Linhas verticais de marcação; princípios operacionais de ataque e de defesa; e as coisas que Claude Bayer não escreveu

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Em uma de suas obras mais importantes, o francês Claude Bayer, propôs um olhar sobre os jogos esportivos coletivos através de princípios operacionais de defesa e princípios operacionais de ataque.

Para cada um deles (defesa e ataque) apontou três princípios orientadores de estratégias para cumprimento das ações defensivas e das ações ofensivas.

Segundo Bayer, os princípios de defesa seriam:

a)     Recuperar a posse da bola;

b)     Impedir a progressão do adversário (ao alvo ou terreno de ataque);

c)     Proteger o alvo de arremates e penetrações.

E os de ataque:

a)     Manter a posse da bola;

b)     Progredir em direção ao alvo;

c)     Finalização da jogada (ao alvo).

Em termos práticos, especificamente pensando em futebol (ainda que aspectos que discutiremos também se apliquem a outros jogos desportivos coletivos), os princípios operacionais de defesa e ataque compõem a dimensão organizacional do jogo. Isso quer dizer que as ações individuais e coletivas de uma equipe respeitam de forma predominante orientações que são regidas por esses princípios.

Então, o processo ofensivo de uma equipe de futebol em um jogo pode em geral estar associado (predominantemente) a um ou mais dos três princípios operacionais de jogo (o mesmo vale para o sistema defensivo).

Em outras palavras, uma equipe pode ter como estratégia dominante impedir a progressão ao seu alvo defensivo (quando se defende), deixando em segundo plano a recuperação da posse da bola ou a proteção do alvo. Dependendo do princípio operacional de ataque “dominante” da equipe adversária, impedir a progressão pode ou não ser vantajoso.

No jogo de futebol o êxito de uma equipe tem boa relação com a sua capacidade (da equipe) de alternar princípios operacionais “dominantes” de ataque e defesa, ajustando-os de acordo com as necessidades da partida e fragilidades do adversário, sem abandonar seu modelo de jogo.

Há porém uma lacuna deixada por Bayer (não aproveitada em maciça maioria), e que no futebol pode definir novas estratégias para o modelo de jogo e êxito no próprio jogo.

Na proposta do francês os princípios são na verdade “macro-princípios” orientadores das estratégias da equipe que “dominam e determinam” de forma geral as ações da equipe, mas que não interage integralmente com outras dimensões do jogo em sua plenitude (dimensões tempo, espaço, tarefa) e que por não apresentar flexibilidade acabar por engessar o pensamento tático-organizacional sobre o jogo.

Como exemplo façamos uma reflexão a respeito das linhas horizontais de marcação.

Não é incomum que tenhamos em uma equipe de futebol estratégias de marcação orientadas pelas linhas “1, 2, 3, 4 ou 5” (horizontais e virtuais). Então em situações e momentos específicos do jogo treinadores podem optar (por exemplo) por iniciar o combate ou tentativa de roubar a bola a partir das linhas 3 ou 4, ou pressionar alto a partir da linha 1.

De forma mais requintada pode definir que seu princípio operacional de defesa (dominante) seja “impedir a progressão ao alvo”, e que isso ocorra a partir da linha 2.

Pode por exemplo, utilizar a mesma linha de referência (a linha 2) mas definir como princípio operacional de defesa “recuperar a posse da
bola”.

E é aí que as lacunas começam a aparecer. Se já parece óbvio que (na perspectiva da orientação horizontal do campo de jogo) é possível estabelecer princípios operacionais de defesa (o mesmo vale para os princípios de ataque) diferentes tendo como referência as linhas de marcação (exemplo: na linha 2 = recuperar a posse da bola; nas linhas 3 e 4 = impedir progressão; na linha 5 = recuperar a posse da bola) imaginemos o que não é possível ao considerarmos as linhas verticais ou as faixas laterais, ou ainda uma composição entre referências horizontais e verticais.

O que quero dizer é que ao invés de tomarmos os princípios operacionais de ataque e defesa como princípios de orientação geral na ação dentro do campo de jogo, deveríamos entendê-los como “princípios de orientação regional” (de ataque e defesa) a partir de sua interação com o que eu chamaria de “referências operacionais” do jogo de futebol.

Então, a proposta é que transcendamos a idéia de princípios operacionais de ataque e defesa e alcancemos um entendimento fractal a partir de referências operacionais dentro do jogo.

Em outras palavras não mais pensemos em princípios operacionais de ataque e defesa, e ponto. Busquemos o entendimento, dentro do modelo de jogo, de como organizar princípios a partir de referências do próprio jogo (sejam elas da dimensão tempo, da dimensão espaço o da dimensão tarefa).

Busquemos por exemplo recuperar a posse da bola na linha 1 independente de qual linha vertical esteja ocorrendo a ação adversária; mas se ele alcançar a linha 3, que o princípio de defesa seja recuperar a bola somente quando o adversário atingir a linha “B”; e que enquanto estiver na “A” que apenas impeçamos a progressão ao alvo (progressão ao alvo?progressão ao campo de ataque) – em outras palavras busquemos estabelecer princípios que podem ou não ser diferentes a partir das referências verticais e/ou horizontais.

Mas se a referência não for a dimensão espaço e sim tempo ou tarefa (e/ou todas ao mesmo tempo; COMPLEXIDADE!), que a mesma interação possa ocorrer.

O jogo, assim como a vida é um fenômeno complexo. Os princípios (de ataque, de defesa, do jogo, da vida) também. Então, ou conheçamos e entendamos a complexidade; ou continuemos buscando a receita guardada na gaveta para o “arroz nosso de cada dia”.

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

è     Leia mais sobre o assunto em “Pensamento Tático“, Rodrigo A. Azevedo Leitão (2008).

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