– Pai, o que é liberdade de expressão?
– É poder falar o que você quiser, filho.
– Valeu, pai. Então deixa eu xingar esse macaco filho da p#$@ do Luan!
– Não, filho. Peraí. Não é assim. Você não pod…
– Vou chamar aquele mico de chaminé do avesso! Ele vai se fu$5#@ aquele retardado, placenta de p#$%! Viado da p%$$@, só faltava ser judeu, aquela b2$&@ de terrorista muçulmano do cacete!
– Filho!!! Que é isso?
– É o que penso desse m#@$% do c@#@&%$!
– Não é assim. Você pode falar o que pensa só quando você pode arcar com isso. Não é para sair detonando, xingando, maltratando.
– É o que eu penso dele, pai. Vou falar o que eu acho dele. Ninguém tem nada a ver com isso.
– Quem fala o que pensa não pensa no que fala, filho.
– Mas você falou que liberdade de expressão é isso?
– É. Mas você precisa respeitar a liberdade de quem não gosta da sua expressão.
– Então você é contra falar o que pensa?
– Não. Eu sou contra quem fala o que vem à cabeça – se é que vem alguma coisa. Sou contra quem fala pelos cotovelos e com cotovelite. Sou contra quem pensa com o fígado. Sou contra quem usa o que há de melhor no humor para causar e tacar terror. Sou a favor de que todos se manifestem sobre tudo. Mas que todos arquem com as consequências e com a própria consciência. Ou a falta dela.
– Eu acho que tem mais é de ser sincero sempre, pai!
– Nem sempre é virtude a sinceridade. Certas coisas podem ser pensadas. Mas não ditas. E, sobre certos assuntos mais complexos, eu gostaria que as pessoas entendessem e respeitassem as opiniões contrárias. Até dos que não parecem entender muita coisa, e menos ainda respeitar quem pensa diferente.
– Não entendo.
– Você vai entender um dia quando for adulto, filho.
– Mas e isso que aconteceu em Paris com o pessoal daquela revista? Eles foram mortos por detonarem todo mundo? Mas não era brincadeira? Você não diz que com bom humor a gente supera tudo?
– Isso você vai entender menos ainda quando for adulto, filho.
– Tem hora que eu não quero crescer, pai.
– Tem dia que eu gostaria de pegar você e o mundo no colo e botar para dormir para ver se a gente pode começar tudo de novo.
*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.