futebol apresentam razões que a própria razão desconhece. No contexto pragmático do jogo existem motivos que explicam alguns resultados inesperados ou até insólitos. O West Bromwich, sabedor de suas limitações, organizou uma defesa em bloco baixo, com linhas muito compactadas. A primeira linha apresentava cinco homens, enquanto a segunda era ocupada por quatro atletas. O atacante mais avançado da equipe “balançava” de acordo com a movimentação dessas linhas. Em outros instantes eram seis atletas na primeira linha e quatro na segunda linha. Podemos dizer que o Liverpool controlava a bola, enquanto o West Brom de certa forma controlava o espaço. As investidas agudas do Liverpool ocorreram durante toda a partida, mas esbarravam em espaços ocupados pela defesa do West Brom, que executava marcações duplas, triplicadas ou até quadruplicadas sobre o portador da bola do Liverpool.

A equipe do Liverpool também retomava a bola com pressões exercidas por até três atletas sobre o homem da bola. Nesses momentos a equipe avançava seus laterais (Alexander-Arnold e Robertson) e seus homens de meio (Henderson, Wijnaldum e Jones) diminuíam radicalmente a distância para os três atacantes. Seria momento então para o Liverpool executar com a qualidade habitual suas transições ofensivas, mas isso não aconteceu. Viradas de jogo para as extremidades opostas ocorreram algumas vezes, mas as sequências das jogadas não eram rápidas, permitindo tempo para a total basculação das linhas do West Brom. Passes para atletas entrelinhas foram inviabilizados pela compactação do West Bromwich. Outra opção contra defesas muito fechadas, os chutes de média e longa distâncias, foram pouco utilizados: o Liverpool recorreu a este recurso em dois chutes (Salah e Henderson) e em duas cobranças de faltas por Alexander-Arnold.

O Liverpool, então, buscou triangulações com toques de primeira e jogadas individuais, objetivando assim superar as linhas adversárias. Essas estratégias foram neutralizadas pelo West Brom, sobretudo pela superioridade numérica na região da bola e pelas coberturas eficientes quando seus atletas sofriam o primeiro drible de Salah e Mané. Na realidade, o Liverpool obteve sucesso em dois passes em profundidade para Mané, que recebia a bola na altura da primeira linha do West Brom: em um desses lances a passe de Matip encontrou Mané, que abriu o placar aos 13 minutos do primeiro tempo.

Para além das situações citadas, que exprimem grande parte da lógica do jogo, torna-se importante destacar os seguintes tópicos: a) o Liverpool conseguiu dominar praticamente todos os rebotes ofensivos; b) o goleiro do Liverpool, Alisson, tocou pela primeira vez na bola quando de um recuo aos 25 minutos de jogo, c) o primeiro ataque efetivo do West Bromwich ocorreu aos 32 minutos de jogo; d) nos raros casos de saída de bola, no seu campo defensivo, o Liverpool adotou o formato lavolpiano, com a abertura dos zagueiros Fabinho e Matip e a colocação do volante Henderson entre eles.

Com relação aos princípios táticos do jogo, conforme discriminados por Costa et al (2009), podemos estabelecer alguns parâmetros para a compreensão da pouca efetividade do ataque do Liverpool. Por “pouca efetividade” compreendemos o fato da equipe citada ter dominado o jogo, sobretudo no aspecto temporal, mas não ter obtido número elevado de finalizações e gols. Analisemos três princípios fundamentais do jogo ofensivo, segundo os autores supracitados: mobilidade, penetração e cobertura ofensiva. Os atletas do Liverpool buscaram a realização de coberturas ofensivas, tanto que as opções de passe sempre existiram durante o jogo, bem como a recuperação imediata de bolas perdidas. No entanto, a equipe não efetuou penetrações em função de sua mobilidade realizada em baixa velocidade (ou sem intensidade, se preferirem). O “ferrolho suíco” (leia-se retranca) armado por Sam Allardyce reduziu drasticamente os espaços de manobra para os comandados de Jürgen Klopp.

As movimentações rápidas do Liverpool no sentido de retomar a posse de bola não foram seguidas por mobilidades ideais, intensas e velozes, no plano ofensivo. Desse modo a equipe de Klopp dominou a posse de bola, mas esse fator temporal não foi convertido em ataques agudos e rápidos. O controle da bola não resultou em produção de espaços livres e suas consequentes ocupações, e algumas recuperações de bola por parte do West Brom proporcionaram perigosos contra-ataques em direção à meta defendida por Alisson: em um deles o goleiro brasileiro impediu o gol adversário, através de uma excelente saída por baixo. A outra alternativa ofensiva do West Brom seria através de bolas paradas, e foi assim que, após escanteio curto, o zagueiro Ajayi cabeceou para a redes do Liverpool, empatando a partida aos 37 minutos da segunda etapa.

Em síntese, compreendemos que o Liverpool foi fiel ao seu modelo de jogo e aos princípios táticos dele derivados, mas não obteve a vitória por não ter conseguido abrir espaços em uma defesa fortemente compactada em uma zona restrita do campo. Se por um lado entendemos que uma maior velocidade nas transições ofensivas poderia ter concedido o triunfo à equipe de Jürgen Klopp, por outro podemos interpor um questionamento à alguns modelos de jogo específicos que rotulam as ideias dos treinadores: a flexibilização de tais modelos não seria recomendável em determinadas circunstâncias de jogo?

Algumas palavras de Tostão (2021), em artigo publicado pela Folha de São Paulo, lançam luzes sobre essa indagação. Para o centroavante de grandes atuações na copa do mundo de 1970, as equipes de futebol devem adotar diferentes estratégias durante um jogo de futebol, sendo em um mesmo confronto ofensivas e defensivas, ativas e reativas. Tostão (2021, p. B7) arremata:

o jogo de futebol, assim como a sociedade, deveria estimular a diversidade e evitar a radicalização. Os maiores bens do ser humano são a independência e a liberdade, respeitando o direito dos outros, sem se tornar refém de preconceitos e de conceitos técnicos e táticos.

            Sábias reflexões do ex-craque da seleção brasileira, que deixou de ser um estilista da bola para se tornar um autor de textos escritos com singular maestria.

COSTA, Israel T.; SILVA, Júlio M. G.; GRECO, Pablo J.; MESQUITA, Isabel. Princípios Táticos do Jogo de Futebol: conceitos e aplicação. Revista Motriz. Rio Claro, V. 15, N. 3. p. 657-668, 2009.

DRUBSCKY. Ricardo. O Universo Tático do Futebol: Escola Brasileira. Belo Horizonte: Editora Health, 2003.

FERREIRA, Abel Fernando Moreira. Entrevista coletiva. Disponibilizada pela ESPN/FOX em 5 de Janeiro. Buenos Aires, 2021.

OLIVEIRA,  José  G.  G.   Periodização   Tática:    Pressupostos    e    Fundamentos. Curso / Escola Brasileira de Futebol,  2012 . Disponível em: https://pt.slideshare.net/PedMenCoach/periodizao-ttica-jos-guilherme-oliveira. Acesso em 25 de Janeiro de 2021.

OLIVEIRA, Bruno; Amieiro, Nuno; Resende, Nuno; Barreto, Ricardo. Mourinho: porquê tantas vitórias. Lisboa: Gradiva, 2006.

ROCHA, André. Era Jürgen Klopp é de futebol intenso, mas também inteligente e adaptável. Artigo / UOL, 2020. Disponível  em  https://andrerocha.blogosfera.uol.com.br/2020/06/26/era-jurgen-klopp-e-de-futebol-intenso-mas-tambem-inteligente-e-adaptavel. Acesso em 18 de Janeiro de 2021.

TOSTÃO. Apertar e recuar. Artigo. São Paulo: Folha de São Paulo, 24 de Janeiro de 2021.

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A importância do arremesso lateral

A jogada realizada pela equipe do São Paulo na quinta-feira dia 03/12/2020, que originou o segundo gol da vitória contra o Goiás, em partida válida pela 1ª rodada do Campeonato Brasielrio viralizou nas redes sociais, uma jogada ensaiada e treinada que resultou no gol do Brenner.

A jogada se inicia de um arremesso lateral, que aliás é o momento de bola parada que mais acontece no jogo.

Qual a importância que você dá para o arremesso lateral nos treinos que realiza?

Há detalhes no arremesso lateral que são pouco explorados e discutidos em relação a esse momento. Sendo um momento peculiar por conta da bola partir da mão do jogador que realiza a cobrança, sendo o resto do jogo praticado com os pés.

O arremesso lateral deve ser colocado em disputa ou para controle?

Em 2016, o lateral arremessado na área foi uma jogada muito importante para o Palmeiras, ajudando também na conquista do Campeonato Brasileiro. Uma jogada onde a equipe arremessava o lateral na área e os jogadores estavam sempre prontos e ajustados para a disputa de primeira e segunda bola.

No Brasileirão 2019 a equipe comandada por Jorge Jesus tinha uma jogada de arremesso lateral na área que resultou em dois gols no Castelão, contra Ceará e Fortaleza. Onde os ajustes eram para primeira bola ser ajeitada para o meio da área onde haviam jogadores para a segunda bola finalizar.

Como colocar o lateral em controle do time de posse?

Um detalhe, que é falado no vídeo do treinamento do São Paulo, é o Diniz pedindo para que a bola seja jogada em direção ao pé do atleta que irá receber. Acredito que isso seja um ponto muito importante para se pensar no lateral, a bola no pé facilita o controle do jogador e faz com que dê continuidade da jogada.

Outro ponto a se pensar é que o jogador que cobra o arremesso lateral, após o arremesso é um jogador livre, que pode ser apoio a continuidade da jogada.

A equipe do Liverpool tem um treinador específico para Arremessos Laterais, se chama Thomas Gronnemark, a equipe inglesa teve uma melhora em seu desempenho desde que o dinamarquês chegou a equipe na temporada 2018/19.

“Como jogador de futebol, é muito importante que você possa arremessar a bola com precisão, encontrando espaços por todo o campo. Eu trabalho com cerca de 20 princípios diferentes para efetuar as cobranças, e os jogadores podem encontrar outras diversas variações” (Thomas Gronnemark)

Quais outros detalhes você pensa ser importante para essa bola parada no jogo?

A mobilidade, desmarques e troca de posição acredito que seja muito importante para esse momento, fazendo com que se criem jogadas e espaços a partir do arremesso lateral. É possível colocar movimentos de bloqueio, como é feito no basquete, para que os jogadores saiam livres e possam controlar a bola para dar continuidade à jogada. Outra maneira de se arremessar a bola é no espaço – chão, para que o jogador consiga dominar a bola em movimento – para frente ou para trás.

Outro ponto que é importante ser refletido é sobre como colocar arremessos laterais nos treinamentos. Será que é necessário colocar os arremessos apenas nos jogos grandes? É possível criar treinos de rondo onde a bola se inicia em um arremesso lateral? Ou utilizá-los em trabalhos específicos com cabeceio também?

Quais outras formas possíveis de se treinar o arremesso lateral?

É importante se pensar na técnica específica de arremesso, onde movimentos de quadril podem ajudar a ganhar força e potência no arremesso. Outro ponto que acredito ser importante é o engano de quem está arremessando, movimentos rápidos de braço e perna para enganar e jogar para outro lugar a bola facilitam a continuidade da jogada.

Há outras técnicas importantes para esse arremesso?

Há várias formas de se utilizar e melhorar o arremesso lateral de sua equipe, um momento pouco valorizado mas necessário ser pensado e refletido. Terminamos esse texto com uma frase dita por Thomas Gronnemarck que auxilia na reflexão sobre o arremesso lateral: “Muitas das melhores equipes do mundo estão apenas arremessando a bola e não conseguindo mantê-la. Mas claro, por não saberem ainda o que melhorar, no que trabalhar, quais as melhores soluções”.

Pense e analise o jogo e coloque em prática.

REFERÊNCIA:

https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2020/06/liverpool-tem-ate-tecnico-de-arremesso-lateral-em-campanha-historica.shtml (Frases Thomas Gronnemarck)