No século XVIII, um corregedor de Viseu dizia para o sábio Linck, em digressão pelo nosso País: “Portugal é pequenino, mas é um torrão de açúcar”. No entanto, porque a inovação supõe estudo e trabalho, não nos podemos contentar unicamente com o que é doce, com o que é blandífluo(3) ao paladar. Assim como “assistimos a uma mudança socioeconômica radical, materializada na formação da nova Sociedade da Informação cujo cerne é uma economia baseada no conhecimento”, assim também o futebol há de fundamentar a sua prática num conhecimento atualizado.
Não sei se alguns treinadores se consideravam profundamente lisonjeados quando alguns atrevidos chamavam ao futebol uma “ciência oculta”. É que, na realidade, ele era mesmo uma “ciência oculta” para os que tentavam praticá-lo, quer como atletas, quer como treinadores. Perguntas há que ninguém no futebol fazia. Como esta: o desporto tem, predominantemente, a ver com as ciências da natureza, ou as com as ciências lógico-formais, ou com as ciências humanas?
E porque a questão não se levantava a metodologia, usada nos treinos, estava profundamente errada. Comecei então a lecionar nas minhas aulas e a escrever nos meus livros que o desporto, só à luz das ciências humanas, poder-se-ia estudar e entender.
Não fazia sentido que, no desporto, o atleta fosse um singelo títere, nas mãos do treinador onipotente que o pretendia transformar numa simples máquina. E dizia (e escrevia) mesmo: o desporto não é uma “atividade física”, mas uma “atividade humana”. E tornava mais explícita a minha prosa, acrescentando: e também não há “educação física”, mas “educação de pessoas em movimento intencional”.
Com isso, discordava abertamente do chamado “treino analítico”, que separava o treino físico do treino técnico e tático e psicológico. E aconselhava os alunos à criação de exercícios onde a complexidade humana estivesse presente. Tudo isso se passou, há trinta anos!
No livro de Luís Lourenço e Fernando Ilharco, Liderança: as lições de Mourinho (p. 88) dá-se a conhecer o que eu ensinava (há trinta anos, repete-se) aos meus alunos:
Não basta estudar para ser a pessoa certa para um lugar incerto (o lugar de treinador de futebol): precisas são outras “virtudes” que não se aprendem nos bancos da Universidade.
Eu tenho autoridade para escrever o que escrevi, porque me considero um universitário que muito aprendeu com alguns homens do futebol.
*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.
Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Cam
pus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.