Após ter empatado por 0 a 0 com o América-MG no último domingo (24) e ter sido eliminado do Campeonato Mineiro, o Cruzeiro anunciou a demissão do técnico Deivid. O Palmeiras caiu no Paulista no mesmo dia, superado nos pênaltis pelo Santos (empate por 2 a 2 no tempo normal). Não interrompeu o trabalho do treinador Cuca, que chegou ao clube com a temporada 2016 em andamento, mas já avisou que vai reforçar o elenco para o Campeonato Brasileiro – a equipe alviverde já havia caído na fase de grupos da Copa Libertadores. Há muito mais coincidências nessas histórias do que o fracasso em torneios estaduais. A principal é que ambas revelam uma enorme falta de convicção. E a comunicação, nesse caso, só reforça isso.
Deivid saiu do Cruzeiro com dez vitórias, cinco empates e duas derrotas em 17 partidas. O treinador tinha 68,6% de aproveitamento de pontos e ainda terminou a primeira fase do Campeonato Mineiro com a melhor campanha. No entanto, vinha sendo criticado por parte da torcida e tinha pouco estofo – o trabalho deste ano é o primeiro dele como treinador.
O Palmeiras foi o time que mais contratou jogadores no Brasil durante as duas últimas temporadas. Em 2016, investiu em nomes como Erik, egresso do Goiás, para o setor ofensivo. Ainda assim, encarou o Santos com Roger Guedes, 19, como titular no ataque – o jogador também chegou ao clube neste ano e entrou na vaga de Dudu, que estava lesionado.
Você treinaria o Cruzeiro hoje? Mesmo sabendo que não existe qualquer convicção sobre o trabalho e que pressões externas podem exercer enorme influência em qualquer análise sobre o contexto?
Você seria jogador do Palmeiras hoje? Mesmo sabendo que o time contrata em profusão, muitas vezes sem critério, e que seu espaço pode ser limitado pelo excesso de opções em algumas posições?
Sim, é possível que os dois casos sejam apenas revisão de curso. É possível que o Cruzeiro tenha avaliado que o estilo proposto por Deivid não era o ideal e que encontre um treinador para realizar um trabalho longevo no clube. É possível que o Palmeiras busque peças para poder parar de contratar. Mas não foi nada disso que a comunicação dos clubes mostrou.
Depois das eliminações do último domingo, Cruzeiro e Palmeiras se comportaram como se seus trabalhos fossem descartáveis. É isso que assusta.
O Cruzeiro poderia ter demitido Deivid, é claro. O Palmeiras pode julgar que necessita de mais reforços. Não são as decisões que estão em análise aqui, mas as conduções dos clubes nos dois casos.
O que mais falta no futebol brasileiro hoje é identidade. Da seleção aos clubes, existe uma carência gigante de ideias claras e que sejam disseminadas em toda a cadeia. É por isso que o Audax, finalista do Campeonato Paulista, é uma das grandes notícias do futebol brasileiro em 2015.
O Audax não é o Leicester, time que está perto de conquistar um surpreendente título inglês. Não é uma equipe de repertório curto, de comportamento acanhado ou de soluções mais simples. O técnico Fernando Diniz moldou uma filosofia de proposição de jogo, de controle da bola e de alternância de ritmo. Tudo é bem engendrado em um elenco que não tem ídolos ou referências técnicas, mas que sabe exatamente o que se espera.
Conta a favor do Audax o fato de não ter torcida gigante, é claro. É um time que tem tempo para trabalhar e espaço para tomar sustos. O que mais chama atenção, entretanto, não é o resultado: é o fato de eles terem uma identidade marcada.
Entre os grandes do futebol brasileiro, talvez só o Corinthians tenha algo similar. A formação, as movimentações e o comportamento precedem qualquer apresentação sobre o time montado por Tite.
Fernando Diniz e Tite podem não ser gênios da raça. Não é uma análise com superlativos. Mas eles são, de muito longe, os dois profissionais que mais sabem transmitir ao público a identidade que eles pretendem implantar. Comunicação é isso, afinal.