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 Fala, Magrão.

Aqui na terra estão jogando futebol. Tem muito pagode, funk ostentação, ostentação e pouco rock and roll. Tem um rol de coisas para lavar. Alguns para levar. Mas até o Chico Buarque não rima mais como antigamente. Caetano canta pouco e fala muito – se a ex-mulher deixar. Tem ação penal de tudo quanto é partido, ops, sigla. Dá pena. Mensalão petralha. Mensalão privateiro. Tem uns termos da turma de lá e de cá de dar medo na medula. Virou Fla-Flu a política. Mas Fla de Peralta. Mas Flu de Itaberá. Sheherazade das 1001 noites retrógradas, Reinaldo dos 1001 posts azedumes, Zé dos 10001 tuítes partidários. Radicais livres demais. Tudo pessoal, piçol, pizzolatos, lobões e carneirinhos patrulheiros do pensamento alheio. Tem para tudo – sem desconto e com dízimo. Dizimando o debate na base do @ mas faz. Disputa para saber quem mensalou menos. Gre-Nal para definir o que é a Venezuela: uma Paris administrada por suecos ou um Haiti governado por Cabul.

Sei que você me explicaria melhor. Ainda que eu não concordasse, ou mesmo entendesse, você daria uns três exemplos, tomaria uns 13 gorós, e estaria tudo melhor. Ao menos na sua visão utópica. Típica. Prática. Ideológica. Visão clínica. Filosófica. Socrática. Democrata.

Fidelíssimo a Fidel. Impregnado de um saudosismo muitas vezes saudável, outras vezes pueril. Quantas vezes discutível ao extremo que tolerava extremismos. Mas sempre tão passional quanto Racional. Tão defensável quanto detestável. Tudo ao mesmo tempo agora.

Justo agora que você precisava estar por aqui. Condenando o condenável ao limite do intragável. Elogiando o elogiável além do limite do Bom Senso F.C. que sempre você teve. Com a coragem que você transbordou, pintou, bordou, bebeu, amou.

O seu braço erguido de luta por aqui foi desvirtuado. Por quem foi preso, pelos que mandam prender e arrebentar. O seu brado retumbante precisava gritar contra os maracanazos anunciados. As arenazas que super fraturam os orçamentos. Os puxadazos dos aeroapertos. Os atrasazos na imobilidade urbana. Os buzinazos nas manifestações pacíficas. Os badernazos dos encapuzados sem vergonha.

Você era umas vozes para pontuar a Copa das Copas, para capar os capos dos capos de suas tribunas ditas de honra. Nos seus arroubos, doutor, você colocaria a língua nas feridas dos que roubam, suturaria os insuportáveis dedos e digitais de pessoas jurídicas de tão fictícias, de pessoas físicas de tão químicas. Nos seus delírios deliciosos você veria coisas que não existem. Mas enxergaria o que está à nossa frente e não temos coragem para ver. E viver.

Há 60 anos você é um artista, como bem definiu o Cachaça, claro, seu amigo. Artista por ser craque que só jogava de costas. Artista por ser médico que nem uma galinha operou. Artista por ser cantor que… bem, não preciso falar, muito menos ouvir.

Artista por ter vivido a vida além da conta. E ter deixado tanta vida para contar. Tanta conta para pagar. E ainda assim ser a voz que nos falta. A voz que precisava falar para colocar as coisas no lugar. Como aquela bola que você jogou no ângulo dos soviéticos – justo você, camarada! Como aquele gol em que você deixou de bumbum no gramado o Zoff do império italiano. Como tantas coisas que a gente viu e não acreditava. Como tantas coisas que você acreditava no Brasil e ainda não vimos.

Vê aí em cima, Magrão, se ainda dá para a gente ver uma Copa do Brasil mais que do mundo. Vê aí de cima se dá para pendurar essa conta também. Estamos precisando.

 

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet

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