Pelo portão de desembarque do Aeroporto Afonso Pena, localizado em São José dos Pinhais – cidade satélite de Curitiba – desembarcam diariamente centenas e centenas de pessoas. Passam pelas portas que se abrem automaticamente, graças a alguns sensores de movimento, trabalhadores em busca de rápida hospedagem na capital paranaense, jovens estudantes retornando das mais diversas partes do país e do mundo, e outros indivíduos indo visitar algum parente ou conhecido, ou então para tratar de algum assunto que bem lhe caiba. À espera de todos esses, estão lá os motoristas de empresas segurando suas pequenas placas ou folhas de papel em que se lê o nome de algum desconhecido, as famílias aos prantos carregando balões, flores e faixas de boas vindas, e os parentes e/ou amigos saudosos em reencontrar velhos companheiros.
Nessa quarta-feira, porém, algumas coisas estavam um pouco diferentes. O cenário continuava igual: o mesmo aeroporto, a mesma porta automática com os mesmos sensores, e a mesma idéia de pessoas estarem esperando por outras pessoas. Mas essas pessoas eram diferentes. Os trabalhadores pertenciam a uma superclasse profissional, a de jogadores de futebol. E as pessoas saudosas também pertenciam à outra escala de qualificação. Primeiro porque elas eram torcedores, e depois porque elas não estavam tão saudosas assim.
Um pouco antes da equipe do Coritiba desembarcar no Aeroporto Afonso Pena, a torcida já se aglomerava em frente ao portão de desembarque, com a excitação típica daqueles que aguardam ansiosamente o retorno de alguém. As faixas e cartazes, tão comuns a essa área, faziam-se presente. Porém, ao invés de mensagens de boas-vindas, podia-se ler em uma delas “Nosso time é pior que o Tabajara”. Não é exatamente o tom hospitaleiro que se espera de pessoas que aguardam saudosamente por alguém. O mesmo tom não hospitaleiro que se ouvia quando a torcida gritava o bastante famoso “Vergonha, vergonha, time sem vergonha”.
Assim que as portas com sensor de movimento se abriram e os jogadores do Coritiba apareceram, começaram os protestos da torcida. De repente, o aeroporto – um dos maiores símbolos de modernidade de uma cidade – virou cenário de uma peleja medieval. De um lado, torcedores organizados. De outro, jogadores e dirigentes de uma equipe de futebol profissional. No meio, nada. Por ordem, aconteceram os gritos, as provocações, os pedidos, os gritos, as provocações, os pedidos, os gritos, as provocações, os gritos, os gritos, as provocações e as provocações. Aí veio a primeira porrada. Depois, várias outras. Alguns pontapés. Uma lixeira voando. Alguns pedaços do aeroporto também voando. Por fim, caos. Que só teve fim quando os jogadores de futebol – profissional, vale sempre lembrar – recuaram e o sensor de movimento não sentiu mais nenhum movimento e fechou o portão de desembarque. Ninguém foi preso, nem advertido, nem nada.
Era um problema que estava anunciado. No dia anterior, era possível ler no site de uma torcida que “Grupos de torcedores do Coritiba estão se organizando para receber a delegação que viaja na manhã desta quarta-feira de Fortaleza rumo a Curitiba”. Não precisa ser vidente pra antever que essa recepção não seria das mais afetuosas. Deu no que deu.
Mais uma vez o futebol brasileiro voltou a flertar com o perigo, no antigo, longínquo e velho conflito entre a torcida organizada e os jogadores de futebol. Parecem, em casos como esses, duas gangues adversárias. Difícil acreditar que as ambas as partes tão freqüentemente conflituosas estão supostamente trabalhando por um bem comum. Há algo de muito errado nisso tudo, e não me parece que algo vai mudar num futuro próximo.
Sempre digo que uma grande tragédia está à espera do futebol brasileiro. Cada vez mais tenho certeza disso. Infelizmente, parece que as coisas só mudarão quando ela acontecer. E, tenha certeza, essa espera causará danos muito maiores do que a espera das torcidas organizadas nos aeroportos.
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