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Bastian Schweinsteiger: com o tempo, um dos melhores na arte de dar tempo ao tempo no jogo. (Foto: Reprodução/Jogadores)

 
Todos nós, de alguma forma vinculados ao processo de treino/jogo, temos alguma proximidade, grande uma pequena, com o debate das superioridades. Na verdade, é um debate bastante necessário: criar superioridades é um desafio fundamental para se chegar bem ao alvo adversário. Aqui, um bom caminho seria recorrer àquela observação do Jorge Castelo, que fala das preponderâncias absolutas e das preponderâncias relativas (as superioridades seriam preponderâncias relativas porque, em absoluto, o jogo começa com um mesmo onze contra onze, dentro de um mesmo espaço de 105 x 68m).
Neste texto, que dividirei em duas partes, gostaria de trabalhar um pouco cinco desses tipos de superioridade. Em linhas gerais, são os cinco que conheço, encontrados em diversas referências, ou mesmo em conversas informais. Para cada uma das superioridades, faço um breve comentário, mas deixo aos amigos e amigas outras interpretações e inclusive outros tipos de superioridade que possam não ter sido citados por mim.
Comecemos com a superioridade numérica, com a posicional e a temporal.

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A mais conhecida, de fato, é a superioridade numérica. A noção de superioridade numérica não apenas não nos é estranha, como é sabidamente importante em todos os jogos coletivos de invasão (pensem no basquete, handebol, futsal…). Aqui, gostaria de pensá-la a partir daquela divisão, se não me engano do Julio Garganta, de tática individual, tática de equipe e tática de grupo (ou grupal). Uma vez que não se pode ter superioridade numérica com apenas um jogador (um contra zero, a meu ver, é superioridade posicional), e que a criação de superioridades depende consideravelmente do centro de jogo (dos jogadores próximos à bola, se preferir) então a maioria as situações de superioridade serão grupais, criadas por um certo grupo de atletas, em certas situações. Digomaioriaporque, evidentemente, uma expulsão causa superioridade numérica, mas aí causa uma superioridade mais absoluta do que relativa, como falávamos acima.
Durante um bom tempo, tive a impressão de que a superioridade numérica foi tratada não apenas como mais importante, mas como a única dimensão de superioridade dentro de um jogo coletivo. Daí que uma situação de 3 v 2, por exemplo, fosse vista como uma vantagem inquestionável da equipe que ataca. A meu ver, isso é uma meia-verdade. Dentre outros motivos, porque a superioridade numérica me parece um ponto de partida, uma origem, uma vantagem de começo de jogada – mas não necessariamente será responsável por uma vantagem de fim. Para isso, é preciso outras superioridades.

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Logo depois, podemos falar da superioridade posicional. Basicamente, podemos pensá-la não a partir do número, mas a partir do espaço, do uso do espaço, da conformação do espaço às vontades do jogador e da equipe. Pensemos, por exemplo, numa situação hipotética de oito defensores contra dois atacantes, a defesa disposta em duas linhas de quatro razoavelmente distantes. Se nossos atacantes forem inteligentes, pode ser que o primeiro deles, em posse da bola e ainda antes das duas linhas, encontre a posição mais adequada para um passe preciso em direção do outro, posicionado precisamente entre elas, este último já fazendo um domínio direcionado e etc. Ou seja, do ponto de vista posicional, os dois em posse, embora muito inferiores numericamente, souberam usar em seu favor as vantagens posicionais.
Não sei vocês, mas uma das coisas que me agradam aqui é o seguinte: se só existe uma bola, como normalmente acontece no jogo de futebol, e se pensarmos que um jogador fica, em média, cerca de um a dois minutos com a bola por jogo, então criar superioridades posicionais está intimamente ligado à capacidade de cuidar do espaço, de cuidar do espaço sem a bola e, uma vez vinculada ao espaço, então as superioridades posicionais têm a ver com um fazer tático, sendo que essa tática, como anotamos acima, pode ser individual, grupal ou coletiva. Mas até que ponto nós fomos educados (como jogadores) e nós educamos (como treinadores) para nos preocuparmos tanto com o espaço e com a posição quanto nos preocupamos com a bola? Até que ponto nós conseguimos nos localizar no jogo e, parafraseando o Vitor Frade, cuidar do presente com tantos futuros possíveis? De fato, é preciso muita inteligência. Especialmente se pensarmos que no futebol (e na vida vivida) as decisões certas não são certas de véspera – é preciso criá-las.

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Falamos dos números, do espaço, vamos falar agora do tempo, disso que chamam de superioridade temporal. Uma das grandes coisas do espaço (não apenas no futebol) é que ele não pode ser muito bem pensado longe do tempo. No futebol, há quem diga que reduzir o espaço é reduzir o tempo: se nossa equipe, coletivamente, corta as linhas de passe de um dado jogador e pressiona o centro de jogo, então vamos cortar o tempo do portador da bola, e ele deverá soltá-la mais rápido. Bom, não acho uma ideia de todo errada. Mas também acho que há situações em que reduzir o tempo do ataque pode acabar sendo benéfico ao próprio ataque, ao invés de facilitar a defesa (afinal, não foi por isso que criamos o princípio da contenção?). Existe uma noção, ainda que subentendida, de que o tempo será melhor utilizado se for utilizado com rapidez, que as melhores decisões são as mais rápidas, existe essa ‘vertigem’ pela velocidade, como escreveu o Nuno Amieiro. Mas as superioridades temporais também aparecem quando alargamos o tempo, quando fazemos do tempo maior, quando damos tempo ao tempo, ainda que isso signifique uma ou duas frações de segundo, numa ação de grupo ou individual. Não se trata do tempo mais rápido, se trata do tempo certo.
Mas para fazer isso, repare bem, precisamos de números, precisamos querer a superioridade, evitar a igualdade e negar a inferioridade – como também nos disse o Julio Garganta. Ao mesmo tempo, precisamos do espaço, porque um passo adiante, ou um passo atrás, ou um leve atraso do pé que vai dominar a bola, ou um breve atraso na passada, todos eles podem ser suficientes para criar o tempo de que precisamos. Mais uma vez, o futebol não é exatamente um jogo de rapidez, é também um jogo de pausa e, eventualmente, pode ser um jogo de atraso. Curiosamente, no futebol o caminho mais longo e mais lento pode ser infinitamente melhor do que o caminho mais curto e mais rápido, do que estes atalhos que estão por aí. Mas repare especialmente que o tempo não está dissociado dos números e do espaço. Eles estão tecidos juntos.

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Por enquanto, ficamos por aqui. Na volta, publico uma segunda parte, tratando de pelo menos mais duas formas de superioridade: a qualitativa e a socioafetiva. E também podemos tratar de qualquer outra que vocês eventualmente apontarem nos comentários.
Continuamos em breve.
 

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