A Inteligência Competitiva e o Espectáculo Desportivo

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A Inteligência Competitiva (IC) resulta de uma resposta cultural e operacional à globalização e às transformações individuais e sociais que este fenómeno originou. A IC pode mesmo definir-se como um sistema cultural e operacional de recolha, tratamento, análise e encaminhamento da informação, visando o processo de tomada de decisões.

A IC, como diz o meu amigo, Doutor Miguel Trigo (Universidade Fernando Pessoa), “deve fornecer a informação certa, no momento certo, de forma certa, à pessoa certa, para que, finalmente, esta última possa tomar a decisão certa”.

De acordo com os dados publicados pela Society of Competitive Intelligence (SCIP), no plano internacional mais de 80% das empresas que atingem lucros superiores a 10 biliões de dólares possuem sistemas organizados de IC.

De facto, estas empresas, actualizadas do ponto de vista científico e organizacional, apresentam departamentos de IC e superam assim as restantes em três importantes áreas: vendas, quota de mercado e ganhos por quota de mercado. Relativamente aos profissionais de IC, a “conditio sine qua non” de admissão são as qualidades pessoais do candidato, a sua informação e a sua cultura. No caso do futebol, eu acrescentaria uma incontida paixão por esta modalidade desportiva. Quem gosta do que faz, trabalha mais e melhor…

A informação e a cultura são, hoje, os grandes factores de desenvolvimento. A multidimensionalidade da Sociedade da Informação, que é a nossa, exige, também dos fazedores do espectáculo desportivo (e portanto do futebol) mais informação e, por extensão, mais cultura.

No nosso futebol (meu poiso durante 28 anos, através do dirigismo no C.F. “Os Belenenses”) há dois campos bem estremados em liça: o dos que se fundamentam na sua vida de ex-profissionais e o dos que, teoricamente tão-só, falam de futebol, até à exaustão – escasseando, tanto num lado como noutro, a informação e a cultura. Trata-se de uma lacuna tão evidente… que ninguém vê! Ocorre-me o conto de Poe, “The Purloined Letter”.

A polícia parisiense procura, em vão, na casa de um suspeito, uma carta politicamente comprometedora. A polícia investiga os pontos mais escondidos e… nada! Em desespero de causa, o chefe da polícia solicitou a colaboração de Dupin, precursor de todos os detectives da literatura policial, que rapidamente encontrou a carta procurada. De facto, a carta não se encontrava em nenhum esconderijo de difícil acesso, mas à vista de toda a gente. E nisto consistia a astúcia: o seu ocultamento era a sua fácil visibilidade. Acontece o mesmo com o nosso futebol. É tão evidente a incultura e a desinformação, que o fragilizam, que se torna difícil descobri-las e entendê-las.

Daí que eu ouse propor a criação de um departamento de inteligência competitiva (DIC), nos clubes de futebol profissional, na selecção nacional de futebol, liderado por um doutor em Desporto e composto ainda por um filósofo, um psicólogo, um fisiologista (ou um médico) e um treinador de futebol.

Com que objectivos? A criação de uma nova racionalidade, onde ciência e filosofia sejam complementares e portanto onde conhecer seja principalmente relacionar, contextualizar, organizar. E que ciência? Indubitavelmente, uma ciência hermenêutico-humana, dado que o futebol é menos uma Actividade Física do que uma Actividade Humana. Uma teoria científica do Desporto é sempre uma teoria científica do sujeito.

Sem as acções individuais e colectivas do praticante, o futebol (ou qualquer outra modalidade desportiva) não pode estudar-se como objecto do conhecimento. E, como ciência hermenêutico-humana, que método?

O método, para a máquina complexa que é o ser humano, será o que decorre do pensamento complexo, ou seja, o método da complexidade, ou método integrado (cfr. Francisco Silveira Ramos, Futebol – a competição começa na rua, pp. 31 ss.) onde, pelas acções típicas da competição, se treinam o individual e o colectivo, o grupo e as capacidades individuais físicas, intelectuais, emocionais. De sublinhar também que a realidade e a verdade são fruto de práticas discursivas complicadas. De facto, a realidade não pré-existe à razão e à linguagem.

O treinador deve, por isso, saber comunicar, para motivar. Por outro lado, o método da complexidade diz-nos que o jogador é homem, antes de ser futebolista, e portanto na preparação do futebolista não pode esquecer-se o homem capaz de assumir uma racionalidade e uma ética intersubjectivas e… um rigoroso “treino invisível”.

O DIC criará ainda e dinamizará dispositivos de recolha, tratamento e disseminação da informação, de acordo com os mais modernos princípios da informação e da comunicação e os interesses do departamento de futebol.

Semanalmente, este departamento encontrar-se-á com o treinador principal, apresentando-lhe a informação julgada necessária aos seus processos de decisão, como técnico de futebol. Também, todas as semanas, o DIC fará, só com os elementos que o integram, uma reflexão crítica sobre o papel da inteligência competitiva, como resposta cultural e operacional às problemáticas criadas pelo desporto de alta competição em geral e pelo futebol em particular.

Cada um dos elementos deste departamento perceberá senhas de presença pelas reuniões que efectuar. Porque sou um teórico tão-só e quem não pratica não sabe (eu aprendi a memorizar e a ver, não a fazer) peço desculpa por ter metido a foice em seara alheia.

*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

 

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