4-4-2 x 1-4-4-2 e o jogo de 'chutões'

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No futebol, é comum e normal representar a plataforma de jogo (leia-se esquema tático) através de uma seqüência de três números. Da defesa para o ataque são então representados o 4-4-2, o 3-5-2, o 4-3-3 dentre tantos outros.
 
O goleiro não aparece, sob o típico argumento de que não é preciso representá-lo (porque ele vai ser o “1” que sempre estará ali).
 
Pois bem. Faz muito tempo que a função típica do goleiro em uma partida de futebol é defender a meta com qualquer parte do corpo; evitar o gol. Não tão óbvio quanto parece, esse pensamento (de que a função do goleiro é “defender a bola”) acaba por desencadear avanços e retrocessos táticos importantes na forma de jogar das equipes de futebol.
 
Basta assistir a alguns jogos da Uefa Euro 2008 para notarmos diferentes propostas trazidas pelas equipes para “o jogar” e o quanto parte dessas propostas estão atreladas ao goleiro.
 
Para trazer mais clareza a minha explanação vou reproduzir parte de uma pergunta feita a mim por um correspondente holandês depois de assistir a um jogo do Campeonato Paulista juvenil (sub-17):
 
“Em muitos momentos o jogo ficou feio de assistir. Muitos chutões por parte das duas equipes. Daqui alguns anos esses jogadores estarão em uma equipe profissional. Não é preocupante que os jogadores que estão sendo formados na base não consigam um jogo de toques de bola e precisem usar o tempo todo chutões para se livrar do perigo”?
 
Claro!
 
Que bom ouvir uma pergunta dessas de alguém que se relaciona com a imprensa esportiva (porque aqui no Brasil na grande maioria das vezes o nível dos comentários e perguntas dos “especialistas esportivos” na TV, no jornal, no rádio ou na internet são… bom, deixa “pra lá”).
 
Grandes equipes européias de sucesso estão a utilizar, já há algum tempo, o goleiro como 11º jogador de linha da equipe. E aí seja para controlar o jogo, defender com bola ou tirá-la da pressão em uma jogada qualquer, as alternativas e possibilidades se enriquecem bastante.
 
Com as seleções nacionais da Europa, a mesma coisa. Na Uefa Euro 2008 temos equipes que incorporaram em suas estratégias para o jogar a ação efetiva do goleiro como um jogador que além de ser bom com as mãos para defender é eficiente com os pés para participar da construção do jogo.
 
Como nossos “grandes comentaristas esportivos” devem gostar do jogo de chutões e devem estar enraizados no conceito de que o goleiro está ali para defender o gol e ponto final, acabam por se “desesperar” quando a bola é recuada para o goleiro. Como são formadores de opinião, não é incomum perceber o “frisson” das grandes massas e torcidas quando ocorre o fato e se está a assistir ao jogo ao vivo.
 
É claro que o chutão às vezes pode ser necessário. Se a melhor (mais inteligente, efetiva e eficaz) solução para uma situação do jogo for um chutão, é claro que ele precisa ocorrer. Mas garanto que na maioria das vezes ele não é necessário (principalmente no Brasil, onde o “pressing” é um conceito distante, e a “pressão” em grande parte das vezes é desorganizada e não-coletiva).
 
Porém, muitas vezes a sensibilidade de quem assiste ao jogo não dá conta de perceber essas coisas. E aí, reproduz-se o que sempre se reproduziu, pensa-se o que sempre se pensou.
 
E o que vale para o goleiro, vale para os zagueiros, laterais, volantes ou qualquer outro jogador pressionado em seu campo de defesa.
 
O problema é que talvez no Brasil a dificuldade para construir essa idéia se solidifique no ciclo vicioso criado pela disseminação de uma leitura sobre o jogo que muitas vezes se distancia do próprio jogo. Então, jovens jogadores nas categorias de base, contaminados pelo ciclo e gerenciados por treinadores já “viciados”, não conseguem se desprender do doente processo.
 
Investir em bons trabalhos, com pessoas realmente competentes é possível.
A partida que o correspondente holandês assistiu, felizmente foi atípica, pelo menos para uma das equipes (porque o chutão não é uma solução padrão para ela).
 
Porém, talvez seja uma das poucas remando contra a maré; e remar contra a maré é para os fortes (e esses não são muitos)!
 
Que o processo mude, e rápido, porque pelo menos para nós brasileiros se isso não acontecer, não estará longe o tempo em que ficaremos fora de nossa primeira Copa do Mundo (e longe ficará o tempo que entenderemos porque a França nos venceu em 1988 e 2006).
 
Por fim, que um dia o 4-4-2 e o 1-4-4-2 (ou o 4-3-3 e o 1-4-3-3, ou o 3-5-2 e o 1-3-5-2, etc. e tal) tenham realmente significados práticos diferentes, e que os nossos formadores de opinião da imprensa especializada, em geral, possam ver o jogo mais próximo do que ele realmente é.
 
Au revoir…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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