A Espanha decidiu se rebelar contra o autoritarismo no futebol. Ou melhor, os jornalistas da Espanha se rebelaram contra a imposição dos atletas que dariam a entrevista coletiva após o treino da quarta-feira passada.
Na última semana, os jornalistas que cobrem o dia-a-dia do Barcelona, na Espanha, decidiram não ficar na sala de imprensa depois que souberam que teriam à disposição para falar apenas o zagueiro reserva francês Lilian Thuram. A decisão foi tomada como uma forma de protesto dos “coleguinhas” à imposição dos atletas escalados para dar entrevista.
A atitude foi um estopim na velha queda de braço entre jornalistas e assessores de imprensa dentro dos clubes de futebol. Com o objetivo de preservar os atletas, as assessorias têm criado limites para a participação dos jornalistas nas entrevistas.
Se, há 50 anos, jornalista e atleta eram companheiros de farra fora do campo, hoje são praticamente inimigos. O convívio dos dois só existe na hora da entrevista, seja ela após o treino ou a partida. Na época de Pelé e cia., jornalista e jogador saiam conversando após o treino, numa espécie de cumplicidade sadia entre eles. Atualmente não há espaço para isso.
A crescente profissionalização da imprensa e também do futebol levaram a um distanciamento dos artistas da bola dos “artistas” da comunicação. Com isso, as entrevistas coletivas depois dos treinos tornaram-se o tormento dos jornalistas. Antes, depois do bate-bola diário, falava quem queria, para quem quisesse ouvir. Isso assegurava a cada jornalista uma boa história para ser publicada, geralmente diferente da do colega que representava p veículo concorrente.
Agora, porém, tudo ficou estático. O jogador só dá entrevista quando quer e, às vezes, para quem quer. O jornalista só consegue perguntar uma ou duas vezes durante uma entrevista em que participam todos os colegas de outros jornais. Outra prática que se tornou quase uma regra. A assessoria de imprensa é que determina quem são os jogadores que darão a entrevista após o treinamento. Essa talvez seja a atitude que mais revolta a imprensa. Não é possível mais ao jornalista escolher o seu personagem para uma pauta. Ele deve “engolir” aquele que o clube manda.
Essa medida começou a ser implantada nos anos 90 pelo Manchester United, na Inglaterra. Com o objetivo de faturar mais, o clube usou o raciocínio mercantilista de que o jogador é uma celebridade, não deve ficar exposto o tempo inteiro na mídia. Para ser “inatingível”, o atleta deve ter de falar pouco. E isso só é possível quando ele se expõe menos. Desde Beckham, o Manchester limita aos jornalistas quem dará as entrevistas. Pouco após o clube lançar essa idéia, seus pares decidiram fazer disso uma regra.
Com esse novo panorama, os clubes conseguiram proteger gradualmente seu maior patrimônio, que é o atleta. Menos exposto, o craque concentra-se mais em jogar futebol, além de evitar cair nas armadilhas de uma entrevista. Só que, do outro lado, a sede da imprensa por novas notícias e grandes entrevistas é severamente prejudicada.
A queda de braço continua. E, pelo exemplo que vem de Barcelona, deverá lançar uma nova moda em breve…
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