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Por todas as suas sutilezas e a subjetividade existente em um jogo de futebol, já era de se esperar que o uso da tecnologia não tenha conseguido eliminar nem todos os erros, e muito menos as controvérsias que envolvem a arbitragem. Porém, quando o assunto é o impedimento, a expectativa até era um pouco maior, pois em teoria, a posição habilitada ou não de um atacante não deixa margem para interpretação, ele está ou não impedido. A experiência, por outro lado, tem mostrado que até nesses casos as polêmicas ainda persistem. Isso acontece porque, mesmo com a tecnologia, o processo ainda traz margens para imprecisões, fazendo com que lances milimétricos ainda estejam sujeitos a erros, como em alguns casos que temos observado desde a implementação do VAR para lances de impedimento. Para entender como se dá a aplicação da tecnologia utilizada na definição dos impedimentos nas partidas, vamos voltar algumas casas e começar pelo conceito da posição de impedimento. Um jogador se encontra em posição de impedimento quando está mais próximo da linha de fundo do que o penúltimo defensor da equipe adversária. Como na figura abaixo.

Como é possível observar, a posição ou não de impedimento de um atacante é definida de forma bastante objetiva, de acordo com a posição do 2º defensor mais próximo da linha de fundo, mas existem alguns detalhes que acabam complicando bastante essa definição mesmo com a ajuda da tecnologia disponível atualmente.

A primeira questão são as partes do corpo. Para definir a linha que habilita ou não o atacante a jogar, a parte do corpo do defensor que é levada em consideração é aquela que está mais próxima da linha de fundo e que pode ser utilizada para tocar na bola, ou seja, mãos e braços não contam, mas ombros sim. A mesma ideia serve para definir a posição, ou linha, do atacante. Ou seja, a linha, da primeira imagem, acaba sendo muitas vezes, na verdade, um plano.

Qualquer parte do corpo do atacante que possa fazer gols e que esteja tocando na zona avermelhada caracteriza sua posição de impedimento. Se já não é tão fácil compreender e identificar tal situação em uma imagem congelada, a dificuldade é muito maior com o movimento dos jogadores.

Aqui já temos uma dificuldade bastante considerável pois definir esse plano que se origina do corpo de defensor em uma situação real de jogo não é uma tarefa simples. Para isso é necessária uma tecnologia capaz de gerar essas projeções em todo o campo de jogo, a partir das imagens disponibilizadas pelas câmeras que alimentam o sistema.

Testes do sistema de projeção que seria implantado na Copa do Mundo de 2018 e, posteriormente em outras competições. Créditos: FIFA/Reprodução.

Como é possível observar na imagem acima, a definição da linha do defensor, e também do atacante, dependem de onde é posicionado o ponto de referência para a projeção – a cruz azul na figura. Nesse processo temos margem para imprecisões, já que a definição do ponto de referência é feita por um ser humano. Imagine em um lance no qual a parte do corpo do defensor, do atacante, ou dos dois, que está mais próxima da linha de fundo é o ombro, como definir onde termina o ombro e começa o braço? Dois ou três pixels para um lado ou para o outro podem determinar a posição legal ou não de um atacante?

Por outro lado, também vale destacar como o uso dessas projeções ajuda a elucidar lances nos quais a primeira impressão pode ser enganosa. No exemplo abaixo temos a reprodução de um lance utilizado para explicar o funcionamento das projeções, note como na primeira imagem a impressão que fica é a de posição de impedimento do atacante, de branco.

Porém, se observarmos o mesmo lance por outro ângulo, como na imagem a seguir, é possível perceber que o pé de um dos defensores dá condição de jogo ao atacante.

O uso da projeção permite que tais situações sejam verificadas com precisão, o que depende da escolha correta das partes do corpo do atacante e defensor que serão usadas para a análise por parte de quem opera o VAR.

Crédito: CBF/Reprodução

Complexo, não? E estamos ainda falando do lance parado! No jogo o atacante que em um instante estava impedido, no centésimo seguinte pode não estar, e vice-versa, e aí entra a decisão humana de novo para definir o momento exato no qual o lance será congelado e a posição de impedimento será verificada. A regra determina que o momento exato que deve ser usado para definir a posição de impedimento é o do primeiro “frame” – os quadros do vídeo – no qual há o contato do passador com a bola. Dependendo da escolha do “frame” as posições de defensores e atacantes podem trazer resultados distintos em relação ao veredito do impedimento.

O frame faz toda a diferença. Se a imagem escolhida na cabine do VAR é a primeira, o atacante está em posição legal, já no segundo momento a posição é de impedimento. Segundo a regra, a primeira situação é a que deve ser considerada para a definição do impedimento.

A escolha do frame também é realizada por seres humanos e dependendo do momento, do frame, utilizado para a verificação da posição de impedimento, o atacante pode estar ou não habilitado.

Atualmente, mesmo nos lances mais objetivos de impedimento, sem nem considerarmos todos aqueles nos quais entra em cena a interpretação da participação ou não no lance, as bolas rebatidas e situações similares, ainda há muita margem para imprecisão, e os lances milimétricos, ou ajustados, na linguagem da arbitragem, vão continuar a ser a origem de muita controvérsia se depender da tecnologia disponível.

Nesse sentido, é importante conhecermos os detalhes de funcionamento das tecnologias de revisão dos lances para não alimentarmos falsas teorias da conspiração e entender que a tecnologia irá evoluir simultaneamente às necessidades do jogo, que tenderá, cada vez mais a exigir precisão milimétrica e “milesimal” na avaliação das posições de impedimento.

*Colaborou Renata Ruel, ex árbitra de futebol do quadro de futebol da FPF e CBF, e comentarista de arbitragem.  

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