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Próximo ao final do ano de 1994 joguei minha primeira Copa do Mundo, em uma final épica, o “Brasil do Danilo” foi derrotado pelo “Brasil do Douglas” (meu irmão um ano mais novo) e sagrou-se campeão mundial de “Gol a Gol” na disputadíssima partida realizada no quintal da casa dos meu pais! Nem mesmo os avisos (entenda-se berros) de minha mãe para que a partida fosse encerrada, visto o risco iminente de um acidente (quebra de uma janela ou do registro de água, que seria seguido de punição severa!), foram suficientes para cancelar a partida, nenhum dos dois oponentes abandonaria o jogo tão importante como aquele, aliás, eu e acredito que também meu irmão, mal ouvíamos o que nossa mãe dizia, apenas buscávamos realizar a melhor defesa possível, sem deixar que a bola cruzasse a linha de meio campo, para depois desferir o chute perfeito que conseguisse vencer o goleiro adversário. Somente ao final do jogo é que fomos nos dar conta dos arranhões e de nossa mãe que avidamente nos aguardava, para nos “saudar” após tão grande partida. Fatos que passaram desapercebidos durante o jogo…

Caros leitores, acredito que grande parte de vocês já tenha vivido “finais” como essa! Seja no quintal de casa contra o irmão ou o cachorro, seja nos torneios interclasses das escolas, ou num dos maiores clássicos do futebol mundial: rua de cima contra rua de baixo. Situações em que o seu nível de envolvimento com o jogo, ou a atividade que estivesse realizando, foi tão grande que você perdeu um pouco a noção do tempo e do que lhe rodeava, daquilo que não fazia parte diretamente do jogo, você se envolveu profundamente com aquilo que estava realizando. Fazendo agora este exercício de relembrar estes momentos, um sentimento de satisfação deva estar surgindo em você, um sentimento de que naquele momento, você teve um desempenho ótimo! E, este momento, esta situação que você viveu tem nome, é o estado da psique que a psicologia chama de flow. 

https://youtu.be/Z6JokQXRVlg

O vídeo é um trecho retirado do filme For love of the game, e ilustra exatamente o que muitos já devem ter vivenciado, quando se está imergido totalmente no jogo, nada lhe tira a concentração, nenhum barulho externo o incomoda, você está vivendo plenamente o jogo.

Um dos pioneiros e maiores estudiosos do flow, ou “teoria do fluxo” em português, é o psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi. Ele nos diz que o fluxo é um estado mental de profundo envolvimento com determinada tarefa que se está realizando, quando a concentração é tão intensa que nenhuma atenção é desviada para pensamentos irrelevantes ou as preocupações com problemas que não sejam os da tarefa. O indivíduo canaliza toda a sua capacidade cognitiva e emocional na tarefa, a autoconsciência desaparece e a noção do tempo fica distorcida. A atividade que induz a tais experiências é gratificante para aqueles que desejam praticá-la por vontade própria, ainda que a atividade seja difícil ou perigosa (isto também explica o porquê de muitas pessoas praticarem esportes em que existe um real risco de vida).

Basicamente, é este o estado que muitos de nossos atletas vivenciam quando estão jogando, por isso, tem-se a percepção de que muitos “se transformam” em outra pessoa durante o jogo. Existem inúmeros estudos mostrando que atletas, ao atingirem tal estado, elevam seus níveis de desempenho ao máximo e que, portanto, buscam utilizar o fluxo como ferramenta de treino, já que é atitude extremamente eficaz para se obter ótimos níveis de desempenho.

Ministrar uma sessão de treino onde os atletas atinjam este nível de envolvimento, deveria ser uma meta diária de toda comissão técnica. Autores brasileiros como Scaglia e Freire, há algum tempo, defendem que este estado de fluxo, chamado por eles de estado de jogo, está diretamente ligado à melhora na performance dos atletas. Scaglia nos diz que “a medida em que o jogador está em estado de jogo (se entregou ao jogo) ele irá mobilizar os recursos (competências e habilidades) disponíveis para jogar cada vez melhor (obter êxito)”.

Visto que tal estado psíquico possa gerar tamanhos benefícios aos nossos atletas, basicamente algumas características são necessárias às atividades para que estes possam atingir o estado de jogo, são elas:

  • Equilíbrio entre habilidade e desafio. Dificilmente será benéfico trazer atividades com um grau de dificuldade/desafio demasiado elevado ou baixo do nível de sua equipe e jogadores. Atividades abaixo do nível de desempenho da equipe irão gerar monotonia, desinteresse e falta de concentração, enquanto atividades acima do nível irão gerar frustração/preocupação visto que quase nunca se alcança os objetivos. É necessário saber em que nível de entendimento e aplicação eles estão.
  • Metas e regras claras. Os atletas devem conhecer quais são os objetivos, o que se espera deles com esta atividade, e quais são os caminhos (regras da atividade) que os induzem ao cumprimento dos objetivos.
  • Feedback claro e imediato. É necessário que os atletas recebam abordagens que lhes indique o quanto estão ou não se aproximando dos objetivos propostos.

Por exemplo, no jogo, os atletas são desafiados a vencer a equipe adversária, é do conhecimento deles as regras que balizam este jogo, o placar final do jogo lhe dá uma rápida e direta resposta de que se conseguiram ou não vencer este desafio.

Estas situações podem ser induzidas dentro da sessão de treino. E em meio a este contexto, estarão os objetivos da comissão para a equipe e cada jogador, sobretudo quando falamos de categorias de base, a comissão deve também entender que o placar do jogo não pode ser o único fator balizador da análise de desempenho da equipe e dos jogadores.

O nível de engajamento alcançado pelo estado de fluxo, ou estado de jogo, induz os jogadores a atingirem seus limites de performance, que é um dos principais objetivos de todo treinador esportivo e também dos jogadores. Sabe-se que tais limites de performance dificilmente são alcançados quando não se está totalmente concentrado na atividade que se realiza. Sendo assim, buscar conhecer como seus atletas atingem o estado de jogo, e fazer com que eles treinem neste estado, é fator importante e que pode potencializar o nível de ganho de performance destes atletas e de sua equipe.

Aguardo seus comentários, até a próxima.

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