O passe, a prática e a perfeição: o círculo virtuoso dentro do jogo

Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade
Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade

Segundo o neurocientista norte-americano Daniel Levitin (da McGill University, Canadá), pesquisas sobre a excelência na execução de tarefas complexas têm sugerido que, para se atingir um grau de destreza condizente a de um "expert" em determinada área (em nível internacional), é necessário um tempo mínimo de prática.

De acordo com Levitin, estudos realizados com compositores, desportistas, pianistas, escritores, dentre tantos outros em diferentes áreas, têm aceito, consensualmente, que esse tempo mínimo seria de algo em torno de 10 mil horas de prática.

Esse número (10 mil horas) ficou conhecido e ganhou maior repercussão no Brasil, especialmente no ano de 2008 com a publicação em português, do livro "Outiliers: Fora de série" do jornalista britânico Malcolm Gladwell – no livro, o autor dedicou um capítulo inteiro para debater as tais 10 mil horas.

Pois bem.

Que são ou não necessárias no mínimo 10 mil horas (número mágico como diz Gladwell) para se atingir a maestria em nível internacional na execução de determinada tarefa complexa, não sabemos exatamente ao certo (apesar dos diversos estudos que vêm sendo realizados).

O fato, que é consenso, é que a prática sistemática e sistematizada é o menor caminho para se atingir a excelência em algo.

E se "nós somos aquilo que fazemos repetidamente e a excelência, então é um hábito" (Aristóteles), parece fazer muito sentido que o tempo de prática deva ser algo realmente determinante para a melhor execução de determinada tarefa (tarefa complexa, como menciona o neurocientista Daniel Levitin).

O futebol, em sua existência dinâmica como jogo, é uma composição infinita de tarefas complexas. Essas tarefas estarão presentes a todo o tempo.

Modelos, meios e métodos de treinamento deverão, cada um a sua forma, garantir a prática dessas tarefas.

Porém, ainda que se tenha uma preocupação complexa com a especificidade do treinamento de jogadores de futebol, e que se criem nos treinos, ambientes de aprendizagem muito similares ao do jogo formal competitivo, é nele (no jogo formal competitivo) que o conhecimento se assenta e que a repetição da tarefa complexa ocorre em sua forma mais "pura" e rica – a forma do jogo 100% jogo.

Então, se no jogo formal competitivo, jogadores e equipes puderem repetir na essência aquilo que é fundamental no jogar, estarão ao mesmo tempo praticando e evoluindo as tarefas do jogo de futebol.

Por exemplo, na Uefa Champions League 12/13, o Bayern de Munique, realiza em média por jogo, 608 passes (acertando 77% deles). O Benfica, de Portugal (já eliminado), na mesma competição, em seis jogos passou a bola, em média 439 vezes (com aproveitamento de 62%) – dados disponibilizados pela Uefa.

Isso quer dizer que em média (apenas para efeito didático), considerando o goleiro, cada jogador do Bayern, realiza por jogo, 15 passes a mais do que os jogadores do Benfica – o que ao longo de uma temporada pode representar um número muitíssimo maior.

Vejamos por exemplo o FC Barcelona na mesma Uefa Champions League 12/13. A equipe catalã, em oito jogos, já realizou 6640 passes (com 84% de aproveitamento). Isso dá em média, por jogo, 830 passes.

São 222 passes a mais, em média, do que a segunda equipe que mais passa na competição (o Bayern). Então, enquanto os jogadores do time alemão praticam o passe, em média, 55 vezes por partida, os do time catalão, 75 (35 mais passes por jogador do que o Benfica).

Supondo que as médias se mantenham nas outras competições disputadas por essas equipes, em uma temporada com 70 jogos os jogadores do Benfica terão realizado em jogo, em média, 2794 passes, os do Bayern 3869 e os do Barcelona 5282!

Então, com o mesmo número de jogos, no time catalão os jogadores terão realizado em jogo quase o dobro de passes dos jogadores do time português e aproximadamente 36% mais do que os do time alemão.

Não estou eu aqui defendendo a maneira da "A" ou de "B" jogar.
O que estou chamando a atenção, é para o fato de que em 6300 minutos de jogo formal competitivo por ano, jogadores do Barcelona realizam mais vezes a tarefa de passar do que os de todos os seus adversários (dados da Uefa e da Liga Espanhola mostram isso).

Óbvio que isso é resultado de treino – resultado reforçado, trabalhado e desenvolvido também no jogo formal – mas sob o ponto de vista da tarefa de passar, é concreto o fato de que o jogo competitivo, nesse caso, também está contribuindo muito para a maior destreza na sua execução.

E apesar de ser um exemplo mais significativo, por ser o passe o fundamento técnico de maior incidência no jogo de futebol, isso pode valer para a execução de outros fundamentos e tarefas.

No exemplo que estou mencionando – no caso do FC Barcelona e do passe – é possível dizer que quanto mais a equipe catalã passa a bola, melhor ela fica para passar.

E quanto melhor ela fica, mais ela vai passar, porque menos vai perder a bola; o que a fará melhor cada vez mais nesse fundamento (não por acaso, o FC Barcelona tem o melhor aproveitamento de passes da Uefa Champions League – mesmo tendo um ritmo elevado de transmissão da posse da bola [1 passe a cada 3.1 segundos] – o mais alto dentre as equipes participantes).

Isso gera um círculo virtuoso para a tarefa de passar a bola.
E ainda que alguém diga que 6300 minutos de jogo formal por ano represente quase nada perante aos 600 mil minutos (10 mil horas) apontados por Daniel Levitin, diria que devemos aí levar em conta sim, a qualidade da prática e o número de repetições da tarefa no tempo disponível para a sua exercitação.

Claro, não estou eu aqui descartando a importância do treino para se jogar o jogo que se deseja.

O fato, é que levando em conta a qualidade dos adversários e das competições que uma equipe como o Barcelona participa, não haverá melhor prática do que a do jogo competitivo.

Então, equipes que não têm bem definidos seus comportamentos de jogo, podem de certa forma, estar desperdiçando e negligenciando o próprio jogo formal como elemento para desenvolvimento e aperfeiçoamento de realização de tarefas.

É isso…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

Compartilhe

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email
Share on pinterest

Deixe o seu comentário

Deixe uma resposta

Mais conteúdo valioso