Não, senhores, não tenho essas respostas a vocês. Eu mesmo, neste ano, já utilizei 4 diferentes plataformas de jogo (termo mais utilizado por estudiosos do futebol em detrimento ao popular “sistema/esquema tático”), mas é claro, de forma proposital afim de mostrar algo aos atletas… Vamos refletir um pouco sobre o assunto.
É de praxe que algumas plataformas de jogo sejam estigmatizadas e reduzidas a uma ou outra característica de jogo, muito em função das abordagens, sobre este assunto, feitas por formadores de opinião do futebol brasileiro. Provavelmente você já deve ter ouvido, ou lido, algumas das seguintes “verdades”:
– “Esquema com três zagueiros é muito defensivo. ”
– “Coloca três atacantes para a equipe ficar mais ofensiva. ”
– “Com 5 jogadores na linha de meio, sua equipe domina o meio de campo. ”
– “Defender com 2 linhas de 4 é a melhor opção. ”
Além destas, devem existir outras verdades seguindo a mesma linha de raciocínio e, infelizmente, ao se corroborar com tais ideias, acabamos por engessar e minimizar um pouco jogadores e equipes. Uma equipe e/ou um jogador é muito mais que uma forma geométrica disposta no campo.
É claro que a plataforma de jogo de uma equipe é um norte para os jogadores, facilita a compreensão da sua principal área de atuação no campo, a de seus companheiros, e também as tomadas de decisão durante o jogo. Além disso, pensando na formação de jogadores na base, ela é também uma boa ferramenta pedagógica. A plataforma de jogo é componente importantíssimo de uma equipe, porém, não é ela quem determina seu comportamento no jogo.
Pep Guardiola, um dos treinadores mais vitoriosos da atualidade e de notório reconhecimento por sempre, na construção do jogo de suas equipes, priorizar um futebol ofensivo, consagrou-se no Barcelona utilizando muitas vezes uma plataforma com somente 3 jogadores na primeira linha da equipe, fato que repetiu no Bayern de Munique. Além disso, não compôs esta linha por zagueiros, o que seria o procedimento usual, mas sim por laterais e volantes, utilizou jogadores com características mais ofensivas e manteve a vocação ao ataque de sua equipe. Em nenhum momento, usar uma plataforma com 3 jogadores alterou o comportamento agressivo de suas equipes.
No Brasil, com menores recursos financeiros e cobertura midiática, Fernando Diniz no Audax, também se utiliza da mesma ferramenta de Guardiola: poucos jogadores em sua primeira linha defensiva e sem zagueiros de origem. Não por acaso, na grande maioria de seus jogos, a equipe de Osasco obtém maior posse de bola e finalizações ao alvo adversário. Mesmos índices que Guardiola alcança com suas equipes.
Estes exemplos desmistificam um pouco a ideia de que a plataforma é o fator determinante à característica de jogo de uma equipe. Muito mais que a disposição dos jogadores em campo, são suas atitudes e comportamentos durante o jogo que determinam a principal intenção da equipe, seja um jogo mais defensivo explorando os contra-ataques ou um jogo de proposição através da posse de bola. Estas estratégias ficarão evidentes por aquilo que os jogadores realizarem no campo e não pela plataforma de jogo.
Com os grandes avanços no campo da análise de desempenho, é possível visualizar a principal área de atuação de um jogador dentro de campo e em qual região do campo este jogador esteve mais atuante. Estes dados têm mostrado uma disposição dos jogadores no campo bem diferente da plataforma inicial. Vejamos alguns exemplos destes dados captados pela Opta:
Após o apito inicial do árbitro, a plataforma inicial da equipe rapidamente vai se alterando, se ajustando para responder aos problemas emergentes do jogo e a intenção da equipe para com a partida. Rinus Michels imortalizou a seleção Holandesa na Copa de 1974, realizada na Alemanha Ocidental, quando seus jogadores não possuíam posições fixas no campo, uma tremenda revolução tática para época (e talvez até atualmente) que gerou muita confusão nos adversários e repercute até hoje. Infelizmente (na opinião deste que vos escreve), esta equipe não se consagrou campeã, mas o que realizou, contribuiu (e contribui) para a constante transformação do jogo.
A lendária seleção brasileira de 1982, comandada por Telê Santana, é outro exemplo de equipe que transcendia o pragmático 1-4-4-2 (em quadrado), sua plataforma inicial. A constante movimentação dos seus jogadores de meio-campo, em nada condizia com um sistema que engessaria seus dois volantes.
Sem querer levantar a bandeira sobre essa ou aquela forma de jogar, a intenção deste texto é refletir um pouco sobre a relação de uma plataforma de jogo com o comportamento da equipe na partida. A plataforma dá indícios, porém, a equipe irá sempre se comportar de acordo com as características de seus jogadores aliadas às ideias de jogo do treinador. Essa fusão irá direcionar a forma de jogar da equipe e, consequentemente, de que maneira, efetivamente, esta irá ocupar os espaços do campo. Lembrando que o grande instrumento para se operacionalizar tudo isso é o treino.
A frase de Rinus Michel, sobre a Holanda de 1974, resume o que é mais importante para uma equipe:
“Trabalhei com eles durante três meses. Eu os motivei e passei a forma básica do funcionamento da equipe, baseada no conceito de ocupar todo o campo, ganhando a bola do rival mais próximo da trave dele, produzindo rapidamente o ataque com os homens necessários, sem distinguir o número da camiseta, e logicamente, fazendo as mudanças necessárias. O bom foi que os jogadores entenderam, convenceram-se e conseguiram os resultados. Vocês, os jornalistas, depois definiram isso tudo como ‘futebol total’”. (Futebol em Frases 1001 – Cláudio Dienstmann)