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Abordar essa temática, independentemente do cargo da comissão técnica ocupado, é sempre uma boa reflexão. Por isso, como treinador e curioso (quem só sabe de futebol, de futebol pouco sabe), me sinto desafiado em entender melhor as repercussões da pré-temporada. Convidei para me ajudar na confecção do texto dois profissionais de grande nível (Wanderley Brilhante Júnior e Dênis de Lima Greboggy), ambos com conhecimento de fisiologia e metodologias de treinamento. Também colhi a opinião de três grandes profissionais e preparadores físicos (Marcos Cézar, Eduardo Frazilli e Fernando Rossini) para balizar com mais propriedade a coluna.

A famosa pré-temporada é o inicio da época fundamentada na distribuição das sessões de treinamentos iniciais durante um período de 20-30 dias. Esse tempo é disponível para as equipes no Brasil, haja visto o calendário apertado, em que, comissões técnicas se mobilizam para difundir seus conteúdos, proporcionando condições adequadas para o inicio das competições.

Num passado não muito distante, ainda atual, as pré-temporadas eram idealizadas como campos de guerras que visavam apenas preparar fisicamente os jogadores para o restante da temporada. Dois a três turnos por dia, trabalhos de atletismo e halterofilismo, realmente, um grande campo de guerra. Muitos trabalhos realizados sem controle, com possibilidade de inúmeras lesões, e até mesmo problemas de saúde geral. Resumindo, uma preocupação obsessiva com a dimensão física, buscando provocar um “lastro físico” que “seria suficiente” para sustentar a temporada toda.

Pré-temporada do Internacional/ Fonte: Arquibancadacolorada.com.br
Pré-temporada do Internacional/ Fonte: Arquibancadacolorada.com.br

 
 
Time do Grêmio em pré-temporada (Foto: Eduardo Moura/Globoesporte.com)
Pré-temporada do time do Grêmio (Foto: Eduardo Moura/Globoesporte.com)

Algumas novas formatações, com trabalhos físicos mesclados com a bola para gerar um efeito placebo, foram aparecendo mas ainda muito focados na dimensão física e na expectativa que a pré-temporada só sobrevivia com estímulos físicos agressivos ou com a sobre-solicitação das vias energéticas, especialmente a aeróbica. Um pouco mais a frente, trabalhos com bola em formato de jogos reduzidos ganharam popularidade, aliados com outros trabalhos um pouco mais próximos do jogo, mas ainda voltados para medir parâmetros físicos gerais, o que de certa forma mantém a ideia fracionada.

Foto: Alexandre Vidal - Fla Imagem/ Maiortorcida.com
Foto: Alexandre Vidal – Fla Imagem/ Maiortorcida.com

Isso traz a tona uma questão já amplamente discutida: a dissociação das dimensões do jogo, priorizando a dimensão física exageradamente neste inicio de época.

Desse panorama, alguns questionamentos são feitos: pode apenas adaptações físicas garantir o rendimento da equipe ao longo da temporada por meio da pré-temporada? Caso garantam, em que momento as ideias de jogo atuam?

Várias respostas podem ser dadas, mas está claro que ao treinar apenas fisicamente desde o primeiro dia, se negligencia outras relações e interações preponderantes.  E o que se vê, especialmente nos dois primeiros meses, são equipes desorganizadas, e que, ironicamente e invariavelmente, se cansam. Mas porque, se os jogadores treinaram 20 dias fisicamente?

Por exemplo, estudos têm mostrado que o músculo esquelético possui os chamados mionúcleos e células satélites, que ajudam a acelerar o processo de ganho de massa muscular após períodos de destreinamento. Então, o excesso pode ser prejudicial? Será que pode gerar adaptações funcionais e estruturais em todos os níveis e relações do jogar treinando menos e treinando a forma de jogar desde o primeiro dia? Poderia esse argumento auxiliar na pré-temporada dos clubes?

A dimensão física é apenas a expressão das ações que faço, quem sabe a mais visível e palpável. E o treino físico geral cria acomodações para determinada ação (corridas intervaladas ou contínuas, por exemplo), melhora os estoques de fosfagênios, as respostas enzimáticas, as concentrações de metabólitos, entretanto, o jogo é muito mais que isso, e o jogar que se pretende, se existir uma ideia, também.

Então, a quantidade e variabilidade das interações do jogar e do jogo em ambiente de caos-organizado-interno-externo modifica totalmente o cenário, trazendo fadiga precoce, queda de desempenho (diminuindo a capacidade de manter ações em quantidade e qualidade), muito em função da falta de desenvolvimento da forma de jogar desde o primeiro dia da época. É uma questão de habituação e adaptabilidade. Assim, a dimensão física específica, que nada mais é que uma habituação da forma de jogar balizada pelas ideias de jogo, garante a eficiência, eficácia e fluidez de todas essas ações por mais tempo e com qualidade durante todo jogo.

Existem diversas possibilidades oriundas de metodologias de treinamento alicerçadas sob o pensamento complexo, não fragmentando treinamentos para determinadas dimensões, mas relacionando a adaptabilidade que se pretende, relevando momento (inicio de época), objetivos (introdutório de conteúdos) e metas (tempo para alcance da adaptabilidade estrutural-funcional e fisiológicas, ex. estrutural-funcional – construção da complexidade nas interações de determinado grupo de jogadores na organização ofensiva, ex. fisiológico – adaptações progressivas metabólicas e neuromusculares para provocar a variabilidade de ações ao atingir um jogar mais complexo).

Dentro dessa ideia, pode-se perceber o entendimento dos preparadores físicos abaixo:

Atualmente, entendo que ao ter uma equipe nova, esse período vai servir para conhece-la como um todo. Agora, se a equipe se manter, com poucas modificações, você vai dar continuidade àquilo que você vinha implantando e fazer os ajustes necessários. Diferente do que se pensava, não cabe mais a visão reducionista de pré-temporada, onde segmentava as dimensões. Hoje, desde o primeiro dia de trabalho, as atividades devem estar elaboradas para desenvolver o modelo de jogo, a filosofia de jogo que o treinador quer. Por isso, eu entendo que o preparador físico deve ter uma relação muito próxima do treinador, ter entendimento da dimensão tática e de metodologias diferentes. Também, se o atleta tiver desequilíbrios, embasados nas avaliações iniciais, pode-se individualizar alguns treinos complementares. Não consigo entender a pré-temporada como o período que os atletas carregam as baterias para época toda. É impossível construir qualquer tipo de desempenho apenas nesse período. Isso vai sendo adquirido durante toda temporada e os ajustes são feitos de forma semanal interagindo com o treinador. (Marcos Cézar, Preparador Físico da Categoria Profissional da Chapecoense)

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Acredito no viés sistêmico, em que todos os componentes são levados em consideração de forma conjunta e unigênita, servindo de base para o adquirir de um jogar específico e modelado que irá sustentar o modelo de jogo da equipe ao longo da temporada competitiva. Penso que a pré-temporada apresenta apenas este fim, uma vez que a tão sonhada “base fisiológica” fornecida pela pré-temporada que, de acordo com alguns serviria para a manutenção do desempenho do restante da temporada, não se aplica, tendo em vista os princípios da progressividade, especificidade e destreinamento inerentes ao processo da temporada competitiva. (Eduardo Frazilli, Preparador Físico da Categoria Sub 17 do Desportivo Brasil)

A primeira semana é adaptativa. Isso quer dizer que reduziremos o volume, mas a intensidade relativa será sempre máxima. As semanas ao longo do ano têm uma estrutura padrão bem semelhante. Mas por trás desta estrutura padrão teremos importantes progressões das cargas complexas de jogo. Trabalhamos após os testes inicias, desde o primeiro dia de treino do ano, atividades com bola que buscam sempre potencializar nossa forma de jogar. Estas atividades seguirão uma periodização ao longo do ano. O treino físico, técnico, tático estão juntos e ao mesmo tempo. Usamos atividades sem bola apenas no inicio do treino, como forma de ativação e duram em torno de 10 minutos, e nas sessões de força na academia, que geralmente são realizadas duas vezes na semana, desde a primeira semana de trabalho. (Fernado Rossini, Preparador Físico da Categoria Sub 20 da Ponte Preta)

Não existe certo ou errado no futebol, tão pouco se quer questionar metodologias de treinamento alicerçadas apenas sobre a premissa biológica, e muito menos diminuir a dimensão física, pois ela é sim importante. Sem dúvida, se for encarada de uma forma específica, sustentará o desempenho específico da equipe ao longo da época.

Ao longo dos últimos anos, as pré-temporadas vêm sofrendo evoluções qualitativas buscando se adequar ao calendário apertado, ao pouco tempo e as novas tendências do futebol. A busca e o entendimento de novas metodologias automaticamente respaldam novas intervenções.

Esse pensamento conecta o todo a tudo (complexidade) e exige sintonia fina entre o treinador e preparador físico. Então, antes de elaborar a pré-temporada, olhar para a forma de jogar, ver como ela se expressa e se desenvolve, é um bom caminho. Essa identificação capital favorecerá a otimização dos treinamentos, possibilitará melhores e mais consistentes adaptabilidades, e todos ganham no desenvolvimento desse processo, especialmente os jogadores e a fluidez da equipe precoce.

Abraços e até a próxima quarta.

 
 

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