A comunicação na tragédia

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Um incêndio no centro de treinamentos utilizado pelas equipes de base do Flamengo matou dez garotos e deixou pelo menos três feridos no dia 08 de fevereiro, no Rio de Janeiro. Além disso, serviu como gatilho para escancarar erros de procedimento e de comunicação de autoridades e do próprio clube. A ferida criada pelo episódio talvez nunca seja fechada, mas poderia causar menos danos de imagem se tivesse sido conduzida de maneira diferente. A despeito de ter criado um comitê unicamente para lidar com a crise advinda da tragédia, a diretoria rubro-negra empilhou erros em seus posicionamentos públicos.
Em primeiro lugar, essa análise não contém julgamento técnico ou de responsabilidade, avaliação que compete à Justiça e aos entes adequados. Ainda que um incêndio dessa proporção jamais possa acontecer sem boas doses de negligência, é preciso fazer uma investigação minuciosa e cautelosa, desprovida de conceitos pré-concebidos. Já se sabe que o espaço não tinha alvará ou autorização para o fim a que se dedicava; já se sabe que os contêineres usados para alojar os garotos estavam longe de ser a estrutura mais segura e/ou adequada; já se sabe que havia um déficit de janelas, saídas de emergência e planos de evacuação; já se sabe que não houve treinamento e/ou preparação dos moradores para casos assim.
Também não existe aqui um julgamento sobre o comportamento do Flamengo com as vítimas e suas famílias. Desde o incêndio, a diretoria do clube tem priorizado essas ações e priorizado esforços para lidar com a dor dos que ficaram. O presidente falou pessoalmente com os parentes e participou ativamente da condução desse momento tão difícil para essas pessoas. Além da dor, muitos dos meninos já eram arrimos de famílias.
No entanto, uma instituição do tamanho do Flamengo não pode se limitar a lidar com os que foram diretamente afetados e com a investigação conduzida por entes competentes. Existe um despreparo na gestão de crise e um erro no senso de proporção que um evento assim possui.
O Flamengo não pode ser tratado como uma empresa qualquer. Trata-se de uma instituição beneficiada há anos por recursos públicos – renúncias fiscais, planos de renegociação de dívida, aportes de estatais e acesso a mecanismos de financiamento de projetos esportivos e culturais, por exemplo. Uma das principais justificativas para a destinação desses recursos é o impacto social das equipes de futebol.
Também existe no Flamengo um trabalho de socialização fundamental para a sociedade brasileira. As escolinhas e os times de base atuam em espaços que o Estado não consegue preencher, e isso intensifica sobremaneira o impacto do incêndio. Aquele local em que dez garotos morreram aglutinava os sonhos de centenas de famílias – a proporção da tragédia só não foi maior porque os treinos da tarde anterior haviam sido cancelados em função das chuvas no Rio de Janeiro.
Por tudo isso, o Flamengo tem obrigação de ser assertivo em momentos de crise. É fundamental que o clube fale, que se exponha ao contraditório e que faça isso de forma humilde, sem fugir das responsabilidades e das dores.
A comunicação do Flamengo deveria ter começado com um pronunciamento, algo que o clube só fez muitas horas depois. Deveria ter continuado com uma entrevista coletiva aberta, com acesso irrestrito a documentos e materiais relacionados ao licenciamento do espaço.
Os tropeços são especialmente relevantes porque o Flamengo é um clube que vem se organizando nos últimos anos, aprimorando processos e lidando com um passivo gerado por administrações anteriores.
O exemplo do Flamengo é apenas o mais bem acabado, mas a crítica vale para todos os times brasileiros. Quem tem um protocolo ou um comitê pronto para lidar com crises? Quem está pronto para atuar nos momentos em que a comunicação é mais necessária e precisa ir além das redes sociais?
Num momento em que o mundo está cada vez mais acostumado a posts rasteiros e rasos, o Flamengo tinha uma chance clara de mostrar que uma instituição desse tamanho pode até sentir grandes impactos, mas não pode ficar atônita e precisa saber reagir. Isso vale para qualquer revés, em campo ou fora.
A grandeza das instituições está justamente no comportamento delas em momentos chave da história. O Flamengo, infelizmente, perdeu uma grande oportunidade no episódio do incêndio. Ali morreram coisas que vão muito além dos dez garotos.
 

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