A Copa do Mundo não indica necessariamente o melhor time do planeta. Disputada em tiro curto, a competição está mais para um recorte de qual é a melhor equipe do mês em questão. Contudo, a relevância do evento é tão grande que ele acaba provocando marcas que são muito mais longevas. A Espanha de 2010, por exemplo, incutiu em qualquer discussão sobre futebol o assunto “posse de bola”; a Alemanha de 2014 fez com que vários países repensassem noções de organização e longo prazo. Essa revisão demanda tempo, é claro, e ainda é impossível dizer, horas depois do título da França na Rússia, quais conceitos serão influenciados no futuro. O certo é que o Mundial de 2018 vai influenciar de forma contundente a sequência do maior jogador brasileiro da atualidade. Com o certame ainda quente, já é possível dizer que Neymar está em xeque.
Protagonista antes mesmo de se tornar profissional, Neymar sempre conviveu com pressão. O sarrafo de cobranças foi gradualmente sendo elevado, acompanhando o nível dos feitos de um jogador que é titular da seleção brasileira desde o início do ciclo passado e que já se transformou no terceiro maior artilheiro da equipe nacional. Sobretudo porque o camisa 10 escapou de ter sua imagem arranhada pelo 7 a 1 de 2014 – acometido por uma lesão nas costas, não participou daquele revés. Existia, portanto, um altíssimo grau de expectativas em torno dele antes do Mundial da Rússia.
A primeira discussão sobre esse caso, contudo, é o perfil dessas expectativas. Neymar foi duramente cobrado por dar pouca – ou nenhuma – atenção à mídia tradicional. Não conversou com jornalistas depois da derrota para a Bélgica nas quartas de final da Copa de 2018, por exemplo. Quase todas as interações dele com microfones na Rússia foram em tom de desabafo ou de reclamação sobre as críticas que vinha recebendo.
Neymar não foi à Globo para desabafar, como dizia a cartilha de seus antecessores na seleção. Ronaldo Nazário, por exemplo, alicerçou-se na emissora carioca sempre que teve crises de imagem ou de carreira. Usou como pôde o potencial de comunicação e a janela para transmitir ao público a imagem que ele queria.
Só que a geração de Neymar não fala com a Globo. Aliás, a geração de Neymar sequer conversa com a mídia tradicional. O atacante do Paris Saint-Germain é um dos primeiros grandes ícones do esporte brasileiro a ter sido forjado já na era da internet, com a capacidade de criar seus próprios canais de comunicação e lidar apenas com sua bolha. O resultado: desde que a Copa de 2018 acabou, a única mensagem do camisa 10 foi um post em seu Instagram. Nada mais sintomático.
É curioso notar que Neymar recebe cobranças de comportamento de uma geração que simplesmente não se comporta como ele. Por seu desempenho esportivo expressivo e pela ausência de uma liderança clara, o camisa 10 da seleção é constantemente alvo de expectativa sobre suas atitudes. E aí entra uma incapacidade que a mídia nacional revelou (novamente) durante a Copa: entender que os atletas são seres humanos falíveis e que não podem tomar caminhos que não os deles.
Em outras palavras: não adianta exigir que Neymar seja o líder que ele não é. Não adianta esperar que ele tenha um comportamento linear durante os jogos – ao contrário, o atacante tem desempenho baseado em provocações e em levar seus rivais ao limite em diferentes níveis. Todo o teatro condenado pelo mundo é parte essencial do que Neymar é como atleta e de como ele entende o jogo. Todo o descaso de Neymar com a mídia é parte essencial do que ele é e de como enxerga a comunicação.
A questão é que Neymar viralizou. O camisa 10 é, sem qualquer dúvida, o grande perdedor da Copa de 2018. Além de ter saído do Mundial muito menor do que entrou, tornou-se um símbolo do teatro, do exagero e do antijogo. Virou tema de desafios e piadas pelas redes sociais sobre suas quedas expressivas.
Aí entra o ponto nevrálgico da questão Neymar: ele sempre cultivou um estilo de exageros e extremos e nunca fez questão de se comunicar com um público que não é o dele. Viveu durante anos numa bolha de parças e comentários mediados nas redes sociais. Passou um tempão achando estar imune a todas as críticas ou cobranças, desde que respondesse em campo. De certa forma, as avaliações negativas eram combustível para o camisa 10. Basta ver o comportamento dele nos Jogos Olímpicos de 2016, quando o “todos contra mim” foi um de seus principais esteios emocionais até o título.
É impossível que Neymar siga pensando que o mundo o persegue. É impossível que siga falando apenas com sua bolha ou pensando apenas em seu mundo constituído. A Copa de 2018 serviu para mostrar a ele que os gols e os títulos nem sempre são resposta. A narrativa importa, e um olhar mais minucioso para quem consome a informação também é fundamental numa era em que há muito mais oferta disponível.
A grande discussão sobre Neymar depois da Copa não é se ele vai ser melhor do mundo um dia, se vai para o Real Madrid ou se vai continuar sendo o principal jogador da seleção brasileira. O ponto de interrogação em torno do atacante agora é como ele vai repensar sua relação com a mídia. E isso vale até para as mídias próprias.
PS: A decisão da Copa de 2018 reservou para os brasileiros um dos grandes momentos do evento. O desabafo do comentarista Walter Casagrande Júnior na TV Globo foi coisa de quem tem grandeza de espírito e de quem não está preocupado apenas com o próprio umbigo. Foi emocionante e digno de todos os aplausos. Também foi uma lição de humanidade e de humildade que o próprio Neymar deveria ver com bastante carinho.