Há duas imagens especialmente emblemáticas de Neymar na decisão do torneio de futebol masculino dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. O dono da camisa 10 e da faixa de capitão da seleção brasileira anotou um gol de falta no empate por 1 a 1 com a Alemanha e executou com perfeição a cobrança que definiu a vitória de seu time por 5 a 4 nas cobranças de pênaltis, mas não são essas as cenas mais relevantes que ele protagonizou no Maracanã. Os feitos do jogador em campo podem dizer muito sobre seu repertório técnico, mas a faixa usada na comemoração e uma discussão com um torcedor revelam traços de personalidade muito mais densos.
Neymar tem 24 anos. É pai, é jogador de seleção há pelo menos seis temporadas e já esteve entre os três melhores do mundo em eleição realizada pela Fifa. Defende o Barcelona, clube que está entre os maiores faturamentos do planeta, e representa marcas que igualmente se encaixam entre as mais poderosas do mundo. É um dos rostos de empresas como Nike, Ambev, Procter & Gamble, Panasonic e Unilever. O comportamento dele representa muito mais do que atitudes individuais.
Por tudo isso, é injusto avaliar as ações de Neymar como se ele fosse qualquer outra pessoa de 24 anos. Neymar não é apenas um moleque ou apenas um homem imaturo. É alguém que carrega enorme responsabilidade – e que é muito bem pago por isso, diga-se. Muitas apostas de empresas e instituições estão alicerçadas na imagem do atacante.
Quando foi comemorar o maior título que ele já conquistou com a seleção brasileira, contudo, Neymar ignorou todo esse repertório. Colocou na cabeça uma faixa com a inscrição “100% Jesus” e ficou com o adereço durante toda a festa no Maracanã. Toda personalidade – e toda pessoa, aliás – tem direito de ter suas crenças e professá-las como achar mais conveniente. A discussão aqui não é sobre liberdade religiosa, mas sobre representatividade: quando está ali, Neymar não é apenas um indivíduo; representa os ideais e os valores de marcas e instituições que apostaram nele. E nem todas essas marcas são 100% Jesus.
A religião, porém, foi apenas uma das facetas de Neymar após o ouro olímpico. A outra foi uma discussão acalorada com um torcedor na saída de campo. Exaltado, o atacante ofendeu e ameaçou alguém que estava na arquibancada do Maracanã. Ao contrário dos palavrões ditos pelo camisa 10, os motivos para isso não ficaram claros.
Neymar não é obrigado a ser uma personalidade laica. Tampouco assumiu compromisso de ouvir calado os impropérios de todo mundo e de reagir com sorrisos a todo tipo de provocação. Neymar é humano, e como humano ele pode ter reações individualistas e desconectadas do contexto.
Nesse aspecto, o grande problema é a falta de sinceridade. Não é por acaso que uma série de bad boys do esporte “vende” melhor do que o principal jogador da seleção brasileira. A questão aqui é que a blindagem de clubes, instituições e marcas em torno do jogador cria uma imagem de que ele está evoluindo ou de que existe da parte dele um compromisso com os fãs.
Neymar é hoje o principal garoto-propaganda do esporte brasileiro. Ainda assim, também tem um nível de rejeição assustador para alguém com tantas conquistas em tão pouco tempo de carreira. E essas restrições à imagem do atacante têm relação direta com a falta de sinceridade na comunicação.
Ninguém é obrigado a ser uma personalidade modelo ou cumprir todos os pontos da cartilha de um porta-voz ideal. Ninguém é obrigado a pensar em contexto, pesar cada atitude e fazer as coisas de acordo com valores das marcas que representa. O problema, no caso de Neymar, é passar uma falsa impressão disso.
Seria muito mais genuíno se Neymar assumisse os problemas de personalidade e se comportasse como alguém moldado por esses aspectos. Se lidasse melhor com a imagem de alguém falível e evitasse a falsa ideia de que pode ser o líder que tantos cobram dele. Depois dos Jogos Olímpicos, o camisa 10 da seleção deu um importante passo nessa direção ao abdicar da faixa de capitão.
É possível comunicar qualquer tipo de personagem ou marca. É possível obter sucesso com perfis absolutamente dicotômicos, desde que exista sinceridade na transmissão dessas mensagens. Neymar tem uma série de virtudes, mas ainda precisa de maturidade para admitir esses traços de personalidade. As frustrações sobre Neymar são quase sempre resultantes de expectativas que não são condizentes com o que ele realmente apresenta.