Guerra e paz nas Copas do Mundo

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Por diversas vezes, devido a seus excessos de euforia, socorri Arnaldo, o bagre, estrebuchando fora do lago, sufocando; episódios perigosamente recorrentes após pronunciamentos de Ricardo Teixeira, da CBF e de Carlos Nuzman, do COB, de quem ele é admirador compulsivo e incondicional. Na última terça-feira, 11 de maio, aconteceu novamente. Voltava eu de uma caminhada pelos arredores, quando me sobressaltou a gritaria dos morceguinhos, alvoroçadíssimos porque Arnaldo, de tanto dar cabriolas, caíra fora do lago e já lhe faltava o fôlego. Corri e empurrei-o de volta à água, onde ele pôde respirar. Eu até havia esquecido que Dunga convocaria a seleção brasileira para a Copa da África do Sul na tarde de terça e esse foi o motivo do entusiasmo superlativo do bagre. Quando recuperou o fôlego, Arnaldo disse ao meu ouvido, de maneira quase inaudível: “Graças a Deus, ele manteve o grupo”.

Deixei-o. Às vezes perco a paciência com Arnaldo e sua obsessão por autoridades, isto é, por algumas delas. Atualmente é Deus no céu e Dunga na terra. O bagre nunca me perdoou ter criticado a contratação de Dunga, pela CBF, para ser o técnico da nossa seleção; alguém que nunca tinha sido técnico de coisa alguma antes. Ele, que agora alega não convocar alguns craques por faltar-lhes experiência, a mesma que não tinha quando assumiu o comando da seleção.

Dei de cara com minha amiga coruja, surpreendentemente feliz.

– O que houve Aurora, gostou tanto assim da convocação do Dunga? – perguntei.

– Não, gostei da convocação do Felipão – ela respondeu.

– Como assim?! Que eu saiba, o Uzbequistão, onde ele é técnico, não vai à África do Sul.

Aurora me contou que assistiu à convocação da seleção brasileira de futebol pelo canal Z33 de sua TV, aquele que transmite só o que a gente quer, que realiza nossos sonhos e desejos. No gol, Júlio Cesar, Marcos e Rogério Ceni. Depois Maicon, Daniel Alves, Michel Bastos, Roberto Carlos (Daniel Alves poderia jogar pela direita ou pela esquerda), Lúcio, Juan, Miranda, Tiago Silva, Hernanes, Felipe Melo, Lucas, Ganso, Kaká, Elano, Diego, Robinho, Luis Fabiano, Nilmar, Neymar e Messi (na TV Z33 Messi é brasileiro… e Deus também). O técnico da seleção brasileira, Felipão; Dunga, o da Argentina.

– Soube da última invenção de moda dos morcegos? – perguntou Aurora.

– Não, não soube – respondi.

– É melhor você se informar. Essa euforia sobre Copa do Mundo na África do Sul, você sabe como os morceguinhos são fanáticos, mais os arroubos patrióticos de Arnaldo, resultaram na ideia de fazer, aí na sua caverna, um grande campeonato de fruitbol – disse a coruja.

Fui me informar com Oto, meu amigo morcego. Era verdade, e mais grave do que eu pensava. Inventaram de fazer uma Copa do Mundo de fruitbol, aquele jogo que já descrevi anteriormente, em que os morceguinhos passam uma frutinha redonda de boca em boca, de asa em asa, tentando encaixá-la num buraco da parede da caverna. A sede seria em nossa região, pelo pioneirismo da iniciativa. E, pior: as tratativas para o evento vinham de longa data, desde que o Brasil se classificou para a Copa da África do Sul. Emissários haviam sido mandados a todos os continentes. Oto e seus amigos morcegos pediram ajuda aos trinta-réis. Esses pequenos pássaros concordaram (porque também são apaixonados por esporte) em desviar alguns emissários de sua rota norte- sul-norte, para a Europa, Ásia, África e até Oriente Médio. Para surpresa da morcegada nativa, seis equipes européias confirmaram participação, além de duas asiáticas, uma do oriente médio e quatro africanas. Somadas às delegações dos Estados Unidos, México, Paraguai, Brasil e Argentina, teríamos uma Copa do Mundo de Fruitbol com 18 seleções. Era preciso, portanto, convocar a seleção brasileira.

– Mas Oto – choraminguei -, e vocês nem me consultaram?

– Olha Bernardo, você seria contra, a gente sabe. Então decidimos fazer tudo sem você saber, até não ser mais possível voltar atrás. Já providenciamos tudo – respondeu o morcego.

E o técnico, quem seria o técnico? Para minha surpresa, Oto revelou que seria Arnaldo, o bagre cego, porque, para a maioria dos morcegos, reunia diversas qualidades: era cego, não era morcego, de meia-idade, disciplinador e cauteloso. E carregava na bagagem a experiência de observador privilegiado de diversos jogos da Cavernada, aquele campeonato entre os morcegos das cavernas de nossa região. Bem que alguns dos morceguinhos de nossa caverna, bairristas, tentaram impor Oto, meu amigo e mensageiro morcego, afinal, o técnico campeão da Cavernada, mas os outros quirópteros viram isso com desconfiança.

Hora de fazer a lista de convocados. Arnaldo pediu informações sobre jogadores de outras regiões. Quem mais praticaria fruitbol neste país? Observadores foram enviados. Que o Rio e São Paulo fossem observados especialmente, depois Rio Grande do Sul e Minas. A lista chegou uma semana depois: só uma equipe em São Paulo, uma em Minas e nenhuma no Rio ou Rio Grande do Sul. Vinte e três morcegos seriam chamados. Clima tenso, Arnaldo isolou-se, as cobranças vinham de todos os lados, cada qual tinha seus jogadores favoritos. Finalmente o bagre me chamou e anunciou que a lista seria proclamada na noite da próxima quinta-feira. Avisei os mamíferos voadores e os mensageiros saíram anunciando a boa nova.

Quinta-feira, nove da noite, o salão da caverna repleto. Arnaldo mandou dizer que não daria entrevistas, apenas anunciaria os nomes e mergulharia no lago. Com voz cavernosa definiu, um a um, cada posição e os jogadores correspondentes convocados. Gritaria geral, protestos; vários jogadores aclamados estavam fora da lista, principalmente os dois grandes craques da caverna de baixo, dois jovens talentos. Arnaldo não conseguiu evitar uma coletiva; os morcegos davam rasantes sobre o lago e faziam tal agitação que ele teve que subir e atender os postulantes
.
Está bem – ele disse, – escolham dez representantes, cada um com direito a uma pergunta.

– Estou plenamente de acordo com sua convocação Arnaldo – disse o primeiro representante -. Quando vocês começam os treinos?

– Assim que chegarem os três convocados dos outros Estados – disse Arnaldo, – provavelmente, semana que vem.

– Por que você deixou fora da lista os dois meninos da caverna de baixo, um deles o artilheiro da Cavernada, o outro, o melhor armador que já surgiu no fruitbol? – perguntou o segundo representante.

– Ora, como vou me fiar em meninos que se destacaram ainda ontem? Como saber que não se trata apenas de um entusiasmo momentâneo, como tantos outros que, no futebol, surgem e desaparecem? Prefiro manter os jogadores mais tarimbados, gente que já provou ser de confiança – respondeu o bagre.

– Ser experiente foi seu principal critério para a convocação Arnaldo? – perguntou o terceiro representante?

– Não, além disso, valorizo muito o compromisso. O jogador tem que mostrar comprometimento. E tem que gostar da camisa, gostar do Brasil. E quero aproveitar para dizer que, daqui por diante, todos vocês têm que mostrar patriotismo, ser brasileiros, torcer por minha seleção – enfatizou Arnaldo.

– Não concordo com sua convocação Arnaldo. Ela é conservadora e seu time é retranqueiro. Você deixou de fora os dois melhores jogadores que temos no momento – disse o quarto representante.

– Vamos jogar como o time que venceu a Cavernada. O que importa é o resultado. Esse negócio de arriscar, de jogar bonito, não ganha campeonato – respondeu o bagre, com um sorrisinho irônico.

Os representantes se sucederam, alguns a favor, outros contra. Arnaldo manteve o sorriso irônico e instou todos a mostrarem patriotismo, apoiando a seleção. Para Arnaldo, não torcer contra a seleção é ser antipatriótico. Terminou dizendo que mandaria emissários especiais para convidarem o presidente da CBF e o do COB para assistirem à abertura e à final da I Copa do Mund
o de Fruitbol. Em meu canto, calado, calado fiquei, sabendo que tão nobres e atarefadas criaturas não poderiam deixar seus afazeres por um humilde joguinho de morcegos.

Os treinos começaram, secretos. Claro que Arnaldo só poderia dar treinos no salão principal de nossa caverna, pois do lago ele não poderia sair. Isso é o que eu pensava, pois logo ele providenciou com os morcegos mais fanáticos, um recipiente de vidro, um tipo de aquário, que poderia ser transportado sem muito esforço, para onde ele quisesse. Mais de duzentos morceguinhos se revezavam nessa tarefa. Foi assim que os treinamentos foram marcados para um salão mais profundo da caverna, longe dos olhares dos curiosos, principalmente, dos olhares suspeitos da imprensa especializada. A fantasia dos quirópteros viajava longe. Os olhos do mundo estavam todos voltados para a África do Sul, onde Dunga escondia-se da imprensa e soltava, todos os dias, dois de seus craques, devidamente instruídos, para responder aquilo que ninguém perguntava.

Entre os morcegos, também havia os encarregados da comunicação. Captada a notícia, ela era passada de guincho em guincho, atravessava as fronteiras do estado, e até mesmo do país. A ânsia por notícias era cada vez maior. Todos queriam saber da preparação de suas seleções, especialmente a da brasileira. E Arnaldo escondia-se; quando muito, deixava que os morcegos jornalistas olhassem pedacinhos de poucos minutos de cada treino. Em suas raras aparições, era resguardado pelos morcegos de sua guarda pessoal, os hematófogos, vulgarmente chamados de morcegos-vampiros.

Lá na África do Sul a Copa do Mundo de Futebol, a primeira realizada em continente africano, começou. Aqui na nossa caverna também. Eu já não tinha mais sossego e recorri a Aurora para me ajudar a encontrar um lugar onde pudesse dormir em paz. Durante o dia, eventualmente eu olhava estarrecido a algazarra em torno daquela competição de fruitbol. Assistia a alguns jogos e depois me refugiava na caverna de Aurora, assistindo à Copa do Mundo de Futebol pelo canal Z33, aquele que só mostra o que a gente quer ver.

Os quirópteros organizaram, para dezoito equipes, seis grupos de três equipes em cada. Isso tornaria o evento menos longo. Cada equipe, na fase de classificação, jogava duas vezes dentro de seu grupo. Porém, somente uma seria eliminada, restando doze para a próxima etapa, quando seriam formados quatro grupos de três, todas jogando entre si. Novamente uma delas seria eliminada, de modo que, na próxima fase, oito seleções restariam, jogando as quartas de final e semifinais em regime de mata-mata. As duas restantes jogariam a final.

Foi uma guerra. Não na primeira etapa, a de classificação. De fato, havia equipes muito fracas, logo desclassificadas, e ninguém ligou para isso. Porém, a partir da segunda etapa, os ânimos se acirraram. Nossa equipe perdeu dois jogadores, contundidos pela violência dos adversários europeus. Uma das partidas teve que ser suspensa por causa da violência na torcida. Vários torcedores morcegos tiveram que receber atendimento de emergência.

Na África do Sul a Copa seguia morna. Raros gols. A Jabulani deprimia-se, saudosa das redes. Técnicos viravam estrelas, ofuscando os craques; supremos, tudo se fazia à sua vontade. As seleções não eram mais dos seus países, mas de seus técnicos, como bem o disse o técnico brasileiro. E eles determinaram que o futebol mudou; já não é mais um esporte para fazer gols, mas para não tomar gols.

Na caverna, chegamos ao mata-mata. O que estava ruim, pior ficou. O time brasileiro fechava-se na defesa. No primeiro jogo das quartas de final, contra os morcegos holandeses, perdemos nosso volante, vítima da violência laranja. Dois holandeses foram expulsos e terminamos com uma vitória de dois a um na prorrogação. O jogo entre Estados Unidos e Iraque teve que ser adiado, tal a violência em campo, que descambou em pancadaria nas arquibancadas. Terminou no dia seguinte, com a vitória iraquiana, a portas fechadas, bem no fundo da caverna.

A Copa de Mundo de Futebol no continente africano chegava à fase decisiva. Os brasileiros caíram diante dos holandeses. Num momento de distração de Deus, em cujas mãos nossos heróis depositaram sua sorte, os laranjas marcaram duas vezes e mandaram os canarinhos para casa. A rede de televisão que acha que pode dizer o que os brasileiros pensam, guilhotinou Felipe Melo; precisamos de culpados. Arnaldo não pôde ocupar-se muito da seleção canarinho, ocupado que estava preparando a seleção brasileira de fruitbol. Porém, teve tempo para eximir Dunga e Ricardo Teixeira, seus ídolos, de qualquer culpa. Na coletiva dada aos mensageiros morcegos, reiterou sua disposição de seguir os passos do mestre Dunga. O time é meu, disse Arnaldo, vou trazer o caneco e calar a boca de todo mundo. No canal Z33, Felipão comemorava, com seus discípulos brasileiros, o hexacampeonato mundial de futebol. Na final, contra a Argentina, o Brasil fez um a zero, gol de Messi, nosso principal atacante. Refugiado na toca de Aurora, eu e a coruja vibramos com a conquista.

Em nossa caverna, a próxima partida seria pela semi-final, contra a forte e agressiva equipe argentina. Não assisti ao jogo, mas ouvi os guinchos; davam medo. Instaurava-se um clima de guerra. Eu temia o pior. Confessei meu temor a Aurora. Longe do chamado mundo civilizado, eu morava na caverna para viver em paz. Se aquilo continuasse assim, eu nunca mais teria paz. Aurora chamou-me e entrei com ela em sua toca. Sintonizado no Canal Z33, a TV transmitia uma entrevista de Mandela, coisa antiga, do tempo em que, libertado da prisão após vinte e sete anos, ele pacificava seu país.

– Vamos trazer Mandela para cá – disse a coruja. – Ele pacificaria nossos morcegos.

– Isso é impossível minha amiga. O Canal Z33 é só uma ilusão, é só aquilo que a gente quer que seja, e não o que é.

– Não importa – prosseguiu Aurora, – vamos convidá-lo. Podemos mandar um convite como se manda um emeio, e isso pode ser feito pelo Z33.

O jogo contra a Argentina terminou com a vitória brasileira, três a dois, mas o saldo foi trágico. Quatro torcedores morcegos mortos e vários feridos. Nossa equipe perdeu dois jogadores contundidos e um expulso. Para a Argentina foi pior: três de seus morcegos jogadores foram eliminados pelo árbitro, e um saiu contundido.

A final seria três dias depois. Como adversários teríamos a poderosa equipe do Paraguai. As torcidas se armavam, literalmente. Morcegos vampiros foram convocados de ambos os lados. Procurei Arnaldo e o adverti, mas ele estava mais cego que nunca. “Deus está do nosso lado”, ele disse. Tentei convencê-lo de que Deus não toma partido, não torce, não está nem para um lado nem para o outro, mas Arnaldo fechou-se, enrolado na bandeira brasileira. Se eles quiserem, terão, vociferou Arnaldo. Percebi que aquele campeonato não terminaria. Foi um erro fazê-lo, maior ainda de minha parte, que consenti. Imaginei que certos traços de caráter eram exclusivamente humanos. Procurei Aurora.

– Recebi resposta – disse Aurora, – e ele virá. Veja – e ela me levou à sua toca e mostrou na tela a resposta de Mandela.

– Como? – eu perguntei.

– Não se preocupe, ele virá.

Corri para a caverna e conversei com Oto. Alguma coisa de sua generosidade deveria ter restado. Eu estava certo. Oto confessou-se arrependido por ter tomado a iniciativa de realizar o mundial de fruitbol. O conflito extrapolava o campeonato e chegava aos países. Morcegos de ambas as nacionalidades se armavam. E não era só Oto que se preocupava, eram vários os morcegos que pensavam como ele. Formaram uma comissão para organizar a chegada de Mandela.

Dois dias depois estava tudo pronto. Enquanto, do lado dos contendores, uma verdadeira guerra se armava, do lado dos morcegos pacifistas, um ambiente favorável à recepção de Mandela criava-se. Um pequeno tablado do lado de fora da caverna foi montado, numa linda e arborizada colina. Eu só não sabia como o
líder sul-africano chegaria a nós, mas confiava em Aurora.

Três horas para o início da final, ou da guerra, como se previa. Morcegos de todos os tipos esvoaçavam na entrada da caverna. Arnaldo estava incomunicável, protegido por forte guarda de morcegos hematófagos. O sol se punha. De repente, uma nuvem escura, um leve farfalhar de asas. Tão grande e impressionante era aquela nuvem, que chamou a atenção de todos, os do lado da paz e os do lado da guerra. E aquela imensa nuvem pousou suavemente sobre a colina, e dela desceu uma figura majestosa. Era Mandela. Sorridente ele se posicionou sobre o pequeno tablado de madeira. O silêncio cobriu a região. Todos acorreram ao local. Notei que trouxeram o aquário de Arnaldo. Olhando fixamente os morcegos, como se pudesse olhar dentro dos olhos e do coração de cada um deles, Mandela repetiu os versos de William Ernest Henley:

– Não importa o quão estreito seja o portão e quão repleta de castigos seja a sentença, eu sou o dono do meu destino, eu sou o capitão da minha alma.

– Tirem essa cara daí! Quem ele pensa que é para atrapalhar nosso campeonato? – gritavam os morcegos, enquanto alguns sussurravam para outros, É o Mandela, é o Mandela, aquele do filme, eu sei por que passou no cinema onde às vezes vou caçar mariposas. E Mandela, impávido, prosseguiu:

– Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar.

– Conversa – gritou um hematófago – olha só o preconceito que os morcegos têm com os hematófagos, só porque a gente gosta de sangue, mas a gente não faz mal a ninguém. E esses paraguaios, o tanto que já judiaram da gente. Hoje é o dia da vingança.

Mandela olhava para todos eles quase sem piscar. Olhava dentro dos olhos deles. Olhava diretamente para o morcego que gritava. Até que o hematófago foi se acalmando, silenciando, e se aquietou. Então o grande líder prosseguiu:

– Não é valente o que não tem medo, mas sim o que sabe dominá-lo.

– Valente é quem tem coragem de enfrentar os paraguaios, quem não afina – disse um morceguinho.

– Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viver como irmãos. O amor chega mais naturalmente ao coração do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta – disse Mandela, e falou isso lentamente, pausadamente, dirigindo-se, não mais aos ouvidos afiados dos morcegos, mas aos seus corações. E isso fez com que todos se calassem, e ninguém quis mais falar.

Em seguida Mandela disse que precisava se retirar, ir embora, ele estava cansado. Mas queria que os morcegos se misturassem, que jogassem fora as armas. Se quisessem jogar brasileiros e paraguaios, que não fossem brasileiros contra paraguaios, mas uns com os outros.

Nesse momento notou-se um movimento maior entre os morcegos, mas um movimento calmo, lento. A comissão técnica do time brasileiro trouxe para perto de Mandela o aquário de Arnaldo. Ao lado estava o técnico da equipe paraguaia. E, nas asas de alguns deles, a taça, o troféu que caberia ao campeão. Os pequenos morcegos levantaram vôo com a taça nas mãos e a entregaram a Mandela. Disseram que jogariam, jogariam sim, mas não mais pelo troféu, mas por outros motivos, por coisas maiores, para que o fruitbol fizesse bem a eles, para que fosse uma festa. Mandela apenas sorriu, pegou a taça nas mãos, a nuvem escura envolveu o grande líder africano e levantou vôo com ele. Lentamente a multidão de morcegos, todos misturados, entrou na caverna e jogaram seu jogo final em paz. Eu nunca soube quem venceu.

*Bernardo, o eremita, é um ex-torcedor fanático que vive isolado em uma caverna. Ele é um personagem fictício de João Batista Freire.

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