O futebol brasileiro e o ano que não tem mais 12 meses

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Desde o início da década, quando a implosão do Clube dos 13 redundou na individualização de negociações de mídia no futebol brasileiro, pulularam previsões de que haveria uma “espanholização” no esporte mais popular do país. O termo remete à realidade da Espanha, que também não é adepta de acordos coletivos para cessão de direitos e que tem nesse modelo uma das explicações para concentração de renda nas mãos de Barcelona e Real Madrid. No entanto, os primeiros anos da prática no cenário nacional não foram suficientes para emular o panorama ibérico. Muito da imprevisibilidade tem a ver com idiossincrasias locais, como a duração da temporada.
O Campeonato Brasileiro, principal competição nacional, vai de abril a dezembro. Os times que fazem as melhores campanhas obtêm vagas na Copa Bridgestone Libertadores, cujo início varia entre janeiro e março. Contudo, o torneio sul-americano não oferece ganhos financeiros relevantes. Planejar-se para ele, portanto, tem mais a ver com uma expectativa esportiva.
Se um time não vai disputar a Copa Libertadores ou não possui uma expectativa realista de vencer a competição, não faz sentido investir grande parte do orçamento entre janeiro e abril. É possível montar um elenco com apostas durante o Estadual e concentrar despesas no período do Brasileirão.
A receita funcionou perfeitamente para o Sport na temporada passada. Grande surpresa positiva do Campeonato Brasileiro, o time pernambucano conseguiu montar um elenco forte para o certame nacional porque concentrou seu orçamento em oito meses. O time que disputou o Estadual era mais barato e serviu para testar opções para o restante da temporada (garotos egressos das categorias de base ou reforços cujo desempenho era menos conhecido, por exemplo).
É isso que o Botafogo tem feito no início de 2016. Recém-promovido à elite do futebol nacional, o time alvinegro não cedeu à tentação de desmontar o elenco da Série B e criar de cara um novo grupo para primeira divisão. Muitos jogadores saíram, é verdade, mas a diretoria preferiu ter no Estadual um grupo composto por jovens – o centroavante Luis Henrique, 17, é a principal aposta – e reforços como Joel Carli, Damián Lizio e Gervasio Nuñez.
A principal missão do Botafogo no Estadual é identificar quais jogadores poderão ser aproveitados no restante da temporada. A partir disso, buscar reforços que complementem e qualifiquem o elenco.
A proposta tem a ver com a diferença de receitas do futebol brasileiro. O Botafogo faturou R$ 163,4 milhões em 2014 (o balanço foi publicado em abril de 2015). Foram quase R$ 200 milhões a menos do que o Flamengo, líder de receitas do país na temporada (R$ 347 milhões).
Além disso, a dívida do Botafogo (R$ 845,5 milhões) é hoje a maior entre os clubes brasileiros. Esse déficit não é apenas alto, mas mal equacionado. A distância entre a equipe alvinegra e as outras integrantes da elite nacional não está apenas no faturamento.
A venda de direitos de mídia tem no futebol brasileiro um peso maior para o faturamento dos clubes do que ela exerce em outros países. Entretanto, peculiaridades como as altas dívidas e a possibilidade de planejar um calendário mais curto são fatores que equilibram forças no futebol nacional.
O Brasil trata o equilíbrio como um diferencial do futebol local, mas ele é apenas um dos frutos da desorganização e da falta de planejamento que assolam o esporte no país. A bagunça é tão grande que acaba criando distorções como a equiparação de forças.
Já passou da hora de o futebol brasileiro discutir os efeitos do atual formato de venda de mídia. A briga entre Globo e Esporte Interativo poderia servir como embrião disso, mas o desfecho mais provável é que os clubes locais ignorem usem o assédio apenas para barganha.
No fim, a discussão de venda de mídia serve apenas para os clubes verem que a Globo paga pouco por um produto que está extremamente maltratado. Inflacionar o mercado demandaria também uma mudança de visão sobre o que é comercializado, mas fazer isso dá trabalho…
Da mesma forma, a criação da Primeira Liga poderia servir como indutor de um ambiente de planejamento para o futebol nacional. Mais do que organizar um campeonato, a liga tem a ideia de dar aos clubes a chance de tomar rédeas e pensar no mercado como um produto.
O problema básico da Primeira Liga é que isso ainda é feito pelos próprios clubes, sem o discernimento ou o distanciamento necessário. É impossível ter esse tipo de discussão se não existir mediação.
A Primeira Liga é um avanço em relação aos Estaduais e a praticamente tudo que existe no futebol brasileiro atual. O exemplo positivo da Liga do Nordeste também mostra um caminho. Nos dois casos, porém, o avanço ainda é limitado por questões essenciais. A bagunça às vezes contribui para mascarar nossos defeitos.

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