Jogadores do Atlético-PR usavam camisetas amarelas no último sábado (06), quando entraram em campo para enfrentar o América-MG pelo Campeonato Brasileiro. Na véspera das eleições presidenciais do Brasil, as peças colocadas sobre o uniforme rubro-negro chamavam atenção por duas razões: o protesto silencioso do zagueiro Paulo André, que preferiu vestir um agasalho preto, e a estampa com a hashtag “vamos todos juntos por amor ao Brasil”, utilizada horas antes por Mario Celso Petraglia, presidente do conselho deliberativo do clube, ao anunciar em uma rede social que apoiaria o candidato Jair Bolsonaro (PSL).
O post de Petraglia, mais assertivo, havia incluído o nome do presidenciável. Na Arena da Baixada, além da camiseta dos jogadores, uma faixa tradicionalmente estendida nas arquibancadas foi editada para substituir “Vamos todos juntos por amor ao Furacão” por “Vamos todos juntos por amor ao Brasil”.
A manifestação política do Atlético-PR foi relatada na súmula por Raphael Claus (Fifa-SP), árbitro do jogo contra o América-MG. E ainda que o CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) não tenha dispositivos que contemplem exatamente o exemplo de sábado, a procuradoria do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) poderia abrir investigação alegando “caso especial”. Em episódios mais explícitos, até o comitê disciplinar da Fifa poderia avaliar por conta própria e definir sanções.
A despeito da discussão jurídica e de ambos poderem virar assunto para os tribunais, há diferenças fundamentais entre o episódio e o caso do volante Felipe Melo, jogador do Palmeiras, que aproveitou um gol marcado contra o Bahia em 16 de setembro para reforçar, em entrevista à “TV Globo”, apoio ao mesmo candidato. E o ponto basilar da divergência é justamente uma questão de comunicação.
Felipe Melo, pessoa física, pode apoiar o candidato que preferir. Pode até, como personalidade e potencial formador de opinião, aproveitar sua condição privilegiada para fazer campanha e auxiliar pessoas a tomarem decisões. O que ele não pode, na posição que ocupa atualmente, é aproveitar o palanque fornecido por seu empregador e estabelecer vínculos que o Palmeiras não necessariamente defende.
Esqueçam quem é o candidato. A questão, nesse ponto específico, é que o Palmeiras não fez qualquer aceno nessa direção, mas um jogador colocou a equipe no centro de uma discussão política ao expor sua posição individual num momento em que estava trabalhando e vestindo as cores do time.
O advento das redes sociais subverteu consideravelmente a lógica da produção de conteúdo e transformou as pessoas em canais independentes poderosos. O que Neymar diz em suas redes sociais, por exemplo, tem capilaridade em âmbito internacional, algo que outrora seria possível apenas com uso massivo da televisão aberta e que décadas antes simplesmente não acontecia.
Todo posicionamento de personalidades públicas, contudo, carrega consigo as marcas associadas a elas. É por isso que foi tão significativo quando a cantora Pablo Vittar decidiu romper com a marca de sapatos Victor Vicenzza, apoiadora de Bolsonaro, e esse é o mesmo motivo de a comunidade LGBTQ+ cobrar de Anitta uma manifestação de repúdio a posicionamentos e comportamentos do candidato do PSL.
Acontece que Pablo e Anitta são seus próprios empregadores. Felipe Melo pode até dispor de canais e ferramentas independentes, mas no fim responde ao Palmeiras, clube que banca seus salários. Por isso houve uma preocupação tão grande do Tottenham (Inglaterra) quando o brasileiro Lucas Moura, que defende a equipe, declarou apoio a Bolsonaro.
A situação do Atlético-PR é diferente porque partiu de um dirigente. Por lá aconteceu o inverso: a manifestação de Paulo André foi justamente não aceitar a campanha proposta pela equipe.
Nenhum funcionário de empresa é obrigado a participar de campanhas ou manifestações com viés político. No entanto, o inverso nem sempre é verdadeiro: companhias não precisam avalizar qualquer comportamento ou direcionamento público de seus empregados.
Nesse caso, a condução do processo é muito mais simples quando a entidade sabe quem é, se posiciona e explica isso a seus funcionários. Toda marca carrega valores, e entender quais são esses conceitos é parte fundamental da construção de qualquer produto.
Por isso a condução do Tottenham foi mais simples e mais direta. O clube tem ideais e raízes que não condizem com o que Bolsonaro defende, e a manifestação de Lucas foi suficiente para a criação de um grupo de blindagem.
O Atlético-PR pode até não concordar institucionalmente com a manifestação de sábado, mas há um peso diferente quando isso parte do clube. Aí a resposta é diretamente para a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) – seria para uma liga se o futebol brasileiro tivesse fóruns adequados.
A questão é que o futebol brasileiro não trabalha com valores de base. É difícil saber o que pensam e o que defendem os clubes ou as instituições responsáveis pelo esporte em âmbito nacional. Isso apenas reforça o canal direto estabelecido pelos jogadores, cada vez mais dominantes no uso das próprias redes.
Hoje a discussão é sobre política, mas amanhã podem ser outros valores. Um jogador pode defender qualquer tipo de absurdo (qualquer um pode) ou atacar conceitos defendidos por patrocinadores, por exemplo. Pode gerar insatisfação de parte da torcida ou debelar o capital político de uma equipe ao fazer posts ou manifestações sem pensar no todo.
As redes sociais estabeleceram o conceito de que a mídia pode ser um canal totalmente individual, mas a verdade é que somos ilhas bem menores do que algumas pessoas pensam. E que muitas vezes, escolher um lado é também fechar os olhos para o outro.
Não defendo com isso a ausência de posicionamento. Não defendo o centro ou a falta de compromisso. O que eu defendo apenas é que posições individuais sejam individuais e que não se valham de marcas com valores que não são necessariamente os das pessoas.
O Palmeiras pode ser pró-Bolsonaro ou pode ser contra Bosonaro. O Palmeiras só não pode ser obrigado a escolher um lado por causa de uma manifestação de um de seus jogadores. No mundo ideal, faria isso como instituição e caminharia de acordo com suas crenças. No mundo real, tem o direito de temer a polarização e o risco de isso ameaçar o único consumidor que realmente não abandona suas marcas.