25 anos de nossa Carta Magna e o esporte brasileiro: temos o que comemorar?

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Dia 05 de outubro passado comemoramos as “bodas de prata” da Constituição Federal Brasileira. Batizada pelo seu relator, Ulysses Guimarães, de Constituição Cidadã, não recebeu ela, naquela ocasião, apoio do partido político que desde 2003 se encontra à frente do Governo Federal, por conta do entendimento nele presente de que os marcos regulatórios da Carta tinham seus limites no ordenamento societário estabelecido a partir do modo de produção capitalista, não antevendo anseios de sua superação..

25 anos depois, o processo de recrudescimento das forças conservadoras faz aquele mesmo partido – além de outros do campo da esquerda – defendê-la, por visualizar na conjuntura brasileira e mundial sérios indícios do esfacelamento daquilo que nela indicava avanços, ainda que consignados na lógica capitalista.

Se no âmbito geral o entendimento vai em direção ao acima apontado, o que temos a dizer acerca do seu capítulo destinado ao Esporte? Também em relação a ele ficamos com a compreensão de que devemos defendê-lo por identificar nele avanços hoje ameaçados?

Se há os que comemoram os “25 anos de Constitucionalização do Esporte brasileiro” – e não são poucos – existem também – e não são muitos – os que não enxergam no artigo 217 e seus parágrafos motivos para comemorações.

Primeiro, ao traduzir o desporto como “direito de cada um” (“É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um…”), não deixa dúvidas sobre o porquê de sua não presença no conjunto dos direitos sociais (Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. – Redação dada pela Emenda constitucional nº 64/2010).

Segundo, por dar base a uma lógica de organização esportiva formatada sob forte influência dos referenciais neoliberais de Estado e Governo que passaram a vigorar em nosso meio. As leis infraconstitucionais Zico (Lei 8672/93 e Decreto 981/93) e Pelé (Lei 9615/98 e Decreto 2574/98) deram margem ao descrito por Meily Assbú Linhales* como um processo de mudança dirigido fundamentalmente pelo confronto entre os interesses liberalizantes — que buscavam autonomia de mercado para o esporte — e os interesses conservadores, que entendiam essa liberalização como uma ameaça ao poder constituído oligarquicamente.

Pois o embate entre liberalizantes e conservadores foi responsável pelo surgimento da autonomia e da pluralidade como elementos de mudança, que contraditoriamente mesclavam-se aos traços deixados pela conservação de antigas práticas. Tal linha de reflexão — ainda de acordo Meily e por nós endossada — nos conduziu a um quadro onde, em nenhuma das duas direções, se consolidaram alternativas que vissem o Esporte como uma necessidade e/ou direito social, e tampouco o Estado como mediador e ponto de equilíbrio entre os interesses antagônicos existentes no setor esportivo.

Pois a chegada do PT ao Governo Federal, mesmo que limitada pelas alianças ao centro e dele, à direita, acenou para a possibilidade do até então contra-hegemônico traçar a indicação de parâmetros para que a democratização do Esporte (e da libertação do lazer de seu jugo) pudesse ocorrer e ser usufruída por todo o conjunto da população brasileira.

Derivou-se daí a necessidade de se estabelecer as condições para que se construísse o entendimento do espaço de vivência das práticas corporais e esportivas, como local privilegiado de elevação do nível de seu entendimento, enriquecendo-as de valores que interagissem na construção de uma cidadania (esportiva) plena.

É neste entendimento que se sustentaria o princípio da Inclusão: primeiramente, entendendo ser dever de o Estado garantir a toda sociedade o acesso ao Esporte e ao Lazer, neles identificando a capacidade privilegiada de vir a contribuir, ao lado de outras ações de governo, nos esforços de inclusão social (daí derivando-se o jargão inclusão social através do esporte) de parcela significativa da população brasileira.

Materializar-se-ia assim, o objetivo de sinalizar para a inversão da lógica da presença do Estado no campo esportivo, atribuindo-lhe prioritariamente caráter subsidiador, contudo, de outro sentido que não aquele reforçador do modelo concentrador, representado graficamente por uma pirâmide trazendo, em seu vértice, o esporte de alto rendimento e, em sua base e centro, respectivamente, o esporte de massa e o estudantil subordinados aos objetivos do “de cima”.

O que se almejava propor era a implantação de um modelo exemplificado por círculos autônomos e, ao mesmo tempo, interdependentes, nos quais o esporte recreativo (ou social, como também o chamam), o estudantil e o de alto rendimento fossem respeitados em suas especificidades e, em um mesmo momento, mantivessem canais de comunicação sinalizadores de um conceito de sistema esportivo construído em relações isonômicas e não hierarquizadas, respeitando-se para o financiamento público dessas suas dimensões, o estabelecido em nossa Constituição.

Em paralelo, desanuviando-se o quadro, visualizar-se-ia o Lazer em toda sua plenitude, cada vez mais livre das amarras da cultura do entretenimento e não mais submetido à dominação da instituição esportiva, cada vez mais propenso a ser assumido como política de estado de índole transversal e intersetorial.

Pois a esperança traduzida em possibilidade histórica não se traduziu em realidade histórica, frustrando a expectativa de muitos e empurrando para frente a materialização do que ainda permanece no universo da utopia.

O texto constitucional, referenciado no trabalho desenvolvido pela Comissão de Reformulação do Esporte Brasileiro (Decreto 91.452 – 19/07/85), constituída pelo então ministro da Educação da “Nova República” de José Sarney, Marco Maciel, e coordenada pelo liberal, capitão de fragata e professor Manoel José Gomes Tubino, responsável maior pelo Relatório “Uma nova política para o Desporto brasileiro: Esporte brasileiro, Questão de Estado” (1985), cedeu à pressão dos “senhores feudais do esporte” – expressão do professor acima, portanto livre de qualquer desvio esquerdista – criando um precedente hoje justificador da lógica de privilegiar a exceção (recursos públicos para o esporte performance) em detrimento da regra (recursos p&uacu
te;blicos prioritariamente para o esporte educacional e de participação), ainda que, se assim não fosse, daria no mesmo, pois na lógica piramidal acima exposta, ingressando os recursos onde quer que fosse, seu destino seria o alto rendimento, situação mantida até os dias atuais.

Mas ao pessimismo da razão devemos juntar o otimismo da ação, conforme lição Gramsciana, e nesse sentido devemos saudar a iniciativa legislativa — primeiro da Câmara Federal e em 17 de setembro passado, do Senado — de aprovação do Projeto de Lei de Conversão (PLV 22/2013), oriundo da Medida Provisória 620/2013, deliberando por regras impositivas da democratização, participação e transparência das entidades esportivas, tanto as de administração quanto as de prática do esporte, estando agora nas mãos da presidente Dilma sua sanção.

Que não precisemos esperar as bodas de ouro para termos o que festejar no terreno esportivo, mais do que nosso desejo é nosso esforço de trabalho e luta no campo das políticas esportivas.


*O pensamento da professora Meily aqui apropriado deriva de sua dissertação de Mestrado (“A trajetória política do esporte no Brasil: interesses envolvidos, setores excluídos”) defendida em 1996 junto à área de ciências políticas do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG.

 

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