A entrevista de Alexandre Pato

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O São Paulo tinha acabado de derrotar o Coritiba por 2 a 1 em duelo válido pelo Campeonato Brasileiro – no último domingo (25), jogando em Curitiba. O gol da vitória dos visitantes foi marcado pelo atacante Alexandre Pato em um lindo chute colocado, de pé esquerdo, de fora da área. Um repórter do “Sportv” interpelou o camisa 11 da equipe tricolor logo depois do apito final e perguntou sobre a importância do “talento individual”. E aí começou uma das conversas mais nonsense da temporada.
“Pato, num jogo difícil como esse, no fim o talento individual acabou prevalecendo?”, questionou o repórter.
“Cara, eu troquei a camisa com o goleiro [Wilson, do Coritiba] porque ele fez uma grande defesa na minha tentativa de gol. Eu olhei para trás e acho que perdi a concentração. Achei que ele já estava em cima de mim e tentei chutar rápido. Poderia ter deixado ele para trás e pensado só na hora de concluir, mas acho que ele fez uma grande defesa. Às vezes a gente tem de dar mérito para o goleiro, também. Foi por isso que eu troquei a camisa com ele”, respondeu Pato.
A absoluta falta de conexão entre pergunta e resposta remete a um trecho da autobiografia do tenista Andre Agassi (Agassi – autobiografia, da editora Saraiva, lançada em 2010). No trecho em que fala sobre entrevistas, o norte-americano admite que não se lembrava da maioria das conversas que havia tido logo depois de partidas. Talvez por excesso de concentração, por adrenalina ou simplesmente por cansaço, o fato é que esse está longe de ser um bom ambiente para manter uma conversa lúcida.
Alguns personagens motivaram estratégias nesse sentido. Jogadores como os ex-goleiros Fabio Costa eram sempre os primeiros interpelados depois de uma derrota ou de uma falha. Todos os jornalistas sempre souberam que a chance de eles falarem algo controverso ou inapropriado.
Todos esses casos são exemplos da série de fatores que interfere em qualquer declaração. Há componentes como a pressão, o cansaço, a insatisfação com o próprio desempenho ou com o outro, a euforia por um bom resultado, a tristeza por um mau resultado ou mesmo as convicções momentâneas. Amadurecimento é um processo constante, e isso também precisa ser considerado.
Ninguém deve ser reduzido a uma declaração ou a determinado posicionamento. Rótulos são fáceis demais de pespegar, sobretudo em personalidades mais conhecidas, e nós muitas vezes não temos discernimento para entender isso.
Os artífices da Democracia Corintiana, por exemplo, não desenvolveram essa consciência política desde sempre. O mesmo vale para o outro lado: aposto que todas as personalidades do esporte têm posicionamentos ou entrevistas que gostariam de apagar – alguns mais, outros menos.
O esporte é, afinal, uma reprodução de todos os problemas que temos como sociedade, e os tropeços decorrentes da urgência são parte disso. De toda forma, há dois aspectos relevantes nessa discussão:
– Que nós consigamos evoluir sempre, ainda que isso signifique trair ou retrair posicionamentos e convicções. Mudar de ideia também é fundamental para o amadurecimento;
– Que nós saibamos trabalhar essa evolução e cobrar das personalidades do esporte um nível de consciência cada vez mais acurado. Essas pessoas são, pois, espelhos para uma enorme parcela da sociedade.
Todo esse processo é relevante no esporte por uma questão de disseminação pelo exemplo, mas apenas repete necessidades de toda a sociedade. Qualquer evolução no debate passa por um combate aos rótulos e às soluções perenes. Com tantas variáveis, nenhuma solução na comunicação pode ser perene.
Essa lógica vale para o esporte, mas vale também para a sociedade. É fundamental ter isso em conta após a polêmica do tema da redação do Enem. O exame nacional do ensino médio, realizado em âmbito nacional no último fim de semana, ofereceu como tema a violência contra a mulher. Foi a senha para muitos classificarem a prova como “instrumento de doutrinação esquerdista”.
O simples fato de um tema como esse aparecer em uma prova tão relevante já é prova de evolução do debate. Temos falado mais, e falar mais sobre assuntos tão delicados é fundamental para formar uma geração mais crítica.
Sim, é preciso combater reações de misoginia e desconstruir o machismo que interfere em diferentes âmbitos da sociedade atual. Sim, é fundamental que isso não seja aceito ou legitimado. Entretanto, também é importante que comportamentos e entendimentos distorcidos não sejam vistos como provas irrefutáveis de que algumas pessoas não podem evoluir.
No esporte, o que fazemos muitas vezes é privilegiar apenas a virtude. Da seleção feita pelas peneiras ao comportamento da comunicação de qualquer instituição, tudo é dirigido às manifestações natural (o atleta mais talentoso, o torcedor mais apaixonado e o clube com maior popularidade, por exemplo).
E o que é feito para desenvolver o restante da cadeia? Quem se preocupa com a formação de mais torcedores apaixonados, com a possibilidade de burilar atletas menos talentosos ou com a ascensão de clubes menos populares?
Comunicação também é um processo de formação social. O esporte tem um papel incrível para isso e pode fomentar evoluções que poucas searas conseguem. Para isso, porém, é fundamental despir as ações de conceitos pré-estabelecidos. Segregar não é bom para ninguém – principalmente se for uma segregação em detrimento da possibilidade de aprendizado.

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