O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou na última semana o resultado de uma pesquisa sobre tolerância social à violência contra as mulheres. Segundo o levantamento, 65% dos homens concordam total ou parcialmente com a afirmação: “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”.
A divulgação dos dados gerou enorme repercussão. E na última sexta-feira, depois de tudo isso, o instituto emitiu uma correção: na verdade, “apenas” 26% dos homens assentiram quando questionados sobre a tal afirmação.
“Foi um erro absolutamente bobo na parte mais fácil do processo, que é justamente trocar duas colunas do [programa de computador] Excel”, justificou Sergei Soares, chefe de gabinete da presidência do Ipea, em entrevista ao portal “G1”. “Espero que não [percamos a credibilidade] porque o que um instituto tem é a credibilidade”, continuou.
Polêmica sobre o resultado à parte, o que aconteceu no “caso Ipea” é uma demonstração perfeita do quanto a comunicação tem alcance e do quanto é importante a responsabilidade de quem a dissemina. É um exemplo que entra para uma longa lista de episódios emblemáticos no Brasil – alguém aí se lembra da história da escola Base?
Credibilidade é algo que facilita demais qualquer relação de consumo. No caso de comunicação, é um aspecto com potencial decisivo. Aliás, mais do que isso: é o item a ser vendido.
O advento das redes sociais transformou todo mundo em mídia e deixou isso mais claro. Qualquer um pode produzir e publicar conteúdo, funções que eram anteriormente limitadas a um pequeno grupo de pessoas.
O que diferencia um usuário qualquer de redes sociais de um profissional ou de um veículo de comunicação é justamente a credibilidade. As informações podem ser as mesmas, mas o consumidor da informação paga por algo em que ele pode confiar.
Mas essa não é uma discussão apenas para jornalistas. Entender a relevância da credibilidade é fundamental para qualquer profissional. No esporte, isso pode ter influência determinante em diferentes setores.
Um técnico, por exemplo, depende de credibilidade. Ele precisa que os atletas entendam conceitos e acreditem nisso. Só assim a aplicação será feita de forma consistente durante os jogos.
Não são raros os exemplos em que um atleta discorda do técnico. E durante o jogo, o responsável pela decisão é o atleta. Ainda que o técnico tenha uma visão diferente sobre um aspecto do jogo, a palavra final não é dele.
Credibilidade também é um item fundamental na relação entre os próprios atletas. No futebol, um jogador precisa confiar no que o companheiro pode produzir com ou sem a bola. Esse repertório depende de treinos e jogos anteriores.
A discussão sobre credibilidade está longe de ser pertinente apenas para jornalistas. Confiança, afinal, é o que baliza todas as relações humanas.
Independentemente do resultado e do saldo do evento, é isso que a Copa do Mundo de 2014, que será realizada no Brasil, tem negligenciado até o momento. Trata-se de um evento que já não conta com qualquer resquício de credibilidade.
Isso começa pelas obras: ninguém acredita em prazos ou orçamentos desde que começaram os prazos e orçamentos. Não há como acreditar.
E mesmo depois de inaugurações e estouros colossais nas contas, ninguém acredita no resultado. O estádio Mané Garrincha, em Brasília, tem acabamento ruim, goteiras e necessidade de intervenções antes da Copa. O custo total da arena chegará a R$ 1,9 bilhão.
Os estádios, contudo, ao menos ficarão prontos. É diferente do que acontece, por exemplo, com obras de mobilidade urbana e infraestrutura.
Quando o Brasil foi aclamado como sede da Copa do Mundo – o país articulou politicamente e foi candidato único –, dirigentes responsáveis pela candidatura venderam a ideia de que o evento seria um propulsor de mudanças no país. A pouco mais de dois meses do evento, já é possível dizer que essas mudanças não virão.
A Copa do Mundo tem sido um engodo. E essa percepção dificilmente será alterada pelo evento, ainda que tudo aconteça com perfeição durante o mês de jogos.
No fim, um evento com potencial gigantesco pode ser um golpe na credibilidade do esporte brasileiro. Como a pesquisa do Ipea mostrou, nem toda repercussão é uma boa repercussão.