Os colegas que me acompanham há mais tempo se lembrarão de uma coluna que escrevi em fevereiro, na qual fazia alguns apontamentos sobre as variações do meio-campo em losango. Como disse à época, é uma estrutura que me agrada muito (os motivos estão no texto) e que, ao mesmo tempo, parecia estar próxima da extinção, ao menos nas grandes ligas.
Felizmente, este início de temporada europeia trouxe algumas surpresas, e já não cabem em uma mão as equipes que, uma vez ou mais, vi jogando em losango até agora. Mas na última semana, me surpreendi ao assistir um jogo não apenas com uma, mas com as duas equipes jogando em 4-3-1-2: Brescia x Juventus.
Neste texto, gostaria de avançar um pouco mais neste sistema, que acho tão rico. Vejamos.
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Como já conversamos em outros momentos, acho fundamental termos em mente, quando falamos dessas coisas, as diferenças entre estrutura e modelo. Quando falamos de modelo de jogo, falamos de um elemento maior, transversal, estável, que atravessa os jogos, as semanas e os meses de competição. Por outro lado, quando falamos das estruturas, falamos de um elemento mais pontual, mais flexível, passível de ser alterado de um jogo para outro, muitas vezes dentro do próprio jogo. Ambos os conceitos estão dentro de uma noção maior, que podemos chamar de tática (portanto, tática e estruturas táticas são coisas diferentes). Daí que este seja um texto em que falaremos mais de estruturas do que de modelo.
Ao mesmo tempo, acho bastante saudável perceber como cada treinador lida com as relações entre modelo e estrutura. Alguns são mais flexíveis do ponto de vista estrutural, alteram tranquilamente os sistemas de acordo com a partida, mas o fazem sabendo que, uma vez que é o modelo a referência principal de comportamentos individuais, grupais e coletivos, as respostas aos problemas do jogo tendem a se manter (para citar um exemplo conhecido, posso falar de Jorge Sampaoli, que faz isso com enorme competência). Por outro lado, também há treinadores que praticamente vinculam a estrutura ao modelo, ou seja: uma determinada distribuição espacial é parte quase que inegociável dos comportamentos coletivos, e são poucas as chances de mudanças da estrutura dentro do jogo ou mesmo ao longo do tempo. Neste caso, um exemplo que me ocorre é Antonio Conte, hoje na Internazionale (falamos dele na última semana).
Marco Giampaolo, hoje no Milan, é um desses treinadores mais próximos deste segundo exemplo que citei: não me lembro de tê-lo visto, nos últimos anos, abrindo mão do losango de meio-campo. Mas o difícil começo de temporada do Milan parece ter causado alguma insegurança neste sentido. Nessas situações, em que precisamos reverter um contexto negativo, será que nossa maior preocupação deve estar nas estruturas ou deveria se voltar para o modelo? Se levarmos em conta a flexibilidade de um e a maior estabilidade do outro, talvez seja uma pergunta mais difícil de se responder do que parece.
Todas as equipes que jogam em losango podem ser conceituadas como 4-3-1-2, mas nem todos os 4-3-1-2 são losangos. Foi parte do que me ocorreu assistindo a este Brescia x Juventus, na última semana, especialmente a partir do comportamento da Juventus, hoje treinada por Maurizio Sarri. Ainda que claramente em um 4-3-1-2, me parecia se tratar de uma equipe que, especialmente no momento defensivo, não exatamente se dispunha em losango, mas sim em algo mais próximo de um triângulo, com três meias em linha (no caso, Pjanic, Khedira e Rabiot), logo atrás de Ramsey, meia-central. Embora os jogadores mais abertos da linha de três saíssem em diagonal vez por outra (o que acaba sendo um recurso importante nesses sistemas, especialmente para cobrir os corredores laterais), a estrutura principal me parecia ser essa. Por outro lado, o Brescia, também jogando em 4-3-1-2, adotava um losango nítido, de referências defensivas zonais – próximas daquilo que observei em fevereiro, quando falei da Sampdoria. Ou seja, o losango ocupa os espaços em função do movimento da bola, flutua de acordo com o movimento da bola e flutua cuidando para que a área do losango seja a menor possível, encurtando as possibilidades do adversário por dentro (isso parece especialmente relevante no futebol italiano).
Do ponto de vista defensivo, quais são as vantagens de se posicionar em um 4-3-1-2 que não seja um losango? A meu ver, talvez haja pelo menos duas vantagens: a primeira é que, pelo menos a priori, o volante tende a ficar menos sobrecarregado, especialmente se o adversário tiver alguma tendência para construir no espaço entrelinhas. Se a largura dessa linha de três for baixa (o que provavelmente irá acontecer se as referências forem zonais), melhor ainda. A linha flutua junto da bola e, em condições normais, haverá coberturas em todo o setor. A outra vantagem, por arrastamento da primeira, está na ocupação daquilo que alguns colegas alemães chamam de half space – os espaços bem entre os corredores lateral e central. Numa defesa em losango, a chance deste espaço estar descoberto bem às costas dos dois meias abertos é potencialmente maior do que na comparação com esta linha de três a que me refiro. Quando Pep Guardiola se refere aos ‘espaços indefensáveis’, lugares do campo que, segundo ele, são impossíveis de se defender, tenho alguma convicção de que ele fala exatamente destes lugares, e acho que o grande exemplo está em algumas das leituras exuberantes de Kevin de Bruyne (a assistência dele para o gol de Sterling, neste vídeo, representa bem o espaço a que me refiro) .
Voltando ao 4-3-1-2, lembre-se ainda do Slavia Praga, de que falei na última coluna, cujo losango de meio-campo se defende não por zonas, mas sim por encaixes individuais – e o faz de maneira elogiável.
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Do ponto de vista ofensivo, vejo pelo menos duas observações importantes no 4-3-1-2. O losango, a meu ver, oferece melhores possibilidades quando comparado ao ‘não-losango’, uma vez que as alturas dos jogadores de meio-campo tendem a ser diferentes (ou seja: em um losango, os quatro jogadores de meio-campo ocupam pelo menos três linhas diferentes, enquanto que neste ‘não-losango’, o meio-campo tem apenas duas linhas diferentes, concorda?). Isso tem repercussões importantes na construção ofensiva, uma vez que as diagonais (o chamado escalonamento) podem qualificar as opções de passe do portador da bola, ao mesmo tempo em que causam maiores danos em potencial à defesa adversária, uma vez que alturas diferentes no campo tendem a facilitar o encontro do espaço entre as linhas – especialmente se pensarmos que existe uma tendência contemporânea para defesas em 4-4-2 ortodoxo (duas linhas de quatro) e 4-1-4-1. Neste segundo exemplo, caímos naquela mesma situação que citei acima, o possível espaço às costas dos meias, entre os corredores. Daí a potência de alturas diferentes no ataque.
O mesmo raciocínio, amigos e amigas, vale para as transições ofensivas, onde o losango me parece ter uma natureza mais sofisticada do que o ‘não-losango’, exatamente em razão das diagonais. Imagine uma situação em que nosso volante recupera a posse de bola na intermediária defensiva. Se jogamos em um ‘não-losango’, provavelmente ele terá duas opções imediatas de passe a seu lado – mas ambas na mesma linha. Do ponto de vista de retirada da bola da zona de pressão, pode não ser uma alternativa das mais interessantes, especialmente se o adversário tem bons mecanismos de transição defensiva (como tem este Flamengo, por exemplo). Por outro lado, na mesma situação, uma estrutura em losango pode oferecer ao nosso portador duas opções nas suas diagonais, ambas podendo alcançar, talvez em um toque, o meia-central, que também estará próximo. Para equipes que desejam transições mais apoiadas, especialmente via corredor central, vejo que o losango oferece potencialidades bastante importantes.
Pense ainda nas repercussões que o tamanho (ou a área) deste losango pode ter quando visto dentro de um certo modelo de jogo. Por exemplo, se a ideia for atacar apoiado, concorda que quanto maior a área do losango, talvez menores sejam as conexões imediatas para o portador da bola, especialmente se a ideia for dar um ritmo alto ao ataque, com poucos toques? Neste caso, talvez seja indicado que as distâncias sejam menores, os meias mais próximos, exatamente para facilitar as conexões entre eles. Digo isso também porque foi uma das coisas que me incomodaram na Juventus, neste jogo que citei, quando havia uma clara tendência dos meias (Khedira e Rabiot) para abrir o losango, atacar os espaços em diagonal, diminuindo as conexões por dentro – muito embora esta também seja uma preferência pessoal minha, que talvez não fosse a ideia do treinador naquele momento (ainda que eu desconfie o contrário).
De qualquer forma, repare como estrutura e modelo, ainda que diferentes, estão em diálogo constante.
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Por hoje está suficiente – mas o tema está longe de se esgotar. Vou trazendo o assunto aos poucos, também de acordo com as reações e comentários de vocês.
Continuamos em breve.