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Atrasos em contas e salários. Dívida crescente e dificuldade para obter fluxo de caixa em curto prazo. Desmanche no meio da competição. Jogadores com muito tempo de casa e passado vencedor ficam perto do fim de seus contratos, mas não são procurados para negociar novos vínculos. Reforços rendem pouco, e a principal contratação da temporada acaba relegada ao banco de reservas. Ainda assim, a liderança de um torneio tão equilibrado quanto o Campeonato Brasileiro. O Corinthians de 2015 pode não ser um exemplo de gestão institucional ou de bom futebol, mas é definitivamente um case de gestão de pessoas.

Nos oito meses do ano, não foram poucos os assuntos que poderiam ter minado o desempenho alvinegro. Principalmente pela questão financeira – com dívida crescente e a necessidade de pagar custos referentes à construção de seu estádio, o Corinthians atrasou salários, premiações e valores referentes a compra de direitos de atletas. Além disso, deixou de renovar com Paolo Guerrero, perdeu nomes como Fabio Santos e Emerson Sheik e tentou empurrar para fora do clube outros titulares, como Gil e Elias.

Jogadores como Danilo e Ralf, campeões de tudo pelo Corinthians, ambos com cinco anos de casa, têm contrato até o fim do ano e ainda não chegaram a qualquer definição sobre futuro. Em meio a esse processo arrastado, os dois também perderam espaço na rotação montada por Tite: Ralf, que já foi capitão, hoje é reserva de Bruno Henrique; Danilo, outrora uma espécie de 12º jogador, perdeu minutos e tem sido menos acionado.

O que o Corinthians tem feito com os dois pode ser comparado com um caso do atual vice-líder do Campeonato Brasileiro. No Atlético-MG, o lateral direito Patric também tem vínculo apenas até o fim do ano e não chegou a um acordo para renovação. O jogador assinou pré-contrato com o Osmanlispor (Turquia), foi afastado pelo técnico Levir Culpi durante dez partidas, recebeu críticas públicas de dirigentes, desistiu de sair e agora tenta encontrar um meio legal para seguir na equipe brasileira.

E o caso de Vagner Love, então? Maior contratação da temporada, dono de um dos maiores salários do elenco, o jogador oriundo do Shandong Luneng perdeu espaço e deixou até de entrar em algumas partidas. Em outros clubes, esse roteiro seria suficiente para reclamações e insatisfação. No Corinthians, ele até chegou a se manifestar de forma negativa depois de uma substituição, mas logo contemporizou. A diferença de perfil dos atletas conta nesse caso, é evidente, mas o que chama atenção é a condução que o líder do Brasileirão teve em todas essas histórias.

Talvez seja justamente esse o maior mérito de Tite no atual Corinthians. De volta ao clube em que foi vitorioso, o técnico tem alguns aspectos que o transformam em para-raios: é respaldado pela torcida, sabe gerir pessoas e vive num contexto de paz política.

Tite e os responsáveis pelo departamento de futebol conseguiram blindar o Corinthians de todas as coisas erradas que aconteceram em 2015, e isso não é pouco. Até seleções brasileiras, como a que disputou a Copa do Mundo de 1990, já tiveram ambientes minados por questões administrativas.

Isso não faz do Corinthians um mundo perfeito. Sequer faz do clube um favorito ao título ou às primeiras posições do Campeonato Brasileiro. Independentemente do desfecho da história, porém, o grau de competitividade de uma equipe tão abalada por fatores externos é notável.

O Corinthians é exemplo do quanto o fator humano é importante no futebol. O futebol é um esporte, e nós costumamos avaliá-lo a partir de diferentes aspectos – tático, físico e técnico, por exemplo. Enquanto a lupa, os telões interativos e as imagens pausadas pululam em análises, o componente humano ainda é pouco abordado. E o esporte, afinal, é feito de gente.

Ou não foram componentes humanos que decidiram o triunfo do Flamengo sobre o São Paulo no último domingo (23)? O time paulista vencia por 1 a 0 no Maracanã, mas falhas assustadoras de Thiago Mendes e Auro deram base para a virada. Foram erros técnicos, de fundamentos, mas eles teriam acontecido se os atletas estivessem concentrados, tranquilos e convictos de suas ações?

O futebol é um trabalho como outros, e é comum que os profissionais tenham lapsos em qualquer ambiente. Erros podem ser potencializados por problemas pessoais ou questões simples – uma dor de dente, uma conta atrasada, um filho doente ou uma briga em casa, por exemplo. Em qualquer processo de gestão de pessoas, lidar com isso é um processo fundamental.

Em diferentes graus e de diferentes fontes, problemas vão existir sempre e vão afetar constantemente o rendimento dos profissionais de qualquer segmento. No caso do futebol, já passou da hora de entendermos que isso acontece e que os atletas não podem ser vistos apenas como máquinas. A blindagem feita pelo Corinthians é uma prova inequívoca do quanto isso é relevante.

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