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Crédito imagem – Jogos estudantis da Bahia/Divulgação

O futebol é, desde cedo e para sempre, um momento esperado para mim. Quando criança, sempre buscava oportunidades para jogar bola. Enquanto adulto, da mesma forma, embora seja mais difícil incluí-lo na minha rotina. Contudo, também espero atentamente os jogos da semana para projetar naqueles jogadores e jogadoras o prazer que eu tinha – e ainda tenho – em jogar futebol. De onde será que veio essa paixão pelo futebol? O que tem nessa modalidade esportiva que me atrai tanto? Essas reflexões me ocorreram por algum tempo, por isso decidi escrever sobre este tema.

Você já se perguntou, se for esse o seu caso, como aprendeu a gostar de futebol? Como foram as suas experiências para que você tivesse o sentimento que tem, jogando ou assistindo a esse esporte? Vou contar um pouco sobre o que se passou comigo nesse sentido para depois refletirmos juntos.  

O futebol sempre esteve presente na minha vida. Meu pai, apaixonado por futebol, me incentivou desde cedo com experiências relacionadas a esse jogo, seja com nosso time do coração, seja brincando juntos, me levando a escolas de futebol etc. Desde que nasci o futebol foi uma constante para mim. De maneira tão forte que minha primeira palavra, segundo contam meus pais, foi o nome de um jogador do meu time daquela época. Entre tantas experiências, uma das primeiras e principais coisas que me encantaram no futebol, certamente, foi a bola. Ela foi meu primeiro e predileto brinquedo durante toda a minha infância e adolescência. A forma como ela me desafiava a controlá-la e o prazer que sentia quando eu conseguia realizar os movimentos que imaginava com ela, fez nascer uma forte relação de amizade e companheirismo entre nós. Mais para frente, quando eu a entendia melhor, parecia que ela me entendia também, e só ficava me esperando para brincarmos e sermos felizes juntos.

Essa relação de amizade e de intimidade que tinha com a bola era transportada para o jogo coletivo. Quando acontecia o momento mágico de juntar uma turma de amigos para jogar bola, e, enfim, o jogo acontecia, eu a queria sempre por perto, para colocar em prática tudo que brincávamos só nós dois. Todos os movimentos que conseguíamos realizar numa brincadeira somente entre nós dois, eu e a bola, queríamos que acontecesse com a mesma mística no jogo coletivo. Dribles, chutes, domínios, lançamentos eram alguns deles, que, dentro do imaginário infantil, estavam sendo praticados em um estádio lotado, com ídolos como companheiros e adversários, uniformizados para um grande clássico entre o meu time do coração e o seu maior rival, isso quando eu não vestia a camisa da seleção.

Muitas vezes esse imaginário estava presente nos jogos com os amigos também, como um imaginário coletivo em que todos estavam vivendo os seus sonhos naquela partida. Tem como essa experiência não ser memorável?

Havia situações em que eu e meus amigos jogávamos contra conhecidos que moravam por perto, mas não faziam parte da nossa turma. Nesses jogos, a competitividade era ainda maior. Queríamos ganhar de toda forma. Nossa existência se justificava toda ali, naquele momento. E essa entrega plena para o jogo nos fazia viver emoções diferentes daquelas habituais que vivíamos no nosso cotidiano. Entrávamos em estado de jogo. O jogo proporcionava vivenciarmos do êxtase à frustração profunda, por ter ganhado ou perdido; do alto prestígio à humilhação, por ter exibido grandes habilidades ou ter sofrido um drible desconcertante; do cair ao se levantar, por estar perdendo e conseguir reverter o placar a tempo; do companheirismo à rivalidade, por estarem, as relações de cooperação e oposição, acentuadas pelo desejo intenso da vitória; da sensação de ter dado tudo de si e saber que faria tudo de novo, pois aquilo fazia sentido. Todas essas emoções podem ser geradas em um jogo de 30 minutos, por exemplo.

Quanto tempo seria necessário viver a nossa vida cotidiana para vivê-las com tamanha intensidade? Teríamos que esperar uma promoção no emprego para viver um êxtase? Precisaríamos conquistar uma carreira sólida para sentirmos o sabor do prestígio social? Precisaríamos adoecer e depois vencer a doença para sentirmos o que é levantar-se de uma queda? Precisaríamos formar uma família para lutar juntos contra as adversidades da vida para percebermos o companheirismo? Precisaríamos sentir que valeu a pena todo o esforço só depois de uma longa e exitosa jornada? O jogo de futebol, para mim, apresentou todas essas emoções. Aprendi a lidar com elas a partir dele. O jogo de futebol é quase como uma máquina de condensação do tempo, que nos faz viver emoções tão intensas quanto os momentos mais marcantes da vida, só que em alguns minutos. Claro que essas emoções, para mim, são geradas mais intensamente com o futebol, mas outras pessoas, apaixonadas por outro esporte, podem senti-las também a partir dele. Essa é uma primeira razão de eu gostar tanto de futebol. Ele me faz viver emoções que, na vida cotidiana, são raras com tamanha intensidade.

Outro ponto importante que me faz ver o futebol como um fenômeno apaixonante, é a sua capacidade de incluir pessoas de maneira funcional. Se pensarmos no jogo de futebol de maneira funcional, isto é, pensando em vencê-lo, vamos dar de frente com a lógica do jogo. Isto é, os meios necessários para se construir as soluções para os problemas que emergem no jogo. Vamos utilizar como referência, Claude Bayer (1994) e os seus princípios operacionais para denotar os grandes problemas a serem resolvidos no jogo de futebol. São eles:

Fonte: Adaptado de Bayer (1994, p.46)*

Esses são os grandes problemas a serem resolvidos no jogo de futebol para vencê-lo. Como cada equipe e cada jogador(a) irá resolvê-los? Depende de uma série de fatores, inclusive as características individuais de quem joga! O fato é que existem inúmeras soluções possíveis. E o interessante é que, no futebol profissional, que constitui um grupo seleto de pessoas – por consequência, excludente – não conseguimos encontrar um perfil muito bem definido de jogadores e jogadoras. Ao olhar para as características individuais de cada atleta, encontraremos pessoas altas, baixas, mais leves ou mais pesadas, mais rápidas e mais lentas, mais resistentes e menos resistentes, irreverentes e sérias, que gostam de ações mais arriscadas e outras que preferem ações mais seguras, mais habilidosas com a bola e outras menos. Enfim, no futebol profissional temos exemplos de pessoas de diferentes perfis. Isso quer dizer que é possível cumprir bem a lógica do jogo de diferentes formas, com diferentes características individuais. Se transportarmos isso para o futebol como lazer, encontremos ainda mais diversidade. Isso é uma característica sensacional do futebol, que tem o poder de fazer as pessoas se sentirem funcionais em relação a um grupo. Quem não tem aquele amigo ruim de bola, mas que faz parte da turma de amigos e sempre joga junto? Seja no gol, na defesa ou no ataque, ele arruma um jeito de ajudar, ser funcional para a equipe e se divertir com isso. Esse aspecto inclusivo do futebol agrega pessoas e o torna ainda mais apaixonante. Todos podem ser felizes jogando futebol.

Essa última mensagem eu tenho muito presente em mim, e busco sempre passar para as turmas de alunos ou grupo de atletas que trabalho. É um princípio pedagógico que aprendi com o Professor João Batista Freire (2006)**. A paixão pelo futebol é algo que faz parte de mim. Portanto, tento despertar em todas as pessoas com as quais eu me relaciono, especialmente enquanto professor ou treinador de futebol, a beleza e o fascínio que vejo nesse jogo.

Muitas crianças e adolescentes de hoje não tiveram a mesma experiência positiva e constante relacionada ao futebol que eu tive. Por isso, uma mensagem aos professores e treinadores de futebol: antes de se preocuparem em passar muitos conteúdos técnico-táticos para seus alunos e atletas, eu indicaria, se me permitem, incluir nas suas aulas ou treinos a paixão que vocês têm por este esporte.

Referências Bibliográficas:

* BAYER, C. O ensino dos desportos colectivos. Lisboa: Donalivro, 1994.

** Freire, João Batista. Pedagogia do futebol. 2ª ed. Campinas: Autores Associados, 2006.

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