A consequência da violência para os clubes de futebol

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Nessas duas últimas semanas muito tem se discutido sobre a violência nos estádios de futebol. Ótimo. É um sinal da sociedade clamando por mudanças, que – mesmo que sejam implementadas imediatamente – possivelmente ainda tardarão a apresentar resultados mais visíveis.

Isso porque há um claro desentendimento nos discursos apresentados. Cada um corre para um lado, sem que haja um consenso nas causas, medidas e consequências sobre o assunto. De um lado, o governo fala uma coisa. De outro, a federação. Noutro, os clubes. Em ainda outro, a mídia. E, se não bastasse, ainda tem os torcedores. Em um assunto onde deveria haver um consenso linear, o que se vê é um complexo poligonal com pequena tendência de convergência.

Quem tem falado mais alto, até o momento, é o governo. Até porque a violência dentro dos estádios, e é preciso frisar a delimitação do espaço ao estádio de futebol, parece ser assunto de segurança pública. Mas não é. Ela é um assunto que ganha contornos massificados pela onipresença esportiva do futebol no país. Só que, fazendo as contas, ela interessa muito menos à totalidade da população do que pode parecer.

Considerando que a média de público por jogo da Série A do Campeonato Brasileiro de 2008 foi de aproximadamente 17 mil torcedores e da Série B 6 mil, e que cada uma das competições tinha, na maioria das vezes, dez jogos por final de semana, pode-se concluir que os estádios de futebol do Brasil receberam aproximadamente 230 mil torcedores por rodada, o que representa apenas 0,12% da população brasileira. Longe, portanto, de ser considerado um problema que assola todo o país ou que deva despertar tanta atenção do poder público.

Os maiores interessados em resolver esse problema são os clubes e suas consequentes associações, seja uma federação ou uma liga, uma vez são eles que tem no futebol a sua principal razão de existência. A violência nos estádios deveria importar muito mais a eles do que ao governo, portanto. Mas não é o que aparenta acontecer.

O problema é que o efeito da violência e da insegurança nas receitas dos clubes é avassalador. Todos, absolutamente todos os canais de receita são, com maior ou menor intensidade, afetados. Vamos a eles:

Dia de jogo

Nesse canal de receita, os efeitos são os mais óbvios. Quanto menor for a segurança e maior for a violência dentro do estádio, menos pessoas vão aos jogos, seja na arquibancada, na cadeira, ou no camarote. Aqueles que vão, o fazem ciente dos riscos e, portanto, tendem a não estender a sua estada dentro do estádio, o que – em conjunto também com uma menor disposição do indivíduo a levar maiores somas de dinheiro – limita o poder de consumo, seja de comida, bebida ou outros produtos. Com o sentimento de insegurança generalizado, existem também as proibições da venda de bebidas alcoólicas, que, depois do jogo em si, é o principal produto de consumo em uma partida.

Receita de patrocínio

Um dos principais motivos que levam empresas a patrocinar um esporte, no caso o futebol, é a oportunidade de conectar sua marca a uma imagem de saúde e bem-estar, benefícios da prática esportiva. Quando a marca de uma empresa aparece no momento de uma briga, a empresa acaba transmitindo uma imagem oposta àquilo que ela deseja. Logicamente que esse risco tende a afastar patrocinadores, principalmente os mais conservadores, o que diminui a concorrência e, consequentemente, o valor do patrocínio.

Receita de licenciamento

A maior parte da receita de licenciamento de um clube vem da venda de camisas oficiais. A insegurança e a violência inibem a venda de camisas, uma vez que usá-la no estádio ou fora dele se torna um risco à integridade do torcedor. Como produtos licenciados são essencialmente bens simbólicos – eles valem muito mais por aquilo que eles representam do que por aquilo que eles fazem – o torcedor pode vir a substituir a camisa por produtos mais reservados, como xícara e chaveiro, que são também muito mais baratos e com distribuição bem mais limitada.

Receita de transferência de jogadores

Mais violência e menos dinheiro significa menor poder de competitividade no salário de jogadores, o que tende a reduzir o poder de barganha do clube na negociação com outros clubes que queiram contratar seus atletas. Além disso, a insegurança pode motivar o atleta a querer deixar o clube, o que também influencia no valor final da venda e, possivelmente, na sua performance em campo, que acaba também diminuindo o seu valor.

Receita de direitos de transmissão (televisão, internet, etc.)

Com estádios vazios e sem atmosfera, com poucos jogadores importantes e com patrocínios escassos, o valor do futebol como entretenimento televisivo é bastante reduzido. As matérias veiculadas pela imprensa em geral também denigrem a imagem do jogo, o que também acaba afetando o seu valor. Com a diminuição do valor televisivo de um campeonato, poucos canais se dispõem a disputar a exclusividade dos seus direitos, o que também diminui substancialmente o montante arrecadado com a venda de um campeonato.

Como é possível perceber, o peso da insegurança e da violência na arrecadação de um clube de futebol é enorme. Daí, portanto, a razão pela qual os grandes interessados em acabar com ela devem ser os clubes, e não tanto o governo. Cabe ao Estado fiscalizar e incentivar a idéia, mas não cabe a ele puxar a responsabilidade toda para si. Seria possivelmente muito mais efetivo que o governo enrijecesse o controle fiscal sobre os clubes para que eles começassem a perceber o quanto que a insegurança afeta na sua própria arrecadação, e consequentemente na sua performance esportiva, e tomar medidas práticas e constantes que busquem a melhoria das estruturas dos seus estádios e o maior controle sobre o comportamento da sua própria torcida.

Enquanto o governo for o único a se mexer e os clubes não perceberem o quanto esse processo afeta o seu próprio bolso, o futebol brasileiro estará fadado a enfrentar ciclos de ações contra violência com prazo de validade bastante limitado.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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