Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade
Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade

PARTE 01 | TREINADOR DE FUTEBOL: UM RECURSO (DES)HUMANO?   

Quando o esporte de alto rendimento se depara com um ambiente progressivo, os treinadores de uma modalidade coletiva são reconhecidos como líderes técnicos de alta relevância, cuja essência do trabalho se concentra na melhoria do desenvolvimento esportivo, atlético e comportamental, aliado às circunstâncias contextuais onde o treinador, sua comissão técnica e seus atletas (ou jogadores) exercem as suas atividades. No caso do futebol profissional, entretanto, os treinadores sofrem com um cenário particular que apresenta maiores riscos de desemprego devido a uma mentalidade especulativa de ‘contratar-e-demitir’ sem embasamento, consequentemente desvalorizando a profissão e subestimando tanto o potencial quanto o conhecimento dos profissionais que participam do carrossel. Ao se avaliar um líder técnico no futebol, o treinador que ontem foi clamado como um herói pode se transformar hoje em um vilão meramente pelo fato de testemunhar um placar negativo. Porém, considerando que alterações frequentes em cargos de liderança conduzem o empregador a uma instabilidade organizacional, os clubes de futebol tendem a prejudicar o aprimoramento do rendimento esportivo de suas equipes devido a constantes mudanças de comando técnico, sobretudo durante a temporada competitiva. Por conseguinte, a sustentabilidade organizacional, econômica e social dos clubes empregadores tende a ser comprometida dependendo de como as decisões são geridas dentro da instituição, tal como quando há uma predisposição a substituições consecutivas de empregados por meio de análises superficiais. 

Ao nortear o processo de decisão interna sem uma mínima transparência de dados e informações, além de uma negligência ao cuidado necessário em torno das relações com o capital humano em nível estratégico e operacional, os empregadores possivelmente assumem o risco de afetar o desenvolvimento sustentável dos seus próprios empregados, colaboradores e demais atores com quem mantêm ligação. Para identificar se o comportamento organizacional em clubes de futebol valoriza os treinadores como recursos humanos sustentáveis à instituição, os processos de recrutamento e desligamento dos profissionais devem ser explorados com maior atenção. Ao examinar tais práticas, torna-se viável capturar como os treinadores são efetivamente selecionados, empregados e demitidos. Acima de tudo, uma melhor compreensão das etapas de entrada e saída do líder técnico pode revelar se os responsáveis pelas decisões estratégicas na plataforma esportiva realmente trabalham a favor da sustentabilidade organizacional dos seus clubes empregadores. Afinal, se uma mudança imediata de profissionais acontece, a situação pode indicar um equívoco ocorrido durante o processo de recrutamento previamente conduzido pelas pessoas responsáveis em definir a contratação. 

Na literatura acadêmica que investiga as ligas de futebol de interesse global por meio de avaliações econométricas, o Brasil já foi exposto como um território volátil ao trabalho dos treinadores de elite, onde a média de permanência no cargo corresponde a apenas 65 dias durante a temporada da liga nacional. Enquanto as mudanças de comando técnico são causadas por resultados desfavoráveis e/ou expectativas superestimadas dentro de uma janela especulativa de três a quatro jogos sequenciais, além de também serem instigadas por eliminações em copas paralelas, sinais de melhoria parcial foram estatisticamente identificados somente após sete jogos com o novo treinador no cargo, ressoando como o líder técnico do futebol profissional circula de modo vulnerável entre rescisões contratuais frequentes no Brasil. 

Especificamente, a profissão de treinador de futebol foi sancionada na legislação federal em 1993 (Lei 8.650/1993), muito embora os termos de suas obrigações legais tenham sido apenas instituídos no período do seu decreto oficial. Apesar da introdução de uma lei federal do esporte mais tarde em 1998 (Lei 9.615/1998), que inclusive já passou por múltiplos adendos, os treinadores profissionais de futebol ainda lidam com uma estrutura jurídica antiquada para defender as suas atividades e os seus direitos. Desde 2014, todavia, um (novo) projeto de lei federal (registrado como PL 7.560/2014) tem proposto atualizações importantes em torno da empregabilidade e das condições de trabalho aos treinadores de futebol no Brasil, incluindo requisitos para uma formação certificada da profissão, uma duração contratual mínima de seis meses, o direito à indenização em caso de rescisões de vínculo empregatício, além de uma cobertura de seguro ligada à profissão. Mesmo assim, em meados de 2022, uma versão revisada da proposta original de 2014 ainda aguarda por uma série de rodadas e aprovações políticas entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, atrasando a implementação de normas que possam salvaguardar a profissão de treinador de futebol no território brasileiro. 

Nota: Desde a implementação do formato de pontos corridos em 2003, a Série A do Brasileirão testemunhou 308 indivíduos ocupando os cargos de treinadores (com uma média de 34% de novos entrantes a cada temporada). No total, 701 mudanças de comando técnico ocorreram na elite do futebol do país de 2003 a 2021. Para efeitos objetivos, as trocas interinas representam os treinadores publicamente anunciados como interinos, mas que permaneceram no cargo até no máximo 15 dias (durante a transição entre a saída de um líder efetivo e a entrada do seu substituto).

A literatura acadêmica tem esclarecido como as experiências e a efetividade do trabalho dos treinadores de alto rendimento são rigorosamente influenciadas pelas práticas organizacionais da sua instituição empregadora. Dessa forma, a adoção de uma gestão profissional de recursos humanos pode se destacar como um caminho estratégico para otimizar a seleção de empregados e colaboradores, bem como aprimorar a sucessão de líderes técnicos em clubes de futebol de elite. Conforme identificado pela educação de gestores do esporte, o planejamento de recursos humanos para funções críticas e posições de liderança dentro de uma organização esportiva deveria envolver a identificação de potenciais candidatos, seguido por treinamento e programas de desenvolvimento que sejam direcionados a facilitar um eventual processo de sucessão dos profissionais. Aliás, diferentes estratégias sobre a administração do capital humano podem ser adotadas, seja para aprimorar as habilidades, incentivar a motivação, ou criar novas oportunidades aos empregados em questão, mas os gestores que operam na estrutura esportiva devem providenciar treinamento e orientação para reduzir a probabilidade de rescisões contratuais no ambiente de trabalho. Ademais, a comunicação deve ser consistente desde o recrutamento, passando por sessões de treinamento ou aprimoramento, além de avaliações internas, a fim de evitar erros inesperados de julgamento ou até mesmo um comportamento organizacional incoerente. 

Basicamente, a gestão de recursos humanos representa uma área ampla para a aplicação científica, mas o estudo em questão tem como objetivo revelar as práticas de contratação e demissão de treinadores profissionais empregados por clubes da elite do futebol no Brasil. Portanto, o conteúdo foi elaborado de modo a gerar um entendimento mais detalhado sobre os processos de recrutamento e seleção, bem como de desligamento do cargo, cujas revelações podem ajudar a iluminar como funcionam as etapas de entrada e saída de treinadores profissionais na realidade. Sobretudo, a participação dos treinadores envolvidos neste estudo deve ser enaltecida como uma contribuição benéfica aos atores interessados em aprimorar a gestão do capital humano e do desenvolvimento esportivo no país, auxiliando jovens e futuros profissionais a refletirem de forma mais crítica sobre suas escolhas, caminhos e decisões (seja no centro de treinamento, na cadeira do escritório ou na redação editorial). 

Visão geral dos 26 treinadores que participaram deste estudo (listados pela ordem de idade na data das entrevistas) 

Os profissionais envolvidos neste estudo congregam 26 treinadores de elite do futebol nacional, que foram entrevistados no período de 21 de Janeiro a 16 de Abril de 2021. Em termos demográficos, a média de idade dos profissionais apontou 54 anos, cuja variação oscilou entre 39 e 72 anos de idade, enquanto as suas regiões de origem apontaram 4 treinadores nascidos no Nordeste (em 2 estados), 4 nascidos no Sul (em 3 estados) e 18 nascidos no Sudeste (em 3 estados). Coletivamente, o grupo acumulou 3102 partidas oficiais no Brasileirão entre as temporadas de 2003 a 2020, que corresponde a 42,7% de todos os 7266 jogos nesse período de 18 anos. Considerando o lado dos clubes, todas as 43 instituições que competiram na Série A entre 2003 e 2020 empregaram ao menos um desses treinadores entrevistados. De um modo geral, esta investigação qualitativa reúne participantes que já trabalharam (e inclusive foram campeões) em competições nacionais, internacionais, continentais, bem como em Olimpíadas e Copas do Mundo. Para assimilar uma amostra compreensiva de treinadores de elite que já haviam transitado pelo território nacional, um esforço particular na confecção deste estudo se concentrou em convidar profissionais de origens distintas, priorizando o seu nível de conhecimento e buscando equilibrar o volume de jogos oficiais que cada treinador já tinha acumulado enquanto fora empregado durante a Série A desde 2003 a 2020. O único critério específico para participação no estudo correspondeu a comprovar se o profissional já havia assumido o cargo de treinador efetivo pelo menos uma vez durante o Brasileirão desde 2003. 

Relação com todos os 43 clubes que competiram na Série A do Brasileirão entre 2003 e 2020 e já haviam empregado pelo menos um dos treinadores que participaram deste estudo: 

Respeitando a natureza sensível do tema central deste estudo, bem como agindo de forma responsável para garantir que todos os treinadores entrevistados permaneçam anônimos e os seus respectivos depoimentos se mantenham igualmente confidenciais frente ao julgamento público, considerações éticas representam um aspecto primordial para sustentar esta investigação acadêmica. Portanto, além dos procedimentos metodológicos que foram rigidamente respeitados ao analisar, formatar e publicar o conteúdo científico original junto à comunidade acadêmica internacional nos âmbitos de gestão e ciências do esporte, esta versão adaptada em português acentua a prioridade dos autores em não expor nomes de pessoas ou instituições esportivas ao longo do texto. Para exemplificar o raciocínio, sempre que um clube foi citado pelos entrevistados, os autores converteram a sua menção para sinalizar a região de origem da respectiva instituição (ex.: clube do Sul, do Sudeste, do Centro-Oeste, do Nordeste, do Norte). Seguindo a mesma tendência de anonimato, sempre que uma pessoa foi especificamente nomeada pelos entrevistados, os autores converteram a sua menção para sinalizar a sua respectiva função no mercado de trabalho (ex.: um dirigente, um diretor, um presidente, um representante, um jogador). 

Os treinadores entrevistados neste estudo foram encorajados a compartilhar as suas experiências profissionais em relação às etapas de recrutamento e desligamento do cargo de treinador junto a clubes de futebol de elite no Brasil, oferecendo exemplos práticos de acordo com as suas respectivas origens. A saber, as questões desta investigação foram conceituadas e formuladas visando refletir a literatura de gestão de recursos humanos no esporte profissional. Quanto a etapa de entrada, cada entrevistado foi solicitado a elaborar como ele tem sido efetivamente contratado ao longo de sua carreira como treinador profissional. As questões levantadas foram: Como o processo de contratação acontece na prática (entre os clubes de ponta do Brasil)? Como você geralmente é abordado pelos clubes? Quem participa da abordagem? Como se define a contratação? Depois, seguindo à etapa de saída do cargo, os entrevistados foram solicitados a expor como eles têm sido efetivamente demitidos ao longo de suas carreiras profissionais. As questões levantadas foram: Como o processo de demissão acontece na prática (entre os clubes de ponta do Brasil)? Quem geralmente se responsabiliza pela decisão? No que se baseia a decisão que leva à demissão? 

Contemplando a realidade do contexto brasileiro, este estudo qualitativo responde exatamente as duas perguntas abaixo: 

Sobre a entrada no cargo: 

Como os clubes de futebol de elite no Brasil conduzem o processo de recrutamento de um treinador na prática? 

Sobre a saída do cargo: 

Como os clubes de futebol de elite no Brasil conduzem o processo de desligamento de um treinador na prática? 

A PARTE 2 revelará o processo de contratação de um treinador na elite do futebol brasileiro, apresentando os depoimentos sobre as etapas que antecedem a chegada dos treinadores a um novo clube empregador. 

Em seguida, a PARTE 3 revelará o processo de demissão de um treinador na elite do futebol brasileiro, apresentando os depoimentos sobre as etapas que envolvem a saída dos treinadores de seus respectivos clubes empregadores. 

Por fim, a PARTE 4 concluirá o estudo, ponderando os caminhos para uma possível reformulação prática na gestão humana e esportiva da área técnica de um clube profissional de futebol no Brasil. 

Compartilhe

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email
Share on pinterest

Deixe o seu comentário

Deixe uma resposta

Mais conteúdo valioso