O fim do preparador físico no futebol?

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Uma reflexão crítica sobre a visão tradicional da preparação física no futebol no século XXI

Crédito imagem: Felipe Oliveira/Esporte Clube Bahia

Desde que o futebol começou a se estruturar profissionalmente, em meados do século passado, surgiu a necessidade de se desenvolver abordagens mais científicas que dessem sustentação ao trabalho com atletas e equipes pelo mundo afora.

Neste percurso histórico, é inegável o papel ocupado pelo preparador físico em sua evolução, desenvolvendo a pedagogia do esporte e suas metodologias e, assim, qualificando os treinamentos que repercutiram também na qualidade do jogo em várias de suas dimensões.

Com o suporte de áreas específicas e gradativamente mais especializadas das ciências do esporte, tais como a fisiologia, a biomecânica, a nutrição, a bioquímica, entre outras, a preparação física desenvolveu-se de forma extraordinária.

Porém, com o passar do tempo e à luz dessa mesma evolução, outros aspectos – além do “físico” – foram ocupando espaços igualmente relevantes, contribuindo para os processos metodológicos do treinamento, notadamente os aspectos técnico-táticos e, mais recentemente, os mentais, emocionais e socioculturais.

Somado ao esgotamento das abordagens exclusivamente especialistas (mecanicistas, cartesianas) que insistem em separar as inseparáveis “partes física, técnica, tática e psicológica” na preparação de atletas, tudo isso fez com que muitos profissionais, atentos à evolução das ciências do esporte e do conhecimento de forma geral, começassem a fazer revisões substanciais e conceituais de suas práticas.

Hoje em dia, é evidente a busca por novos caminhos que substituam o modelo fragmentado e demasiadamente especialista do treinamento, adotando-se abordagens mais integradas e sistêmicas que contemplem toda a complexidade do treinamento e do jogo, favorecendo uma preparação mais adequada às novas exigências competitivas.

Desta forma, as abordagens tradicionais dos profissionais de preparação física, focando seus conhecimentos científicos quase que exclusivamente na compreensão e desenvolvimento dos aspectos biológicos do rendimento esportivo, expressos em mais força, mais velocidade, mais resistência, entre outras valências físicas ou fisiológicas específicas e complementares, começaram a se esgotar e já não conseguem atender plenamente às demandas que o alto rendimento no futebol (e em outras modalidades) exigem.

Atualmente, o futebol altamente competitivo pede outros conhecimentos, habilidades e, fundamentalmente, atitudes deste novo profissional especialista, não só para o futebol masculino, como também para o emergente futebol feminino. O principal deles refere-se ao entendimento mais ampliado do próprio jogo de futebol, dos aspectos humanos da motricidade esportiva, cuja performance atlética é apenas um de seus elementos, e onde todas as nuances técnico-táticas, mentais, emocionais, culturais e sociais não podem ficar de fora das suas intervenções, por mais específicas que possam parecer.

Portanto faz-se necessário compreender a performance atlética de forma muito mais ampliada do que se fez até aqui. Impõe-se, enfim, um novo olhar, uma nova visão, uma verdadeira mudança de paradigma.

O novo “preparador físico” ou a nova “preparadora física” (não seria o momento de mudar o nome destes profissionais?) devem possuir competências que permitam compreender a complexidade que é desenvolver o atleta e a atleta de forma integral e plena, dentro das características da equipe pela qual trabalha e devidamente balizadas por uma abordagem a mais interdisciplinar (ou transdisciplinar) possível (*).

Afinal, os jogadores e as jogadoras de futebol – condicionados(as) às regras e características do próprio ato de jogar – são seres humanos que se movimentam tendo como pano de fundo um propósito existencial (em que os profissionais se inserem) e que deve dar sentido a tudo que fazem. Este fenômeno precisa ser desvendado por todos os especialistas que trabalham com ele.

Dentro desta nova perspectiva, não se pode entender a preparação de atletas de futebol de forma isolada ou descontextualizada do ambiente onde a prática esportiva se realiza. Saber como se dão as relações do(a) atleta consigo mesmo(a), com seus companheiros(as), com o treinador(a) e sua comissão técnica, com o clube e, em última instância, com a sociedade e cultura em que vive, é fundamental para o resultado esportivo final que se busca em conjunto. Em outras palavras, não se pode mais pensar no específico, desconsiderando-se toda a complexidade que se constitui o(a) atleta em suas relações consigo mesmo(a) e com o mundo em que vive. Este é, talvez, o grande diferencial entre um preparador tradicional especialista e o novo ou nova profissional que começa a surgir; também especialista, mas com uma visão mais ampliada de seu papel diante do(a) atleta e da comissão técnica da qual é parte integrante.

Isto não quer dizer, entretanto, que este novo profissional deva abandonar certas especificidades, inerentes ao seu trabalho voltadas à performance atlética. Mas estas tarefas específicas devem vir sempre acompanhadas de uma abordagem que tenha como pressuposto uma sólida visão sistêmica ou abertura para entender, cada vez mais, toda a riqueza por trás da complexidade esportiva e humana, como também entender, em sua essência, o real significado ou sentido do ato de jogar futebol. Esta não é uma tarefa simples! Exige, sobretudo, muito esforço, com inteligência, maturidade, estudos e pesquisas. E mais: tudo isso devidamente alinhado ao seu próprio propósito de vida!

E se esse profissional não é mais o antigo preparador físico, como denominaríamos esse novo ou nova profissional emergente? Preparador(a) de performance atlética? Educador(a) do movimento? Motricista do esporte? O que você pensa sobre o assunto?

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(*) Se tiver interesse neste assunto, recomendo a leitura do texto “Multi, inter e transdisciplinaridade – Os caminhos da produção do conhecimento no futebol”.

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