Olá, caro leitor! Após um período de férias, de maior dedicação do tempo à família e também de capacitação (curso da Licença B da CBF), retorno a este espaço para que sigamos trocando ideias e evoluindo, sempre no intuito de ampliar e contribuir com a “transformação pelo conhecimento”.
Neste período ausente dos treinos, pude ficar um pouco mais atento às notícias do mundo da bola nos diversos formatos de mídia, tive um pouco mais de tempo para assistir jogos, conversar com outros profissionais e, em especial, no curso da CBF, discutir métodos de treino… E nesse tempo, a partir destas vivências, um questionamento ganhou mais força em mim: o Brasil continua mesmo sendo o país do futebol arte?
O futebol tupiniquim é mundialmente reconhecido pela sua forma alegre, bonita, agradável e ofensiva de se jogar. Didi, Garrincha, Pelé, Zico, Romário, Ronaldo, Ronaldinho, Robinho, Neymar, entre tantos outros jogadores brasileiros são idolatrados por seus belos dribles e gols. Seleções como as de 70 e 82, as duplas Romário e Bebeto e “Ro-Ro”, o “quadrado mágico”, equipes como o Flamengo de 81, o São Paulo de Telê, o Santos de tantos anos e jogadores… As lembranças que essas equipes e atletas remontam são de um futebol vistoso, ofensivo, de muitos dribles e gols. Características marcantes de nossa forma de jogar e que também sempre encantaram o torcedor brasileiro.
Dentro destas experiências que tive em minhas férias, pude notar um forte pensamento que desassocia o “jogar bonito” do resultado, o que percebi é que muitos entendem que estas coisas são antagônicas e, se não declaram isso, a expressão de suas ideias de jogo/treino traduz isso. Será mesmo que para vencer é necessário abdicar de jogar? De buscar um jogo ofensivo, bonito, que condiz com a história de nosso país no futebol?
Infelizmente, em contraponto a nossa cultura e história de um futebol arte, existe também, a cultura do resultado, parece que só é bom aquele que vence. As análises são pautadas principalmente nos placares dos jogos, se fulano venceu faz um bom trabalho, se perdeu, não faz. A análise é muito rasa, com parâmetros que pouco traduzem a qualidade do futebol apresentado (falei um pouco disso na coluna: O que são “bons resultados”?) e que, muitas vezes, não vão de encontro à cultura do futebol brasileiro.
Recentemente, pude acompanhar duras críticas à equipe do Audax (equipe da primeira divisão paulista), que ganhou notoriedade por sua característica de priorizar um futebol ofensivo, buscando envolver o adversário através das constantes trocas de passes e movimentações de seus jogadores. Após a boa campanha na série A1 do Paulista de 2016, a equipe não obteve os mesmos resultados representando o Oeste de Itápolis na série B do Brasileiro (em parceria com o Oeste de Itápolis, comissão e jogadores do Audax disputaram a competição), além disso, está tendo dificuldades no início do Paulista deste ano e foram eliminados da Copa do Brasil. Porém acompanhando alguns jogos da equipe, tanto na série B do ano passado, como no Paulista deste ano, percebe-se que a ideia de jogo ofensivo permanece. Nesta semana, acompanhei a partida entre Brusque e Corinthians pela Copa do Brasil, tive a feliz surpresa de ver a modesta equipe catarinense com uma proposta de jogo ofensiva, buscando construir as jogadas por meio de um jogo apoiado e criando muitas situações de risco para a equipe do Corinthians.
Duas equipes com orçamentos modestos, de pouca expressão no cenário nacional, mas que não se acomodam em um jogo de “fechadinho e contra”, que buscam agredir o adversário, que buscam o objetivo máximo do jogo (o gol!) de forma prioritária. Os mais ávidos por analisar placares, rapidamente irão dizer: “fizeram isso e perderam”. Concordo, porém, inúmeras equipes que optam em se defender prioritariamente, também perdem! Futebol não é uma conta exata: “faça isso e vença”, “não faça e perca”; os fatores que determinam o placar do jogo são muitos e também extrapolam as quatro linhas, não é tão simples de se mensurar.
Sendo assim, por que se escolhe um jogo menos condizente com nossa cultura, pobre ofensivamente, ao invés de um jogo que tenha a busca pelo gol como prioridade, que possua maior harmonia com a nossa cultura de futebol?
“É mais fácil destruir que construir.”
Esse provérbio português diz uma grande verdade. Um prédio pode levar meses, até anos para ser construído, são necessárias pessoas altamente capacitadas para levantá-lo, mas em questão de segundos, e por alguém simplesmente mal intencionado, pode ser colocado abaixo. Construir uma equipe que pratique o nosso futebol arte, que priorize um jogo ofensivo, um jogo que encha os olhos do torcedor brasileiro, requer conhecimento, tempo e muito trabalho, e claro, bons jogadores também (mas diferente do que muitos pensam, não só eles, são inúmeras as experiências de times que possuíam excelentes jogadores em seus elencos e mesmo assim nada conquistaram), mas será que essa cultura de se analisar somente os placares dos jogos está contribuindo ou indo contra a história do futebol brasileiro?
Não estou aqui buscando uma utopia! É claro que vencer se faz necessário! As vitórias são muito importantes! Também é o que os torcedores, dirigentes, jogadores e comunidade do futebol busca. Mas por que buscam desassociar a ideia de jogar um futebol bonito da ideia de jogar um futebol competitivo e vencedor? Por que querem colocar estas ideias em lados opostos?
Será que na ânsia por placares positivos, na errônea e simplista associação de placar com qualidade, não se começou a dar muito mais ênfase em destruir do que construir? Vejo equipes bem estruturadas, compactas, linhas de marcação bem definidas, engajamento defensivo de todos, e tudo isso é muito bom! Porém, quando precisam propor o jogo, não possuem uma ideia definida, não há a participação efetiva de todos, e ficam à mercê de lampejos individuais de seus jogadores. Por que não pode haver um equilíbrio maior nisso?
Por que, sendo brasileiros e conhecendo nosso histórico, não ousar mais em atacar? Será que essa cultura de se analisar somente placares não vem minando nosso histórico de grandes jogadores, equipes memoráveis, dos artistas da bola? Todos os anos a FIFA realiza um evento onde premia os melhores do mundo do futebol (não necessariamente os que venceram mais) e uma das premiações vai para a seleção dos 11 melhores jogadores em cada posição, estes são eleitos por treinadores, jogadores e jornalistas. Nos últimos dez anos tivemos somente 3 jogadores de ataque eleitos, Ronaldinho Gaúcho, Kaká e Neymar, e passamos um período de 6 anos sem nenhum jogador de ataque sendo eleito. Será que não estamos deixando um pouco de lado a nossa cultura de futebol arte? E já aqui refutei o argumento de que não tenhamos mais tão bons jogadores como antes (falei sobre isso na coluna “Crise técnica do futebol brasileiro”).
Caro leitor, não estou aqui dizendo que devamos ser todos irresponsáveis, esquecer de se defender e somente atacar, não é isso. Mas meu questionamento é: quanto nossas equipes têm evoluído ofensivamente? É notória nossa evolução defensiva, mas será que não temos perdido o protagonismo ofensivo que historicamente sempre foi nosso?
Aguardo sua opinião. Até a próxima!