No dia 23 de março de 2009, na clara luminosidade do meio da manhã, dirigi-me à Faculdade de Motricidade Humana (Lisboa, Portugal), para assistir à cerimonia de atribuição do grau de Doutor “honoris causa” ao Dr. José Mourinho, meu aluno, há 28 anos, no primeiro ano da Universidade.
Já dentro das instalações da Faculdade, perguntei onde poderia encontrá-lo. Apontaram-me o lugar certo, mas acrescentaram que se encontrava incomunicável. Mesmo assim, caminhei vagarosamente, na companhia do Mestre Luís Lourenço (amigo, quase irmão do “the special one“)e perguntei se estava, naquela sala, o José Mourinho. Um rapagão de cabelo loiro confirmou a presença, num convicto aceno de cabeça. Parecia um segurança e a sua imperturbabilidade era um modelo de controle profissional das emoções. Mas desembaraçou-me de hesitações e questionou-me: “E qual o seu nome?”. Não perdi tempo e respondi, imediatamente: o Dr. José Mourinho conhece-me por Manuel Sérgio. Mal ouviu o meu nome, exclamou: “Professor Manuel Sérgio? O mister fala-nos tanto de si! É evidente que pode entrar! Mas antes deixe-me abraçá-lo! O mister nutre por si grande admiração”.
Passei eu a inquiridor: E quem é você? E ele ainda surpreso pela minha inopinada presença: “Chamo-me Luigi Crippa. Sou o press office do Internazionale de Milão“. Afinal, não era segurança, mas um jornalista ao serviço do Inter. E, abrindo a porta, anunciou: “Mister, o professor Manuel Sérgio!“. E o José Mourinho, com uma amabilidade que nunca abriu fissuras de azedume e desconfiança, em relação ao seu velho professor, saudou-me de braços abertos: “Professor, venha daí um abraço“. A seu lado, de olhos fixos no Luís Lourenço e em mim, o empresário Jorge Mendes, o pai e o sogro de José Mourinho…
Poderá perguntar-se (e alguns já o têm feito) por que me distingue ele, de entre todos os seus professores – a mim que nada sei de treino desportivo e nunca fui treinador de futebol? Demais, no que ao futebol diz respeito, sou eu o discípulo e ele o Mestre! A resposta só pode ser esta: foi de mim que ele escutou, pela vez primeira, que o esporte não era uma atividade física, mas uma atividade humana; que a metodologia a empregar no esporte (e portanto no futebol) era a específica das ciências humanas; que o treino deveria ser simultaneamente físico-técnico-táctico-psicológico; que, para saber de futebol, era preciso saber mais do que futebol, ou seja, que só, com verdadeira cultura desportiva, o futebol se compreende; que é preciso ter em conta a pluralidade dos modos de conhecimento, procurando encontrar o porquê das vitórias de alguns treinadores, sem grandes habilitações acadêmicas.
Está aqui o segredo de José Mourinho: ele sabe que é especialista numa nova ciência humana e leva até o fim esta sua convicção. A esmagadora maioria dos treinadores não o sabe. E daí a diferença entre eles e o Doutor José Mourinho! Depois, é um homem de coragem e perspicácia invulgares, o que completa admiravelmente o estudo e a reflexão. O doutoramento “honoris causa“, outorgado pela Universidade Técnica de Lisboa, diz-nos que, desta forma: o José Mourinho é um verdadeiro homem de ciência e um universitário exemplar.
*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.
Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.
Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal
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