Galeano nos deixa. Carsughi nos leva

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– Não há nada mais vazio do que um estádio vazio. Não há nada mais mudo que as arquibancadas sem ninguém.

O futebol uruguaio e mundial ficam mais vazios e mudos sem o escriba Eduardo Galeano nas tribunas e nas arquibancadas. Amigo de Obdulio Varela, ele tem uma análise mais crítica que apaixonada do 16 de julho de 1950. Para o Uruguai e para os uruguaios:

– Nós ficamos ali, naquele jogo, no Maracanazo. Às vezes, a memória atua como âncora, não como catapulta. Desde 1950 nós vivemos prisioneiros da nostalgia.

Galeano tinha a capacidade de enxergar com poesia e rebeldia. Contra o futebol moderno. Muitas vezes contra a modernidade. Mas sempre a favor do futebol, do jogo de bola, da paixão acima de tudo e de todos, com aquele saudável e incurável romantismo:

– O futebol profissional, o futebol como negócio, esse parece cada vez mais uma piada de mau gosto. Ricardo Teixeira, elevado à cúpula da Fifa, ocupando-se da justiça e do jogo limpo no futebol mundial?

Era Galeano brigando com quem não gostava do jogo, no máximo das jogadas. Era o uruguaio enfrentando até ideologicamente quem não gostava do futebol – ou do soccer.

– Os americanos chamam de “futebol” a um enfrentamento militar que se disputa com as mãos. Do outro futebol, o que se joga com os pés e não exige violência, dizem que é o esporte do futuro… Tenho pena deles. Ele é que perdem.

Nós perdemos muito sem Galeano. Tenho pena de nós. Até pelos exageros próprios de quem se emociona:

– Por sorte ainda aparece nos gramados algum descarado cara-de-pau que sai não se sabe de onde e comete o disparate de desmoralizar toda a equipe rival, e ao juiz, e ao público das arquibancadas, pelo puro prazer do corpo que se lança à aventura proibida da liberdade.

Como ele se derretia por Don Diego Armando:

– Maradona é incontrolável quando fala, mas é muito mais quando joga. Ele não se repete. Ele adora driblar os computadores que não podem processar o seu gênio. Ele tem olhos em todo o corpo.

Galeano amava o jogo e a personagem de Digo, como escreveu em 2004:

– Maradona é um mito. Porque foi um jogador excepcional e, isso, é sinal de identidade do nosso tempo; Porque foi um rebelde que desafiou os poderosos; E porque muita gente se identifica com esse santo bandido, que faz gols com a mão e se dopa com cocaína; É sujo, incoerente, louco; Ou seja: este santo é popular porque é humano; Mais parece pertencer ao Olimpo grego que ao paraíso cristão. No frígido futebol do fim de século, que exige ganhar e proíbe divertir-se, este homem é um dos poucos que demonstra que a fantasia também pode ser eficaz.

Hedonista, Galeano não dava a menor pelota às táticas e estratégias que normalmente aqui falamos:

– A história do futebol é uma triste viagem do prazer ao dever.

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Assim ficamos ao perder Galeano.

No mesmo dia em que ganhei-perdi um mestre como Claudio Carsughi, que deixou o meu novo local de trabalho, a Rádio Jovem Pan.

Carsughi ainda nos ensina só por estar mais jovem que muitos. Galeano não deixa sombras. Só a luz.

Mas a saída do imperador hertziano Claudio do local onde brilhou por 58 anos pela inteligência, sabedoria, ética, tranquilidade, correção, descrição e discrição é daquelas sensações que não temos palavras.

Só Carsughi poderia dizer quanto é clamorosa a sua despedida.

Mas, elegante como é, ele responde pelo silêncio que tantas vezes disse tudo com ele.

Ou pelas poucas palavras dele que sempre venceram a minha e a nossa verborragia.

Carsughi é um precursor no uso (inteligente) de estatísticas no esporte. Não chutava. Amortecia as melancias e jacas a ele atiradas e fazia um sumo de qualidade e força e luz.

Também não tinha sombra no jornalismo de Carsughi. Apenas o sol iluminada da Toscana onde ele nasceu há 82 anos. Na Arezzo das notas musicais de Guido de Arezzo. Tinha de ser.

Fica de lembrança inesquecível de Carsughi no rádio as tantas horas coladas no ouvido e as minhas imitações do rigor jornalístico do mais inglês dos italianos. A alegria de ele ter colaborado em um dos meus livros palmeirenses, escalando os 10 maiores ídolos palestrinos. Como eu também o escalaria fácil entre os 10 mais de tudo que se refere à notícia. Ele e outro imenso Claudio – Zaidan.

Se fosse ainda mais louco e quisesse ter um filho jornalista, talvez eu escolhesse o nome de Claudio. Não é, Zaidan e Carsughi?

O exemplo deles é eterno.

Como pra sempre vai ficar na minha memória a hora que passei com ele no Esporte em Discussão desta segunda-feira. Das 13 até 14 do dia 13 de abril de 2015. A hora que trabalhei com Carsughi.

Não sabíamos que seria a última na rádio.

Mas saberemos sempre que um microfone tão importante não se aposenta e não se desliga.

Carsughi estará sempre ON. Jamais OFF. No máximo standy. Nunca goodbye.

Clamorosa honra trabalhar uma hora com o mestre.
 

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

 

 

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