O mapa do futebol mundial poderá passar por grandes transformações nos próximos anos. Inevitavelmente, a discussão sobre a qualidade do futebol ainda fica restrita aos sul-americanos, com os seus grandes talentos individuais, e aos europeus ocidentais, com os seus organizados e bem-sucedidos campeonatos.
O que temos visto nesses últimos anos é o crescimento exponencial em mercados com pouca tradição que ainda não conseguimos afirmar se realmente irão prosperar ou se tornarão mais uma promessa não concretizada. Temos exemplos históricos de países que tentaram criar ligas promissoras e multimilionárias, mas que não conseguiram avançar. Citando de forma rápida, vimos a expansão da J-League no Japão durante a década de 90, porém sem conquistar o sucesso global esperado. Também tivemos casos isolados no Oriente Médio, com a contratação de grandes jogadores e treinadores por verdadeiras fortunas, porém sem uma efetiva organização coletiva. E os EUA, na década de 70, quando lendas como Pelé, Eusébio, Muller, Beckenbauer e Cruyff tentaram popularizar o esporte por lá.
O texto de hoje e da próxima semana tratarão do futebol atual nas duas maiores potências econômicas do mundo: China e Estados Unidos. Será que esses países conseguirão fincar suas bandeiras no mundo do futebol, com o mesmo nível de excelência organizacional que vemos em países como Inglaterra, Espanha e Alemanha? O que sabemos é que são dois modelos bem distintos um do outro e que valem a pena ser analisados.
Começaremos com a China…
Em meados da década de 90, a China começou a importar jogadores para a sua liga local, porém de uma maneira bastante modesta. Jogadores desconhecidos foram desbravar esse novo mercado com a esperança de conquistar a sua independência financeira. Nessa época, alguns brasileiros se aventuraram por lá em troca de contratos anuais em torno de US$ 100 mil. Como base comparativa, esse valor é o que o argentino Carlos Tevez receberá por dia em sua conta pelo contrato assinado em dezembro com Shangai Greenland Shenhua. Para atuar no clube por duas temporadas, receberá o estratosférico valor de US$ 240 milhões, tornando-se o maior salário do futebol mundial, à frente dos dois maiores astros do planeta, Cristiano Ronaldo e Lionel Messi.
Esse recorde parece que terá prazo curto para ser quebrado, pois a cada dia especula-se uma nova investida. Nas últimas semanas, notícias sobre propostas a estrelas do futebol mundial movimentaram o mercado. Um clube chinês teria feito uma proposta de € 300 milhões ao Real Madrid por Cristiano Ronaldo, com o pagamento de salário de € 100 milhões por ano ao jogador. Lionel Messi também teve seu nome citado como pretendido pelo clube Hebei Fortune para receber valores similares aos oferecidos a Cristiano Ronaldo. Também há sondagens para jogadores como Robert Lewandowski, Alexis Sanchez, Pepe, Arda Turan e Edinson Cavani que se equiparam aos valores hoje pagos a Tevez. Sem contar outros nomes que também já estavam na China ou chegaram agora com salários maiores aos pagos pelo mercado europeu, como os brasileiros Oscar, Hulk, Ramires e Alex Teixeira, o argentino Lavezzi, o belga Witsel e o italiano Graziano Pelle.
Esse potencial de investimento só é possível graças a dois fatores fundamentais: (1) o apoio do governo chinês, liderado pelo presidente Xi Jinping, que sonha em transformar o país em uma potência do futebol mundial até 2050; (2) e o investimento de empresas chinesas gigantescas, muitas delas diretamente ligadas ao Estado, que possibilitam a contratação de grandes estrelas, a construção da infraestrutura necessária e a criação de programas para a formação de jogadores e promoção do futebol pelo país.
Há um dilema bastante interessante e que merece total cuidado nessa empreitada chinesa. Hoje há um limite para a contratação de no máximo 5 jogadores estrangeiros por equipe, sendo que 4 podem atuar como titulares em cada jogo. Dessa forma, a Super Liga Chinesa quer garantir que, a presença de grandes estrelas do futebol mundial, possibilitem o desenvolvimento técnico dos jogadores chineses e estimule o interesse dos jovens que sonhem um dia ser um desses ídolos. Essa limitação impacta na qualidade técnica dos jogos nesse primeiro momento, portanto o modelo precisa ser entendido por todos como algo que conquistará resultados concretos a médio prazo. Mesmo assim, os resultados parecem satisfatórios. A média de público do campeonato chinês já é a 6ª do mundo, com média acima de 22 mil pessoas por jogo, à frente do Campeonato Brasileiro. A tendência é que esses números cresçam bastante nos próximos anos com a chegada de novas estrelas e com a construção de estádios modernos.
A política adotada pelo governo é tão agressiva que o futebol passou a ser parte do currículo escolar obrigatório. Em 5 anos, pretende-se alcançar 8 milhões de crianças que pratiquem futebol regularmente, contra 50 mil que praticavam em 2015. O modelo a ser seguido tem como base o que foi adotado pelo país para tornar-se uma potência nos esportes olímpicos. Em 1988, o país conquistou 4 medalhas de ouro e, em 2008, sediaram os Jogos em Pequim e conquistaram 100 medalhas, sendo 51 de ouro, desbancando os Estados Unidos da liderança.
O sonho chinês pode sim tornar-se realidade. O país possui a maior população do mundo capaz de fabricar bons jogadores e conquistar fãs, tem um poder de investimento elevado e apoio incondicional do governo local. Para que não se torne um pesadelo, é preciso muito cuidado com a inflação gerada na contratação de jogadores, pois se hoje as propostas já assustam o mercado, não temos ainda parâmetros para saber onde estará esse perigoso limite.
O texto da próxima semana falará sobre o plano de expansão do futebol nos EUA e da Major League Soccer.