Futebol e cerveja… Ou seria cerveja e futebol?

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Tudo começou quando me deparei com uma matéria cujo título me chamou a atenção: “Atletas deveriam beber cerveja todo dia, diz estudo“. Seu subtítulo afastava possíveis desconfianças dos mais incrédulos: “Além de matar a sede e relaxar, a cerveja ajuda na recuperação após a prática esportiva”, dizia.
 
Não havia dúvidas. O Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC), da Espanha, avalizava o estudo “Idoneidade da cerveja na recuperação do metabolismo dos desportistas” que, baseado em relatórios e pesquisas de especialistas em medicina, fisiologia e nutrição da Universidade de Granada, defendia o consumo moderado da cerveja para os atletas como fonte de hidratação diária.
 
A tese, de autoria do cardiologista e ex-jogador de basquete da seleção espanhola, Juan Antonio Corbolãn – medalha de prata nas Olimpíadas de Los Angeles (1984) -, afirmava que o consumo diário de três tulipas de 200ml de cerveja para os homens e de duas para as mulheres, favorecia a recuperação do metabolismo hormonal e imunológico depois da prática esportiva de alto rendimento, além de também prevenir dores musculares.    
 
Tomei conhecimento dessa matéria no sábado ao final da manhã, em casa, quando já começava a pensar o que iria bebericar antes do almoço, já que o joguinho de futebol da tarde estava irremediavelmente prejudicado pela chuva que insistia em não parar desde a noite anterior.
 
Mais do que depressa quis levar ao conhecimento de meus colegas da Unicamp o “grande achado” e, no espírito recomendado (não só) para um fim de semana, fiz saber a todos que eu estava fazendo a minha parte! O que não sabia e, portanto, não esperava, era que tão ingênua mensagem fosse gerar tamanha – e distinta – repercussão…
 
A primeira delas veio reforçar minha euforia pela “descoberta”:
 
“Ah! Mas eu também considero da maior relevância social isso, afinal, a minha bebida preferida agora torna-se, definitivamente, também meu remédio e, além de tudo, uma poderosa arma para a melhoria do desempenho fisico ! eh eh eh. Isso é o máximo!”.
 
A segunda veio enaltecendo uma modalidade esportiva que, em nosso país, vive à sombra do futebol, para desespero do missivista:
 
“Vi esse cardiologista jogar algumas vezes. O Corbolãn foi um dos melhores que já vi jogar. Ele jogou dois campeonatos mundiais pelo Real Madrid e era espetacular, daqueles armadores clássicos. Só podia ser mesmo um armador basqueteiro para fazer uma pesquisa de tamanha relevância social”.
 
Já a terceira, me pegou no contrapé…

Surpreendi-me com o conteúdo de seu e-mail. Pertinente a matéria tratada, a OMS difunde os benefí­cios da alcoolemia relativa à ingestão moderada do vinho às pessoas já dependentes da bebida, mas esclarece que não recomenda aos não usuários. Sabendo que os libares chamados “sociais”, como o álcool e cerveja, são porta aberta para ingestões massivas, e inclusive de drogas pesadas, e, modéstia a parte, da relevância dos impactos de nossas posições de médico e educadores fí­sicos, e, portanto, intelectuais formadores de opinião, estou tomando a iniciativa de, frente ao material acima mencionado, solicitar manifestação a respeito da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas – www.abead.com.br.
 
Ademais, considerando os vultuosos lucros do grande capital cervejeiro, fico curioso em ver as declarações de ausência de conflitos de interesses dessa divulgação internacional de polí­tica pública fundamentada em 16 observações”.
 
Senti-me na obrigação de, antes de abrir a garrafa de vinho (a chuva e o frio me convenceram de sua pertinência naquele momento, em detrimento da cerveja), a dar sequência à conversa, o que fiz da forma retratada abaixo:
 
Confesso pra você que meu “‘espí­rito”, ao encaminhar a mensagem em questão, estava todo comprometido com a idéia do feriado, disposto a não ficar chateado pelo fato de que a maioria de nossos colegas não fizesse a menor idéia do que estamos, nós, paulistas, homenageando nesse fim de semana prolongado por conta do dia “9 de Julho”. Levando a sério a notí­cia, você está coberto de razão em chamar a  atenção para a possibilidade da mensagem/pesquisa aludida conter o “dedo” da máfia das indústrias cervejeiras. Não descarto essa possibilidade, até porque a tese da neutralidade da pesquisa cientí­fica nunca fez parte daquelas por mim defendidas.

Por outro lado, procuro também não ignorar a “máfia” da indústria farmacêutica, a qual o filme “o jardineiro fiel” tão bem retratou, “produzindo” doenças e testando medicamentos em pessoas, delas fazendo os “ratinhos” de plantão.
 
Também busco estar atento à  miopia do conceito de saúde que orienta – sem medo de errar – mais de 90% da formação em educação física nos  cursos superiores de nosso país, totalmente alheia e distante do conceito de saúde ampliada defendida por nossa política pública de saúde…

Fato concreto é que o Esporte – nos termos que a sociedade moderna a ele atribuí ­-, além de se fazer de simulacro do rendimento fí­sico necessário ao processo produtivo no modo de produção que pauta nossa organização societária, e à revelia dos que observam no  ócio, tempo e espaço nocivos aos interesses dessa lógica organizativa de sociedade, também se associa àquilo que “Baco” representa: festa,  alegria, prazer, regado a vinho e, por que não… À cerveja”.
 
E encerro a mensagem dando vazão a um sentimento que muito aflige aos que, pela ótica das ciências humanas e sociais, desenvolvem estudos e pesquisas no campo da área da Educação Física:
 
“Continuemos essa sadia reflexão, distante do campo acadêmico tão preocupado em produzir seus “papers” e, lógico… Publicá-los em periódicos “A” internacional”.
           
Pois não é que o assunto ainda trouxe a participação na conversa de outros colegas! Um deles, nos dando uma verdadeira aula sobre a origem da cerveja (vocês sabiam que ela teria nascido, ao acaso, há mais de 10.000 anos?), não sem antes nos alertar para o fato de estarmos “mergulhados em uma pobreza afetiva, marcada pelo higienismo e eugenismo do mundo contemporâneo, essa onda hiper conservadora e moralista, especialmente nos paises periféricos e com baixa densidade intelectual como o Brasil”.
 
E não deixa por menos:
 
“É evidente que sou totalmente a favor das interdições legais de publicidade de bebidas alcoólicas, de fumo e também de comida, desse estimulo estúpido em assoc
iá-las a ser bem sucedido/sucedida, bonito/bonita e sedutor/sedutora e é evidente que já assinei mil listas e me comprometi e me comprometo todos os dias contra o aviltamento da mulher, do corpo feminino na publicidade da cerveja no Brasil e de outros produtos… Mas, é preciso atenção, delicadeza e cuidado para não nos transformarmos em pequenos fascistas, policiais de uns e de outros, com atitudes completamente avessas à vida pública que é sempre política, à vida democrática”.

Já o outro, para não deixar dúvidas sobre o que me motivou a escrever, colocando a conversa de volta ao espírito de um sábado regado à cerveja e a futebol, e nos brindando com a lembrança de um outro componente inseparável dos dois acima, qual seja, a amizade que permeia a enxurrada de jogos e jogadores de final de semana dos clubes e várzeas dispersos por este país afora:
 
“Depois desta saudável chuva de e-mails, que acompanha este úmido final de semana, aproveitei a dica para deliciar-me com uma maravilhosa cerveja escura (negra, bock, malzebier, cafeinada, ou como queiram denominar).
 
Não poderia deixar de contribuir nesta ocasião com um estudo quase-científico realizado recentemente por um coletivo de amigos que se reúne numa chácara em Americana-SP para celebrar a amizade. Fizemos uma pesquisa a cegas com 12 marcas de cerveja, buscando identificá-las, junto a 14 especialistas (daqueles que possuem calos no cotovelo devido às inúmeras horas no balcão dos bares). Resultado: o que mais acertou conseguiu identificar 3 marcas.
 
Conclusão: A quantidade não necessariamente leva ao conhecimento profundo do assunto. Perspectivas: continuaremos nos aprimorando na arte de degustar desta bebida, moderadamente sempre”.

Não sei por que me lembrei de um filme (ou seria livro?) chamado Samba, suor, futebol e cerveja... Pois é… Para muitos, incompatíveis; para outros tantos, inseparáveis… E para você?
 
 
Para interagir com o autor: lino@universidadedofutebol.com.br

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