Faz algumas semanas, escrevi um texto sobre com vencer a equipe do FC Barcelona.
Alguns dias depois tive oportunidade de ficar sete dias em contato com a comissão técnica da equipe sub-17 catalã. Muitas informações importantes foram colhidas e trocadas.
O mais interessante, no entanto, veio ao final desses sete dias (em um sábado). Em decorrência do chaveamento do torneio que participava com minha equipe juvenil, enfrentaria justamente o FC Barcelona.
No dia anterior ao jogo recebi alguns e-mails lembrando-me do texto que havia publicado sobre como vencer o time espanhol – e que não poderia haver outro resultado (para manutenção da minha credibilidade) que não fosse minha vitória.
Obviamente que quando escrevi o texto, me referia ao primeiro time do FC Barcelona.
Porém, em função do processo de formação de atletas e equipes da “máquina” catalã (muito bem estruturado, vale salientar), desde cedo, o Modelo de Jogo dos profissionais é trabalhado e desenvolvido nas categorias de base, buscando constantemente ajustes que levem o processo para a excelência.
Então, não haveria desculpas plausíveis. Era a vitória ou “nada”.
Pois bem, jogamos e minha equipe venceu por 4 a 0 (e ainda teve o quinto gol anulado no final do jogo). Isso faz quase um mês, e desde então venho recebendo mensagens de leitores pedindo para contar a “história tática” do jogo. Como ela é muito longa, resolvi, contar um pequeno pedaço (pedaço fractal) dela.
Vou falar um pouco de algumas pequenas questões referentes a estruturação do espaço de jogo. Como já mencionei outrora, o FC Barcelona tem algumas características muito presentes em sua identidade.
Em primeiro lugar, ocupam o espaço horizontal do campo com muita amplitude, tanto na linha de defesa, quanto na linha do ataque (e pelo número de jogadores que tem na linha do meio-campo – três – também neste setor).
A grande amplitude, com uma geometria de 1-4-3-3 bem definida, cria para a equipe espanhola um bom número de apoios e gera uma dificuldade muito grande para o adversário pressionar a bola.
Em segundo lugar, com princípios operacionais bem estabelecidos para atacar, defender e fazer as transições, retomar a bola com rapidez e chegar rapidamente ao gol catalão deveria ser uma obrigação de sobrevivência por parte da minha equipe.
Seria um 1-4-3-3 contra um 1-4-4-2 (com losango no meio-campo).
A equipe do FC Barcelona, conhecida pelo jogo apoiado de passes rápidos e curtos raramente dá chutões. Isso acontece, em grande parte pelos motivos que já mencionei, somados ao fato de que o seu jogo se desenvolve especialmente a partir de seu volante (que participa da primeira fase da armação das jogadas) e dos seus laterais (que assumem o papel de armação quando o setor do seu volante está congestionado) – todos com grande qualidade para passar a bola em progressão.
Jogando em um 1-4-4-2 com um losango bem desenhado no meio-campo, problemas poderiam surgir, pois com a amplitude do FC Barcelona, poderia ser difícil pressionar os laterais e o volante ao mesmo tempo, e assim recuperar a posse da bola e impedir a progressão do jogo do time espanhol.
Então, um pequeno ajuste estrutural precisou ser feito no meio-campo da minha equipe para garantir melhor ocupação horizontal (equilíbrio) quando estávamos sem a bola, e pudesse, sem alterações significativas, permitir pressionar os laterais.
Os laterais do FC Barcelona apesar do bom domínio de bola, boa movimentação e bom passe, no “1 contra 1” ofensivo apresentavam certa dificuldade (não era habitual que eles tentassem o drible). Então, para a pressão nestes jogadores não era necessário mais do que um jogador da minha equipe.
Já para pressionar o volante (que além de bom armador, apresentava bom controle de bola e bom drible), era necessário que a pressão acontecesse com um número maior de jogadores.
Os atacantes do time espanhol que jogavam pelas “pontas” eram muito velozes e bons dribladores – de maneira que não poderiam receber a bola de frente para a meta defensiva da minha equipe a partir da “linha 4” (da minha defesa).
Os zagueiros do FC Barcelona, não habituados aos chutões, não recebiam pressão espacial ou temporal, já que o comportamento recorrente de cada um deles era o de buscar o passe ao volante ou aos laterais. Então, quando estavam com a bola, direcionávamos o passe para os laterais, para então tentar recuperá-la.
O que minha equipe buscava, então, na verdade, era uma rápida recuperação relativa da posse da bola. Isso significa que no ataque a bola era veloz e “voraz”, mas a partir de um gatilho específico, previamente combinado.
Em outras palavras, a pressão sobre a bola não ocorria em qualquer região do campo e sobre qualquer jogador. A pressão sobre a bola era meticulosamente planejada, para que o ataque a ela, quando do seu início, fosse muito veloz e eficaz.
Após a recuperação da posse da bola, a ocupação rápida de regiões específicas do campo de ataque permitia situações de igualdade e vantagem numérica que propiciavam, para meus jogadores, diversas e perigosas chegadas ao gol.
Claro, muitas coisas que envolveram os princípios operacionais e as regras de ação do jogo também tiveram peso fractal muito importante para o bom desempenho da equipe.
Como disse anteriormente, resolvi, neste texto, dar uma pequena detalhada em apenas uma das questões que envolveram a estruturação do espaço no campo de jogo. No final das contas, se minha equipe tivesse perdido o jogo, talvez, eu, tivesse perdido também um bom número de leitores.
Mas aqui é bom que se diga, que se a derrota tivesse vindo, não deveria desvalorizar os apontamentos que fiz quando escrevi o texto sobre como vencer o FC Barcelona.
No entanto, já que o futebol é assim, e aí está um pouco da sua magia, vale resgatar uma frase que gosto muito: “bem feito, é melhor do que bem explicado”.
Um “viva” aos meus jogadores.
É isso.
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br