Tática de jogo e tática no jogo

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No futebol ainda há a velha máxima de que “jogo é jogo e treino é treino”. Ainda que já tenhamos discutido isso em outros momentos, trago à tona agora uma reflexão sobre outro ponto dessa perspectiva.

Em 90 minutos de jogo gerir gama tão grande e ímpar de variáveis (cada jogador, equipe, adversário, estratégias de defesa-ataque e transição, árbitros, torcida, ritmo de jogo, desempenho, egos…) é de fazer inveja a grandes executivos de grandes empresas multinacionais.

A pressão do tempo e resultado é inigualável. 90 minutos para acertar ou errar. 90 minutos para transformar o rumo de uma equipe e de um clube.

Pois bem. Como jogo é treino e treino é jogo (e não como a velha máxima), a perspectiva dos treinamentos de uma equipe deveria preconizar a evolução processual de um jogar/treinar cada vez mais rico em alternativas e soluções; desenvolvidos e especializados no treinar/jogar.

Muitas vezes (muitas mesmo!) a intervenção dos treinadores durante as partidas de futebol acabam por não surtir o efeito desejado.

Isso pode ocorrer, basicamente por três motivos:

1)   pela incapacidade de sua equipe em cumprir uma estratégia determinada (diferente daquela previamente combinada e treinada),

2)   pela capacidade da equipe adversária em neutralizar rapidamente a estratégia proposta (através de uma contra-estratégia),

3)   ou por fim, pela má avaliação do treinador a respeito da melhor alternativa para dar solução a um problema do jogo.

Os motivos 1 e 3 dizem respeito às atribuições do treinador. O motivo1, porque a incapacidade de uma equipe em cumprir determinada tarefa tem relação direta com o treinar/jogar; ou seja, a execução bem feita de algo que seja determinado durante o jogo tem grande dependência do “saber fazer” por parte da equipe. E por sua vez o saber fazer, grande relação com o bem treinar.

O motivo 3, tem relação com a atribuição do treinador pelo fato de estar nele o centro gestor da equipe durante o jogo (para indagar, propor, solucionar). Como é dele que comumente parte o comando para novas estratégias de jogo, é dele também comumente a responsabilidade do acerto ou do erro (partindo ou não dele a estratégia).

O motivo 2 não tem relação direta com a ação do treinador durante o jogo, mas a tem com o motivo 1 e 3. Isso que dizer que há uma dependência indireta entre a ação do gestor da equipe e o motivo 2.

É claro que no futebol, diferente do basquete, vôlei e outros esportes, o treinador tem sua ação limitada a comandos breves (muitas vezes aos berros) na beira do gramado. Não há a possibilidade de parar o jogo para uma conversa informacional com os jogadores. A gestão da situação deve superar a dificuldade de comunicação.

Uma das grandes atribuições do treinador em um jogo de futebol é a de “mudar tendências”.

Se o jogo está desfavorável alguma coisa deve ser feita. E é no jogo muitas vezes que as decisões corretas acabam por não obter êxitos, pelo simples e grande motivo de que muitas vezes a equipe não está preparada para essa ou aquela nova dinâmica. E isso simplesmente quer dizer que o trabalho semanal, o planejamento e o processo têm grande importância na ação do treinador durante o jogo; e que o êxito de suas decisões de jogo está intimamente ligado ao seu trabalho nos treinos.

Ora, mas há quem diga que uma boa conversa no intervalo de um jogo pode transformar a forma de uma equipe jogar (treinar por quê?)!

E realmente pode, principalmente se a transformação pender para uma nova forma já conhecida da equipe.

Óbvio que existem decisões que exigem mais, ou menos elaboração na forma do jogar e que portanto, ao se necessitar de uma mudança estratégica e tática, deve levar-se em conta qual é a solução “ideal” e qual é a “melhor” solução para o problema do jogo.

Quando a melhor solução é também a ideal, não há dúvidas de que aumentam potenci
almente as chances de êxito. Quando a ideal está muito distante da melhor (sendo a melhor aquela que a equipe é capaz de fazer bem, mas que pode não resolver), é nela (na melhor) que a maior parte da energia deve ser concentrada.

Óbvio também que quando a melhor solução possível não resolve, ainda há uma tendência a ser mudada, e que mais vale o risco de se tentar mudá-la através do “ideal” mal feito, do que aceitar passivamente a tendência aflorada no jogo.

A tática de jogo, trabalhada então ao longo do processo de treinos do treinador (construída desde o primeiro dia de trabalho, e colocada à prova por vezes três dias depois) terá sempre relação direta com a tática alterada no jogo. Quanto mais a tática de jogo contemplar as táticas no jogo, maiores as chances das intervenções do gestor de campo (o treinador) surtirem o efeito desejado.

Se houvesse no futebol o tempo técnico (como há em outros esportes), não tenho dúvidas senhores, cada vez mais o joio estaria separado do trigo.

Por isso, termino hoje com uma citação que me faz refletir no porque muitas vezes as pessoas parecem não querer separar o joio do trigo:

“A complexidade refere-se à condição do universo que é inerente mas que, no entanto, é demasiado rica e diversificada para compreendermos a partir das perspectivas mecanicistas ou lineares comuns. A complexidade trata da natureza da emergência, inovação, aprendizagem e adaptação”. (Santa Fé Group, 1996)

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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