Egoísmo

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Faltavam poucos minutos para o clássico entre São Paulo e Santos, no Morumbi, no último domingo (18). Mas não foi sobre o jogo que o presidente da equipe tricolor, Carlos Miguel Aidar, conversou com jornalistas no saguão do estádio. Ele foi questionado sobre atrasos de salários – segundo a revista “Veja”, o técnico Muricy Ramalho não recebe há três meses.

Aidar desmentiu a notícia e chamou de “maldade” o texto da revista. Depois, admitiu que a situação financeira do São Paulo é complicada: “Não temos débitos fiscais, mas temos compromissos bancários a saldar”.

“Deixamos de ter receitas que seriam importantes. Com a Copa, os grandes anunciantes redirecionaram esforços, e nós estamos sem patrocinador principal no uniforme. Fomos desclassificados de forma precoce no Campeonato Paulista, não tivemos receita com venda de jogadores e ficamos sem atividades durante um período grande por causa do Mundial”, continuou o mandatário tricolor. De acordo com Aidar, o São Paulo só não fechará o ano com déficit se negociar dois ou três atletas “por valores expressivos”.

O presidente disse ainda que a situação já era prevista no orçamento do São Paulo, mas que foi agravada pela conjuntura: “Nós temos uma tradição de estabilidade econômica, mas temos de ter sensibilidade para entender o momento”.

O São Paulo gasta quase R$ 10 milhões mensais apenas com a folha de pagamento do elenco. Além disso, teve de pedir socorro à TV Globo no meio do ano – o time recebeu um adiantamento de R$ 50 milhões da emissora, valor sem precedentes na história tricolor.

A situação do São Paulo já seria suficientemente preocupante se fosse um caso isolado, mas é um retrato do que acontece em praticamente todos os times do Brasil. Por contingências do mercado ou por comportamento perdulário – ou ambos, em muitos casos –, é difícil encontrar equipes que não estejam assustadas com os números que serão colocados no balanço de 2014.

Pululam entre dirigentes de equipes brasileiras reclamações sobre o período de inatividade do futebol local para a Copa de 2014. O intervalo interrompeu receitas de match day dos clubes (bilheteria e todo o faturamento associado ao dia de evento). E muitos não souberam conviver com essa estiagem.

É o caso do Náutico. Ao contrário do São Paulo e do rival local Sport, o time alvirrubro não tem contrato com a TV Globo até 2018. A diretoria pernambucana assina vínculos de um ou dois anos com a emissora, o que reduz a perspectiva de receita de médio e longo prazo.

O calendário criado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para 2015 tem um mês de férias e 25 dias de pré-temporada. Gláuber Vasconcelos, presidente do Náutico, já avisou que não tem como custear isso. A ideia do mandatário é dispensar o elenco no fim de 2014 e remontar o grupo pouco antes do início do Campeonato Pernambucano.

A medida é pragmática. Afinal, o Náutico tem de competir com o Sport, que tem receita maior e mais segurança de aporte da TV. A saída é concentrar investimento – é mais fácil disputar com o rival se a temporada tiver apenas dez meses de gasto.

A temporada 2014/2015 do Campeonato Espanhol, que começou no último fim de semana, marcou a estreia do Eibar, promovido pela primeira vez à elite nacional. Proveniente de uma cidade com 27 mil habitantes, trata-se do menor time da primeira divisão.

O Eibar não possui dívida, mas quase foi impedido de disputar a primeira divisão porque não conseguia comprovar receita. O time vendeu cotas sociais e atraiu mais de 8 mil investidores. Conseguiu amealhar 2,1 milhões de euros e foi confirmado na elite.

A situação do Eibar foi motivo de enorme polêmica na Espanha. Como um clube sem dívida pode ser ameaçado de não disputar a elite nacional por não ter faturamento suficiente enquanto a primeira divisão é cheia de equipes com débitos gigantescos?

Os exemplos do Brasil e do Eibar são consequências diretas de modelos parecidos. No Brasil e na Espanha, o futebol é vendido individualmente. Clubes com mais potencial ganham muito mais – e essa lógica não vale apenas para o contrato de TV, seara em que ela fica mais evidente.

O futebol está longe de ser exato. Portanto, nem sempre um investimento maior significa mais sucesso. No entanto, no médio e no longo prazo a diferença de receita provoca um desafio para a gestão de quem recebe menos.

Desde a implosão do Clube dos 13, em 2011, o futebol brasileiro adotou negociação individual de direitos de transmissão. Essa prática já valia para outros contratos, ainda que receitas de outras naturezas fossem menosprezadas pela maioria.

Enquanto esse modelo sobreviver, é fundamental que os clubes brasileiros entendam as consequências. É impossível que equipes com faturamento menor sigam tentando competir em igualdade. É imprescindível que elas assimilem a diferença de receita.

Isso inclui a comunicação, é claro. O Campeonato Brasileiro tem como bandeira o equilíbrio. É a competição em que pelo menos dez ou 12 clubes começam a temporada pensando em título. E isso está errado.

No início da temporada na Espanha, quantos são os times que pensam em título? Mesmo o Atlético de Madri, último campeão nacional no país ibérico, tem investimento estrangeiro e uma política mais austera do que Barcelona e Real Madrid, os campeões de receita do país.

Já passou da hora de os clubes com menor faturamento jogarem limpo com seus torcedores. “Entramos no Campeonato Brasileiro pensando em um lugar entre os dez primeiros da tabela”, por exemplo. Pelo menos enquanto sobreviver o atual modelo egoísta.

Essa não é uma comparação entre tamanho, história ou competência dos clubes. Pelo bem da instituição nos próximos anos, porém, uma equipe que fatura menos precisa mostrar que é impossível competir.

Essa lógica ficaria bem mais evidente se o futebol brasileiro planejasse a temporada. A tese de que o dinheiro se esvaiu por causa da Copa do Mundo é fácil, mas todo mundo sabia que haveria uma Copa do Mundo. Difícil é encontrar um meio para compensar os meses sem receita.

Já passou da hora de os clubes brasileiros estarem menos suscetíveis a intempéries do mercado. Palmeiras, Santos e São Paulo não têm um patrocinador máster atualmente, por exemplo. Ainda assim, investem muito na montagem de seus elencos. Será que essa conta fecha?

A primeira pergunta é por que os clubes brasileiros atraem poucos patrocinadores. O Manchester United, que acaba de incluir na camisa a Chevrolet, tem 38 aportes de fora da Inglaterra. Quantos são os parceiros comerciais do Corinthians ou do Flamengo, independentemente d
a origem?

A segunda pergunta é como isso afeta a receita anual. Clubes podem ficar meses sem receitas milionárias de patrocínio, mas reclamam por passar alguns dias sem bilheteria? Não parece lógico.

A terceira pergunta é por que, em um cenário de baixa, clubes brasileiros seguem investindo e gastando milhões em folhas salariais inchadas. Não adianta ter um carro importado se você não tem onde morar.

Os questionamentos e os problemas do futebol brasileiro são cada vez mais comuns entre os clubes. Enquanto a mensagem para os torcedores for truncada, porém, vamos seguir pensando que a crise é do mercado, e não do modelo. As equipes nacionais choram coletivamente, mas são individualistas ao buscar soluções. 

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