O segredo de Daniel Alves

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Gostaria de ter publicado este texto na semana passada, mas tive de priorizar questões pessoais. Espero que o assunto não tenha se perdido no dinamismo esquizofrênico desse mundo que comporta cada vez mais conteúdo entre 140 caracteres e textões, mas paradoxalmente diminui constantemente a atenção a qualquer coisa.

Feito o preâmbulo de mea culpa, é importante dizer que a relevância do assunto não se perdeu. Trata-se de um texto publicado pelo lateral direito brasileiro Daniel Alves, 35, no site “Player’s Tribune”. Veiculado originalmente em inglês e intitulado “The secret” (“O segredo”, em tradução livre), o depoimento fala de quando o jogador trocou o Barcelona pela Juventus, da preparação que precede suas apresentações e de como isso tem a ver com a trajetória que o colocou ali. Todos os sentimentos expostos ali, como a relação com a família e o desejo de dar orgulho ao pai, despertam empatia quase imediata. É impossível ler sem entender o que o atleta sente, pensar no quanto ele é similar às “pessoas comuns” e como essa concepção é diferente das principais características que moldaram a imagem de Dani Alves nos últimos anos.

O texto de Daniel Alves é um exemplo do quanto a imagem do lateral foi mal trabalhada ao longo da carreira.

Daniel Alves é um jogador brasileiro de carreira tão longeva quanto prolífica no futebol europeu. Sobrevive há anos entre os principais da posição e já demonstrou repertório extremamente diversificado em aspectos como tática e técnica. Já disputou Copa do Mundo como lateral e como meio-campista. Já foi a principal válvula ofensiva de um Barcelona que ficará eternamente marcado como um dos times mais espetaculares da história.

O sucesso esportivo, contudo, é apenas uma faceta de Daniel Alves. O brasileiro também ama roupas, adora visuais extravagantes, é verborrágico, é nacionalista e tem outras tantas características que nós conhecemos pouco.

Porque Daniel Alves, um dos jogadores brasileiros mais relevantes das últimas décadas, também é uma personalidade que nós conhecemos pouco?

Foi o lateral direito que disse que Guardiola queria treinar a seleção brasileira. Foi o lateral direito que cobrou da imprensa de seu país uma postura mais condescendente (e até torcedora) com a equipe nacional. Foi o lateral que falou tantas vezes sobre o que aprendeu (dentro e fora das quatro linhas) em sua passagem pela Europa.

Não faltaram aparições públicas a Daniel Alves. Não faltaram entrevistas, conversas com alguns dos veículos mais relevantes da mídia global. O que faltou foi um plano de comunicação que soubesse transmitir o que o texto publicado no “Player’s Tribune” transmite.

Fundado pelo ex-jogador de beisebol Derek Jeter, o site oriundo dos Estados Unidos já conseguiu publicar textos de algumas das personalidades mais relevantes do esporte mundial. A ideia é que os atletas apresentem seus sentimentos e falem sobre suas trajetórias – o conteúdo é transformado em texto por uma equipe tão competente quanto experiente.

É importante que exista uma plataforma disposta a ouvir os atletas e transmitir um pouco mais do que é percebido por mídia e público. Mas a necessidade de um canal assim só é tão grande porque faltam planos estruturados de comunicação para cada personalidade.

As características mais marcantes de Daniel Alves para uma parcela significativa do público no Brasil são coisas como “marrento”, “fala demais”, “só se preocupa com roupas”, “fútil”, “deslumbrado” e outras tantas coisas nada positivas. Também não é nada do que o texto mostra.

A maioria dos atletas do Brasil ainda confunde a existência de uma estratégia de comunicação com a contratação de uma equipe de assessoria de imprensa, de um profissional para gerenciar contratos de imagem ou com o tempo de exposição do personagem. Essa concepção é apenas um exemplo de como o erro, nesse caso, provém da base e não do processo de comunicação.

O que um atleta precisa é de um plano de comunicação que traduza com eficiência as características positivas que ele tem. Que potencialize o carisma e que melhore a relação dessa personalidade com o mercado, os fãs e os veículos de mídia. Assessoria de imprensa, nesse caso, é apenas uma parte do todo.

Já passou da hora de entendermos a necessidade de pensar o atleta como uma marca e de trabalhar para explorar de forma correta os pontos positivos dessa marca. A comunicação tem mudado no mundo todo, com uma dependência cada vez menor de meios tradicionais. O poder da narrativa não tem mais interlocutores ou intermediários. O segredo de Daniel Alves foi escancarar isso a todos.

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