José Pedroto e Pinto da Costa: dois símbolos!

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Parece que foi ontem e são passados 44 anos sobre a pergunta que José Maria Pedroto me fez, com ar seguro do êxito da sua interrogação: "Diga-me cá, porque diz que não há educação física e a preparação física está errada?".

O professor João Mota (felizmente ainda vivo e são – e que o seja por muitos anos) que, nessa altura, era seu amigo e confidente (julgo não exagerar) logo me segredou: "Se se lhe mete na cabeça que tem alguma coisa a aprender consigo, está feito, nunca mais o larga. Ele é assim!".

Eu, em matéria de treino, era, sou, serei discípulo do dr. David Monge da Silva, durante a década de 70, meu colega na docência, no ISEF, ele de Teoria e Metodologia do Treino Desportivo, eu de Filosofia das Atividades Corporais. O fato de ter por mim horas e horas de conversa com o Monge da Silva e ainda, com menor frequência, com o Jesualdo Ferreira, o Mirandela da Costa, o Carlos Queirós e o Nelo Vingada, que criaram a disciplina de futebol, no ISEF, permitiu-me que respondesse a José Pedroto, com alguma segurança e mesmo num ímpeto de entusiasmo: "Se não me engano, tanto a preparação física, como a educação física, que por aí andam, são dois produtos de Descartes".

Comecei assim, acompanhado pelo João Mota, um convívio fraterno com o José Maria Pedroto, que não passou de uma dúzia de encontros, sempre no Porto, na pastelaria Petúlia e no café Valasquez e um outro em Lamego, acompanhados pelas nossas mulheres (a dra. Cecília Pedroto não me deixa mentir).

Comecei assim uma aprendizagem que se aprimorou com o José Mourinho e o Jorge Jesus. E, aqui e além, com o Artur Jorge, o Toni e o André Vilas-Boas. E ainda um “homem do futebol”, injustamente esquecido: Fernando Vaz! Aqui, também não devo esquecer o Prof. Mário Moniz Pereira, o maior treinador da história do atletismo, (e não só do atletismo português) que muito me ensinou também em matéria do treino…

José Maria Pedroto, na galeria de retratos dos muitos treinadores de futebol que já conheci, era uma alma forte, de aço puro, mas com uma qualidade que distingue os sábios: sabia que não sabia. Defendo, hoje, a criação de um Gabinete de Inteligência Competitiva (GIC) e uma organização que permita aos clubes, com alta competição, transformarem-se em produtores de conhecimento, como o hospital, para os médicos, ou o tribunal, para os juristas.

Sem invocar a necessidade do estudo de autores como Bachelard, Althusser, Piaget, Popper, Kuhn, Feyerabend, Foucault e Habermas – podemos avançar sem receio que o trabalho científico, num departamento de futebol, se situa no âmbito das ciências hermenêutico-humanas, em interdisciplinaridade com todas as outras.

Porquê? Porque o futebol, como Atividade Humana que é (e não só Atividade Física) é o homem-futebolista que estuda e trabalha e não só o físico. A tradição positivista que fazia do anátomo-fisiológico a única valência a ter em conta, na medicina e no desporto, está morta definitivamente. Por isso, no futebol, não há remates, mas pessoas que rematam; não há fintas, mas pessoas que fintam; não há saltos, mas pessoas que saltam. Se eu não preparar pessoas para os remates, para as fintas, para os saltos – não há remates, nem fintas, nem saltos que possam servir à tática (ou táticas) que o treinador estabelece.

A grande revolução que há a fazer, hoje, no treino, decorre da resposta a esta interrogação que o treinador deve fazer, de si para si, antes de cada sessão: qual é o tipo de homem que eu quero que nasça deste treino?".

E, ao mesmo tempo que a tática se imprime na motricidade dos jogadores, qualidades intelectuais e morais e políticas se desenvolvem no seu ânimo, no seu entendimento da profissão que abraçaram. O futebol do futuro não vai contentar-se com o bom, vai exigir o melhor – que, no futebol, não é tática tão-só!

José Maria Pedroto, se ajudou à construção (lado a lado, com Pinto da Costa) do novo F.C.Porto, tal se deveu, em primeiro lugar, à amizade que o unia ao seu presidente, mas também à sua permanente vontade de mais informação. Ele rapidamente concluiu que eu, de futebol, bem pouco sabia. Mas, nem por isso deixou de pacientemente me escutar, porque até em mim, modestíssimo professor do ISEF de Lisboa, a sua argúcia poderia descobrir uma palavra, uma sugestão, com algum interesse à sua visão do futebol. Pedroto já sabia que não havia fronteiras rígidas entre os diferentes campos do saber.

Conservo uma carta extensa, que me escreveu e que bem merece uma séria reflexão interdisciplinar. De Jorge Nuno Pinto da Costa está tudo dito. É o líder admirado e respeitado de uma organização modelar, disciplinada (porque é numa organização modelar, disciplinada de trabalhadores do conhecimento que está o segredo). Mas, não deixo de acrescentar ainda que, com ele e José Maria Pedroto, o futuro do F.C.Porto deixou de confinar-se às sombras da dúvida e da ansiedade, para transformar-se numa força, num horizonte, numa luz, numa fé. Pinto da Costa e José Pedroto: dois símbolos, sem os quais o F.C.Porto não seria o que hoje é.

Edgar Morin, no seu livro Ciência com Consciência escreve: "Uma teoria, dotada de alguma complexidade, só pode conservar-se à custa de uma recriação intelectual permanente". Foi isto o que fez José Maria Pedroto; é isto o que faz Jorge Nuno Pinto da Costa. Com os resultados que se veem. Quais as escolas científicas e filosóficas, onde eles podem filiar-se? Ocorre-me a famosa passagem de Shakespeare: "Há mais verdades, no céu e na terra, do que podem discernir todas as filosofias do mundo".

Uma nótula a terminar: quando o Prof. José Mourinho treinava o futebol "portista", ele e eu dialogávamos, com alguma frequência um com o outro. Muitas vezes, por meio do "fax". Só que, de quando em vez, o "fax" não era escrito pelo José Mourinho, mas pelo sr. Antero Henrique que me dizia escrever em nome do seu treinador de então. No entanto, muitas vezes fiquei na dúvida sobre a autoria do texto que me era enviado.

Hoje, quando o vejo, nos jornais e na TV, lado a lado com o sr. Pinto da Costa, durante as sessões de treino do F.C.Porto, sou tentado a não ter dúvidas: havia dedo do sr. Antero Henrique, num ou noutro "fax" que me chegavam, em nome do meu querido e antigo aluno José Mourinho (hoje, sou eu o discípulo e ele o mestre). E, se assim for, é indesmentível a competência do sr. Antero Henrique. De fato, nestas coisas o presidente, raramente se engana…

 

*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela
Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

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