O jogo conceituado taticamente

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Venho tentando traduzir o que há de moderno no jogo atual para o melhor entendimento da escola brasileira de futebol. Caminho neste propósito há anos e devido aos momentos especiais que vivemos atualmente no Brasil, minha motivação tem algo de mais especial ainda.
Já tive muitas dificuldades para fazer a leitura do que acontecia na evolução do futebol, pois minha formação se origina de momentos em que o futebol não tinha a rica literatura de hoje para nos instruir. Nos defrontávamos com dúvidas, cujas respostas tinham de ser dadas por nós mesmos em treinos e jogos.
Éramos treinadores habituados a guardar o segredo das descobertas, pois achávamos que somente nós o sabíamos. Cada treinador camuflava seus conhecimentos, o que se tornava um grande entrave para o desenvolvimento do futebol brasileiro como um todo.
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, o futebol europeu se mobilizava em várias frentes. Uma delas era encontrar formas de confrontar o jogo das individualidades, característico dos sul-americanos. Diversos núcleos de pesquisas foram instaurados e coisas novas e boas surgiram.
O FC Barcelona e a Universidade do Porto apresentaram ao mundo duas formas parecidas de conceber o treino e o jogo de futebol. No Barcelona, um importante personagem, o Professor Paco Seirul-lo, e na Universidade do Porto, o pesquisador e Professor Victor Frade construíram os métodos Integralista e da Periodização Tática, respectivamente, que revolucionaram o modo de lidar com esse jogo. Os dois baseados no conhecimento sistêmico.
Hoje, com a comunicação escancarada, os conhecimentos técnico, prático e científico do futebol estão disponíveis a todos. Além disso, as gerações modernas de treinadores chegam com o perfil de estudiosos e muito interessados no conhecimento e compartilhamento das descobertas em geral.
Com o advento dos novos métodos, não se concebe mais que as soluções táticas do jogo moderno sejam entregues exclusivamente às cabeças e aos pés dos jogadores. Algo tem de reger suas ações em campo à busca de uma fluência de jogo mais qualificada e inteligente.
No Brasil ainda estamos perambulando em dúvidas quanto ao que devemos fazer com o jogo, como e por quê fazer!? Permanecemos ignorantemente na dependência da competência dos nossos jogadores, senão em tudo, mas em grande parte das demandas táticas do jogo. A mente da comunidade futebolística brasileira permanece super conectada ao poder das individualidades.
O paradoxal nisso é que o jogador continuará sempre sendo a maior estrela na festa do futebol, mas a forma como ele deve escancarar seu protagonismo agora é diferente da de décadas atrás. As individualidades clamam por apoio das táticas coletivas que lhes dão segurança e lógica ao jogo.
As dificuldades que enfrentamos nos tem feito gastar tempo e energia justificando erros em nossa forma de jogar ao invés de nos direcionarmos de corpo, alma e mente para a aceitação e o entendimento do jogo moderno.
Talvez porque o novo obrigatoriamente nos tira de uma zona de conforto com a qual aprendemos a conviver por muitos anos. Agora não dá mais para esperar. O que o brasileiro precisa saber, vez por todas, é que o quanto antes percebermos as mudanças, mais rapidamente encontraremos fórmulas para as transformações.
A primeira e talvez mais importante das mudanças deve acontecer na cabeça do treinador brasileiro. Dar contribuição à visão detalhista e/ou individual do jogo com a abordagem global e/ou coletiva. Enxergar de vez o jogo como algo que tem vida – começo, meio e fim (finalidade). Os princípios e conceitos táticos do jogo, quando devidamente conectados, nos apresentam uma lógica bem distinta e mais eficiente da que conhecemos.
Para construirmos o jogo moderno será necessário repaginar nossos métodos de treinamentos. Ensaiar as manobras táticas coletivas pra defender e atacar com qualidade não será possível concebendo o treino e o jogo à moda antiga.
Considero imensurável a contribuição que Jorge Jesus e Jorge Sampaoli estão nos dando neste momento.
Se abrirmos mão das nossas vaidades e arregaçarmos as mangas da busca do conhecimento, prontamente veremos também os brasileiros fazerem coisas ainda mais bonitas com as nossas equipes. Nenhum estrangeiro conseguirá se perpetuar no futebol brasileiro, pois adaptados às peculiaridades da nossa cultura, somente nós.
Já tivemos muitos treinadores forasteiros comandando equipes brasileiras, principalmente sul-americanos. Nunca vimos transformações tão significativas como as que apresentam Flamengo e Santos.
Vamos aproveitar, caros colegas. Vamos crescer!
Coisas muito boas estão sendo feitas pelos treinadores Jorge Jesus e Jorge Sampaoli, mas vejo coisas menos boas também. Digo isso, com a certeza de quem estuda taticamente os jogos de equipes brasileiras e estrangeiras todos os dias há vários anos. Vejo também o Bahia, o Grêmio, o Bragantino, o Athletico-PR e alguns outros times brasileiros com jogos conceituados e interessantes, mas com falhas também. Normal!
Como fruto que sou da cultura futebolística brasileira percebo alguns aspectos que ainda atrapalham o sucesso dos nossos treinadores. Por exemplo, não fomos estimulados a estudar! Não precisava! O jogador fazia tudo! Esse entendimento era geral!
Cansávamos de assistir no Brasil aos debates da comunidade futebolística sobre a importância do treinador no contexto de um jogo.
– Será que é mesmo necessária a presença do treinador à beira de campo?
– Treinador ganha jogo?
Ouvíamos muito disso, e mais…
Hoje, Sampaoli e Jesus fazem um verdadeiro carnaval em suas áreas técnicas e são idolatrados também por isso.
– Jogam junto com suas equipes! É o que dizem!
Flamengo e Santos jogam bem porque o fazem sob a regência de ideias de jogo conceituadas e devem treinar muito bem. Seus treinadores são bons, além de estarem em clubes gigantes com muitos bons jogadores às mãos, têm bons conceitos do jogo moderno e sabem aplicá-los. Se ficassem quietinhos em seus espaços não alterariam em nada a qualidade do jogo das suas equipes. Talvez fossem até melhores do que são. Mas enfim, se faz parte das suas personalidades que permaneçam assim!
De qualquer forma, deixo aqui um alerta aos treinadores brasileiros, principalmente aos mais jovens:
– Não pulem igual malucos à beira de campo achando que isso vai fazer seus times jogarem o fino da bola! Sejam vocês mesmos e aprendam a construir jogos conceituados taticamente sob ideias de jogo espelhadas na maneira moderna de se jogar. Nós temos um celeiro de ótimos jogadores em nossas terras que vão ajudá-los em muito nessa empreitada.
Nestas minhas investidas na tentativa de escrever algo sobre futebol aprendi uma coisa: depois que você publica um texto, perde o direito sobre ele. Serão tantas as interpretações, às vezes até na contra-mão do que o autor desejou expressar, que diversos entendimentos poderão surgir.
Espero que as minhas ideias cheguem ao público com a compreensão pelo menos parecida daquilo que sempre procurei expressar em todos os meus anos de futebol.
Prezo com profissionalismo e paixão pela Escola Brasileira de Futebol como a expressão cultural e esportiva mais importante do nosso Brasil e em toda a minha existência não quero deixar dúvidas quanto a isso!
Até uma próxima!
 

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