Demissão

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O esporte é um mercado como qualquer outro, mas não há mercado como o esporte. Em que outro segmento profissional um funcionário expõe insatisfação durante a atividade, reclama publicamente (e veementemente) do lugar em que está, é demitido (também de forma pública e veemente), sofre ameaças de ações judiciais, vira alvo de extenso (e ambíguo) escrutínio popular e só depois tem sua situação verdadeiramente discutida? O caso Riascos é uma soma de problemas e tropeços, mas o cenário decorrente disso mostra uma série de características que fazem do futebol um ambiente único para quem trabalha com comunicação.
Duvier Riascos, 30, foi contratado pelo Cruzeiro em 2015. Enfrentou rejeição desde o momento em que a negociação foi concretizada – para a torcida alviceleste, o atacante colombiano era mais lembrado por um pênalti perdido na Copa Libertadores de 2013, quando defendia o Tijuana, em lance que podia ter eliminado o Atlético-MG do torneio. Nunca foi realmente aceito na Toca da Raposa.
Em maio de 2015, a despeito de ter contrato de três anos, Riascos foi emprestado ao Vasco. Não conseguiu evitar a queda da equipe carioca para a Série B do Campeonato Brasileiro, mas se consolidou. Virou referência também pelo estilo – as danças, o cabelo, o comportamento exacerbado.
A mudança parecia o melhor cenário para todos, mas o contrato de empréstimo terminou. O Cruzeiro queria dinheiro para que Riascos continuasse no Vasco, e o Vasco não quis bancar. O colombiano voltou à equipe mineira em maio, valorizado, com expectativa de finalmente conseguir espaço e aceitação.
Novamente, porém, a passagem de Riascos pelo Cruzeiro não teve nada disso. O atacante encontrou um elenco esfacelado, em transição, com troca de comando técnico e uma enorme quantidade de mudanças no elenco. Sucumbiu em meio a um grupo que tem colocado a equipe na parte inferior da tabela do Campeonato Brasileiro e escancarou tudo isso no último domingo (17), em derrota para o Fluminense. Ao ser acionado pelo treinador Paulo Bento, chamou mais atenção em campo pelas caras e bocas do que pelas jogadas. Foi vaiado pela torcida mineira e tomou um cartão amarelo por reclamação – a advertência, a terceira, suspendeu o atacante da próxima partida.
Ao sair de campo, Riascos foi questionado sobre a atuação e a evidente insatisfação. Em entrevista à “Rádio Itatiaia”, respondeu que estava infeliz e que havia sido retirado de onde estava bem “para jogar nesta m…”. Foi o estopim para uma bomba.
Em entrevista coletiva, logo depois do jogo, o diretor de futebol do Cruzeiro, Thiago Scuro, anunciou a demissão de Riascos. Desligou o jogador da delegação e avisou que o clube tomaria medidas legais para punir o atacante. Enquanto isso, torcidas das duas equipes que ele defendeu no Brasil inundavam redes sociais – os mineiros pediam a saída imediata dele, e os cariocas pediam a volta do colombiano.
O desabafo de Riascos foi desmedido, obviamente. O jogador pode até alegar que estava com a cabeça quente e que foi interpelado em um momento de pressão, mas a verdade é que esse tipo de exagero não contribui em nada para o contexto todo. A declaração dele colocou em xeque o trabalho e o nível dos profissionais da equipe mineira.
A reação de Scuro também foi forte, o que ele julgou necessário para proteger a imagem do clube e dar uma espécie de recado a outros jogadores. Institucionalmente, essa foi uma manifestação importante e teve um tom tão assertivo quanto o momento pedia. O problema, nesse caso, não foi cabeça quente ou um nível incontrolável de insatisfação. Nenhuma comunicação oficial desse tipo pode ser feita sem amparo de todas as áreas responsáveis.
Nesta segunda-feira (18), menos de 24 horas depois do episódio, o presidente do Cruzeiro, Gilvan de Pinho Tavares, foi bem menos enfático. Em entrevista ao portal “UOL”, lembrou que o jogador é um ativo do clube e que não vai simplesmente ser demitido. Houve um investimento para contratar o atacante, que ainda tem mais de um ano de vínculo e praticamente não deu retorno técnico à equipe mineira.
Depois de tudo que foi criado, contudo, o ambiente de Riascos no Cruzeiro parece extremamente inviável. É uma situação ainda mais grave do que a que está posta no Corinthians, que ainda tem até o fim do ano para administrar o problema que se tornou o atacante Alexandre Pato.
Num mercado comum, o profissional que chegasse a esse ponto simplesmente sairia da empresa. Tentaria um acordo amigável ou então romperia o contrato. Trabalho é uma parte importante da vida, mas não existe trabalho se o profissional estiver infeliz ou estiver em uma condição miserável – e essa infelicidade ou essa condição miserável não dependem de quanto a pessoa receba por mês, independentemente dos altos salários praticados no futebol; é uma questão de sensação e de relação com o entorno, e isso pode acontecer mesmo entre os mais bem remunerados.
No entanto, o futebol não é um mercado comum. É um segmento em que todas as decisões de qualquer profissional são submetidas a julgamento público e que têm consequências para processos maiores. Se simplesmente demitir Riascos, por exemplo, o Cruzeiro terá de administrar o rombo que isso causará no orçamento do clube.
Todo esse episódio reforça a importância de que estratégias de comunicação sejam pensadas e discutidas entre todas as áreas. O desfecho do caso Riascos afetará o Cruzeiro como um todo e não pode ser definido no futebol para depois chegar a áreas como diretoria e departamento jurídico. É fundamental que as pessoas funcionem como a engrenagem que um time deveria ser – e que a comunicação reflita isso. A cabeça quente não pode ser desculpa para atropelos em processos tão relevantes.

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