Questão de postura

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 As últimas rodadas do Campeonato Brasileiro deflagraram uma série de discussões sobre estratégias. Uma rápida olhada pela tabela é suficiente para entender que há grandes degraus de motivação em brigas por título, classificação para torneios internacionais ou para evitar o rebaixamento.

Antes de qualquer análise aprofundada, é importante pontuar que isso não se deve à fórmula de disputa. Se o Nacional fosse disputado em fase de classificação e mata-mata, como funcionava até 2002, haveria debates semelhantes no término da primeira etapa ou entre os times que caíssem na fase eliminatória.

A questão não é de modelo, mas de postura. No atual modelo, haveria debate sobre diferença de motivação e entrega de resultados mesmo se o Campeonato Brasileiro fosse disputado em fases eliminatórias desde o início da temporada.

Aqui cabe um parênteses do parênteses: não é um problema os clubes preservarem titulares ou escalarem formações mistas. Aliás, isso é extremamente comum em torneios de outras regiões – no futebol europeu, por exemplo.

Outra questão é o calendário. É difícil cobrar regularidade de jogadores que são submetidos a esforços superiores ao que eles podem entregar. A temporada do futebol no Brasil é extenuante e sequer considera aspectos como recuperação, desgaste físico e nível do jogo.

Com tudo isso em mente, é fundamental que o futebol brasileiro tenha um debate sobre postura. As conversas pontuais oferecem poucos efeitos práticos e são extremamente danosas para o espetáculo.

Nesse ponto, a questão técnica vira um problema de comunicação. O campeonato tem rodadas com lances bonitos e jogos decisivos, mas o assunto é sempre a postura de um time ou a falta de compromisso de outro.

O futebol brasileiro precisa urgentemente deixar de ser visto como um assunto individual. Enquanto os times brigarem apenas por suas aldeias, a guerra estará sempre perdida.

De vez em quando eu acho que exagero ao usar o mercado dos Estados Unidos como contraponto, mas é necessário nesse caso: as grandes ligas esportivas norte-americanas fomentam estratégias individuais de comunicação para o mercado interno, mas você raramente vê algo fora de lá qualquer ação que seja focada em apenas um time.

As ligas norte-americanas têm um senso coletivo de venda. Para o mercado externo, o que vale é o campeonato.

A liga profissional de basquete dos Estados Unidos (NBA) tem mais de 80 jogos na fase inicial. É um calendário arrastado, com uma série de rodadas que decidem pouco. Lá também há discussões sobre times que preferem perder para fecharem o ano com piores campanhas e terem vantagem na escolha de atletas da temporada seguinte.

A diferença é: nos Estados Unidos a discussão sobre motivação e entrega de jogos não prejudica o espetáculo. A visão que se tem do que acontece em quadra é absolutamente diferente do que existe aqui.

O futebol brasileiro tem vários problemas, mas no fim todos desembocam em uma discussão muito semelhante. Não há como tratar o esporte aqui como um produto e vender de forma adequada se o pensamento for individualizado.

A visão individualizada foi ratificada nos últimos anos pela distribuição de direitos de mídia, que é negociada separadamente, mas esse está longe de ser o ponto precursor do debate.

Na última semana, Coritiba, Fluminense e Vasco começaram a vasculhar súmulas do Campeonato Brasileiro a fim de encontrar pontos que pudessem gerar punições a outros times e mudar a briga contra o descenso. Os três pensaram em seus interesses e recorreram a ações lícitas. E o campeonato, como fica?

O futebol no país não vai evoluir como produto enquanto olhar apenas para o próprio umbigo. A CBF administra a seleção, os clubes cuidam de suas marcas e ninguém se preocupa com o que une essa cadeia. E aí eu não falo do Campeonato Brasileiro, mas de todos os pontos coletivos – competições, espaço na mídia, venda comercial e eventos, por exemplo.

O futebol brasileiro, assim como outros setores do país, tem um problema de postura. Isso não é uma exclusividade local, tampouco um fator que inviabiliza totalmente a sobrevivência do esporte. Mas é fato que o tratamento dado ao mercado somente potencializa o defeito.

Nesse sentido, o Bom Senso F.C. é uma demonstração do quanto os clubes brasileiros estão atrasados. Os jogadores se uniram para discutir soluções coletivas e que sejam pertinentes para todo o futebol. Quando os times tiveram qualquer articulação parecida?

Até o Clube dos 13, que foi fundado em 1987 com a incumbência de ser o embrião de uma liga esportiva, foi frustrante nesse aspecto. O grupo reuniu apenas a elite do futebol nacional e limitou a discussão a ponto de se transformar em um balcão de negociação com a TV.

Dirigentes que olham para o Bom Senso F.C. como uma manifestação pelo bem dos atletas apenas ratificam a limitação de visão do futebol brasileiro. Já passou da hora de todas as instituições envolvidas no esporte sentarem para pensar no bem coletivo. O futebol precisa disso.

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