A aposentadoria de um grande nome do esporte é sempre um momento significativo. Em poucas vezes, contudo, o ocaso de uma estrela é tão didático quanto o de Kobe Bryant, 37. O astro do Los Angeles Lakers, time que disputa a NBA (liga profissional de basquete dos Estados Unidos), anunciou no último domingo (29) que vai deixar as quadras depois da atual temporada, a 20ª dele como profissional. E o esporte brasileiro tem muito a aprender com isso.
Bryant escolheu para o anúncio um site chamado “The Players Tribune” (“A tribuna dos jogadores”, em tradução livre). Criado por Derek Jeter, ex-atleta do New York Knicks, o portal tem propósito de estreitar a distância entre os esportistas profissionais e seus fãs. Não é preciso fazer uma leitura aprofundada para notar a qualidade dos textos, quase todos escritos em primeira pessoa.
Agora tente imaginar um produto similar no Brasil. Quais atletas poderiam escrever textos pessoais e pertinentes sem cair no discurso laudatório dos “boleiros” que têm dominado a TV fechada no país?
A formação de atletas no Brasil negligencia fortemente o senso crítico e a relação com o público. Há iniciativas de patrocinadores ou de equipes de comunicação, mas faltam projetos mais abrangentes e amplos. Neymar apoiou o candidato Aécio Neves na última eleição presidencial (e aqui não entra qualquer julgamento sobre a escolha), mas quais foram as reais contribuições que o jogador de futebol deu para qualquer discussão? O mais próximo que ele chegou disso foi dizer que não se considera negro.
Atletas são jovens, e jovens podem não ter o discernimento necessário para se posicionarem sobre diferentes temas. No entanto, se não houver um suporte adequado, a idade será sempre apenas uma desculpa para a falta de cultura ou de perspectiva de mundo.
Afinal, quais são os atletas brasileiros que têm visão crítica sobre o mundo atual? Quais falam sobre política ou conseguem aproveitar o potencial de influência que o esporte oferece para transformar de alguma forma positiva a sociedade em que estão inseridos?
Não é apenas uma questão de perfil, de falta de fórum ou de eles não serem as pessoas mais indicadas. A discussão é: quais atletas são preparados para isso? Quais conseguem usar o poder de influência para algo maior do que vender calçados ou disseminar cortes de cabelo?
O site escolhido por Kobe é apenas parte da lição que ele ofereceu. O maior ensinamento, na verdade, é o teor da carta. O jogador fez uma declaração de amor ao basquete, esporte que escolheu como meio de vida. É um texto contundente, extremamente emotivo, que mostra claramente o quanto aquilo é relevante para ele.
E aí cabe mais uma comemoração com o esporte brasileiro: quais atletas são tão apaixonados pelo esporte que praticam? Quais conseguem demonstrar tão claramente esse amor e usam isso para incentivar outros praticantes?
O Brasil carece muito de uma política pública de esporte, mas também carece de bons exemplos. De uma forma geral, temos uma população extremamente pouco vinculada ao esporte.
Kobe também antecipou uma decisão que poderia se arrastar por toda a temporada. E por que isso é relevante? Porque os jogos dos Lakers, a partir de agora, serão sempre “a última alguma coisa” do astro. A decisão dele criou para a franquia de Los Angeles (e para os rivais, também) uma série de oportunidades até a última partida.
No Brasil, o centroavante Luis Fabiano anunciou a duas rodadas do término do Campeonato Brasileiro que não vai continuar no São Paulo em 2016. Também foi nessa época que o técnico Levir Culpi, ídolo da torcida do Atlético-MG, deixou a equipe.
O campeão Corinthians também tem um caso assim. O time alvinegro ainda não conseguiu renovar contrato com o volante Ralf, jogador escolhido pelo técnico Tite para levantar a taça.
Que chances as torcidas de São Paulo, Atlético-MG e Corinthians tiveram para se despedir de seus ídolos? Quais oportunidades os rivais tiveram para fomentar o embate?
O São Paulo marcou um jogo de despedida para o goleiro Rogério Ceni, é verdade. Mas isso é tudo que merecia a aposentadoria do atleta que mais vezes vestiu a camisa tricolor? Que tipo de homenagem ele recebeu durante o último Campeonato Brasileiro, o último clássico, o último duelo em casa, a última viagem e tantos outros últimos?
No futebol ou em outros esportes, nós valorizamos pouco os ídolos. Isso tem a ver com questões culturais, mas também – e principalmente – com a comunicação deficiente. Perdemos chances de aproximar atletas e público, e muito desse desperdício acontece simplesmente porque não temos ambientes que fomentem isso.
O amor de Kobe Bryant pelo basquete é lindo, mas apenas admirar não basta. Precisamos trabalhar para incutir em nossos atletas essa relação com o ambiente que os cerca.