A loteria tática do pênalti – loteria?

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Pênalti é loteria! (caríssima, vale lembrar).

Como outrora lembrara o notável “Tenente Fulminato de Mercúrio” (mais um dos notáveis do Café dos Notáveis), o Chelsea, o Fluminense e outras tantas equipes (em diferentes níveis e categorias), acreditando ou não na loteria “penaltiana” já sentiram o caro preço de não serem “premiadas” no meticuloso acaso lotérico.

 

Ainda que o senso comum acredite e a mídia em geral reforce que pênaltis e disputas por pênaltis sejam loteria (capricho do acaso), para os profissionais (realmente profissionais) do futebol, que vivem da vitória, o enfoque a esse evento do jogo deve receber atenção também profissional.

Basta lembrar da Copa do Mundo de 2006, no jogo em que a seleção da Alemanha venceu a seleção da Argentina na disputa por pênaltis. O goleiro alemão Jens Lehmann (discutido e rediscutido por ganhar a posição do seu compatriota Oliver Kam) defendeu dois pênaltis argentinos e colaborou substancialmente com a vitória de sua equipe. Ao final do jogo, confessou ter consigo anotações sobre estatísticas que indicavam onde os cobradores argentinos tinham maior probabilidade de chutar a bola durante as cobranças (um estudo que rastreou pênaltis naquele ano e em anos anteriores a Copa de 2006).

Se pênalti realmente é loteria, digamos que Lehmann e seus treinadores criaram uma alternativa para potencializar as chances de ganhar o “grande prêmio”.

Alguns estudos vêm sendo realizados ao longo do tempo para investigar a cobrança de pênalti no futebol. Alguns sob a perspectiva dos cobradores, outros na perspectiva dos goleiros. Ainda que de uma forma geral muitos deles se arrisquem a um reducionismo descontextualizado, todos de certa forma podem trazer alguma contribuição.

As variáveis determinantes para o êxito ou fracasso na cobrança de pênaltis têm caráter multifatorial aleatório, de tal forma que é quase impossível dominar todas as variáveis ao mesmo tempo para que se alcance a excelência (o êxito 100% – tanto para quem cobra o pênalti quanto para quem tenta defendê-lo).

Então, se de fato é quase impossível dominar 100% desses multifatores aleatórios é plausível e bem razoável admitir que é possível dominar um número considerável (considerável qualitativamente) desses fatores.

Algumas pesquisas tem se dedicado a analisar questões técnico-estratégicas de goleiros e cobradores em diversos países do mundo. Analisam desde a “leitura corporal” que o goleiro faz para tentar “prever” a direção em que o batedor chutará a bola até os fatores que poderiam aumentar as chances de insucesso em um tiro penal.

Algumas dessas pesquisas tentam responder por exemplo porque a maior parte dos goleiros de futebol defende de 10% a 24% dos pênaltis que são cobrados no gol, e o que diferenciaria uma pequena parte desses profissionais que conseguem defender mais do que 30% dos pênaltis a que são submetidos (estudos de Salvesbergh, Kamp, Willians e Ward no ano de 2002; Franks, Hanvey em 1997; Burwit em 1993, dentre tantos outros…).

Existem basicamente dois tipos de cobradores de pênalti. Aqueles que são goleiro-dependentes e aqueles que são goleiro-independentes.

Os goleiro-dependentes são aqueles cobradores que baseiam sua cobrança na leitura que fazem da postura e movimentação do goleiro; e que portanto antes da autorização do árbitro não têm definido qual lugar do gol a bola será direcionada.

Os batedores goleiro-independentes são aqueles que independente da movimentação do goleiro já têm um lado definido para a cobrança do pênalti.

Existem também basicamente dois tipos de goleiros (referente à cobrança de pênaltis). Há aqueles que são batedor-dependentes e há aqueles que são batedor-independentes. Os primeiros definem seu posicionamento e deslocamento a partir da movimentação do cobrador e o segundo tipo arrisca um canto independente da movimentação empregada.

Dados de pesquisas que estudam os goleiros apontam para o fato de que os guarda-redes com maiores êxitos nas defesas são aqueles que fazem melhor leitura corporal da movimentação do cobrador e que esperam o máximo possível para definir o lado que saltarão para defesa (sem dar ao cobrador indícios do que irão fazer – outras pesquisas apontam ainda que não é o tempo de reação a variável determinante para o êxito dos goleiros, já que ele não se difere entre os goleiros que têm ou não êxito nas defesas).

Como essas coisas podem ser ensinadas e desenvolvidas, é possível aumentar significativamente as chances dos goleiros nas cobranças de pênaltis em que a bola atinge regiões “alcançáveis” do gol (deve-se levar em conta ainda que a maior parte dos pênaltis cobrados atingem essas regiões).

Dados de pesquisas que estudam os cobradores apontam para o fato de que os batedores que são goleiro-dependentes aumentam suas chances de acerto quanto mais cedo (durante seu deslocamento em direção a bola para o chute) definirem qual será o lado da cobrança. Tais pesquisas apontam também para o fato de que os batedores goleiro-dependente são sensíveis a estímulos visuais vindos do goleiro (e portanto podem ser induzidos para essa ou aquela conclusão, do onde chutar, a partir desses estímulos).

A partir dessas e outras indicações científicas podemos de certa forma fazer algumas reflexões.

Em primeiro lugar, os goleiros batedor-dependentes podem aumentar potencialmente as chances de defender pênaltis se; 1) aprenderem “ler” as ações do batedor (e aí as pesquisas indicam que a posição da perna de apoio é uma das melhores referências), 2) aprenderem a esperar o máximo possível para efetivamente definir qual o lado que a bola será chutada e por fim 3) descobrirem quais estímulos visuais podem criar para causar dúvidas no batedor para induzirem a cobrança a um ou outro lado.

Em segundo, estatisticamente, são os goleiros batedor-dependentes àqueles com maior chance de êxito nas defesas, porque independente do tipo de cobrador (goleiro-dependente ou goleiro-independente), esse tipo de goleiro busca informações nas ações do batedor para tentar identificar onde a bola será chutada.

Os goleiros batedor-independentes só terão aumentadas as suas chances de êxito se (e somente se) os cobradores forem goleiro-independente e eles (os goleiros) tiverem informações prévias a respeito dos batedores.

Ao analisarmos pela perspectiva dos batedores, aqueles que são goleiro-dependentes terão aumentadas a sua vantagem, se enfrentarem goleiros batedor-independentes e poderão ter problemas ao enfrentare
m goleiros batedor-dependentes.

Aqueles que são goleiro-independente terão suas chances diminuídas ao enfrentarem goleiros batedor-dependentes e poderão tê-las aumentadas se enfrentarem goleiros batedor-independentes.

É claro que quem cobra o pênalti, sob o ponto de vista técnico-estratégico, tem vantagens (que podem ser facilmente explicadas pela Matemática e pela Física) sobre quem tenta defendê-lo. Mas como já mencionado anteriormente, o êxito ou fracasso têm dependência multifatorial. Desta forma há também dados que mostram que sob o ponto de vista estratégico-emocional a vantagem estaria do lado do goleiro.

Talvez Lehmann, o goleiro alemão, tivesse sido traído pelas estatísticas se os batedores argentinos fossem goleiro-dependentes. Talvez alguém mais persuasivo possa convencer a todos nós de que “pênalti” é sorte (sorte?).

Podemos aceitar ou não que pênalti é loteria.

Se não aceitarmos, teremos que buscar alternativas e possibilidades para melhorar o desempenho de goleiros, jogadores e equipe.

Se aceitarmos, só o que poderemos fazer é ficar torcendo.

Até mesmo para ganhar na loteria é preciso jogar.

Tenhamos cuidado no entanto, com o reducionismo simplista de algumas pesquisas. Tenhamos cuidado com as negações totais e definitivas; mas tenhamos mais cuidado ainda com as crenças, sortes e loterias do acaso simplista (que acaso?).

Termino hoje então com um poema. Não porque é belo, mas porque alcança a profundidade que é necessária para se compreender aquilo que é necessário: a essência.

Lágrima de Preta (de Antônio Gedeão)

Encontrei uma preta /que estava a chorar, / pedi-lhe uma lágrima / para a analisar.
Recolhi a lágrima / com todo o cuidado / num tubo de ensaio / bem esterilizado.
Olhei-a de um lado, / do outro e de frente:/ tinha um ar de gota / muito transparente.
Mandei vir os ácidos, / as bases e os sais, / as drogas usadas / em casos que tais.
Ensaiei a frio, / experimentei ao lume, / de todas as vezes /deu-me o que é costume:
nem sinais de negro, / nem vestígios de ódio. / Água (quase tudo) / e cloreto de sódio.

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

 

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